Capítulo 3
2320palavras
2023-08-14 16:27
Ponto de Vista de Lisle
Pego minha pequena mochila e saio da alcateia. Ainda estou no território da Shine Star, mas longe o suficiente para que minha presença não seja detectada. Tudo de ruim que aconteceu no meu aniversário me magoa profundamente e admito que quase me matei, mas sei que, além da raiva que sinto agora, deve haver algo mais neste mundo para mim.
Nancy está comigo. Eu simplesmente não posso acreditar que tenho uma loba. O choque no meu aniversário a fez vir à tona, muito antes do que ela planejava, mas agora Nancy está comigo. Minha primeira transformação vai acontecer quando ela quiser. Para mim, já é bom saber que ela está comigo. Eu aprendo muito com ela. Agora, sei como esconder meu cheiro e tornar minha presença indetectável, como caçar para sobreviver também. Praticamente, nos últimos quatro meses, somo apenas nós duas, sozinhas no coração das montanhas. Eu vivo como uma eremita, porém é tudo de que eu preciso para me conhecer melhor. Vivo tantos anos no meio daquela confusão, com raiva, que acredito que é normal viver assim. A alcateia quase me fez pensar que eu merecia as coisas horríveis que aconteciam comigo.

Ninguém merece viver assim.
Nos últimos quatro meses, moro em uma pequena caverna. Nossa alcateia está no estado de Montana e, felizmente, muito do Parque Nacional de Yellowstone está em nosso território. Um imenso parque protegido e parcialmente habitado está à minha disposição, assim posso me abrigar. Eu odeio machucar os animais, então eu caço apenas para satisfazer as minhas necessidades básicas. Com a ajuda de Nancy, aprendo a evitar outros lobisomens, torno-me indetectável e, por isso, pretendo ficar aqui por um tempo, até decidir em que direção devo seguir.
A Alcateia Shine Star fica a cerca de 50km de onde estou agora. Ainda não rompi os laços com a alcateia, não acho bom me tornar uma loba renegada enquanto estou aqui, tudo precisa ser feito no tempo certo. Hoje é para ser um dia normal. Tenho uma pequena conversa com a minha loba ao acordar, faço um mergulho rápido em Undine Falls, caço um coelho ou um pássaro para ter algo para comer nos próximos dias, então tento relaxar e encontrar alguma paz. Essa é minha rotina diária, mas parece que nada vai acontecer como eu gostaria, pois, assim que saio da água, escuto um barulho por perto.
"Lisle..." Ouço Nancy chamar. "Esconda-se."
Eu imediatamente me visto e tento esconder a minha presença. Tento ouvir e, de alguma forma, entender pelo menos um pouco do que está acontecendo. Existem mais de 100 lobos renegados. Nunca vi tantos juntos antes, nem mesmo no dia em que meus pais morreram. Espero que eles não estejam indo na direção da Shine Star. Eu sinceramente odeio todos de lá, mas não quero que ninguém morra nas mãos de alguns renegados m*lditos. A alcateia tem cerca de 1200 membros, contudo, mais da metade são crianças e idosos. Os que realmente sabem lutar são cerca de 300, isso é muito, mas não o suficiente para aguentar um ataque massivo. Um lobo renegado é como um cachorro louco. Quanto mais ele fica sozinho, mais perigoso se torna. É por isso que eu não quero romper os laços com a alcateia. A sensação de pertencer a uma ajuda a manter a sanidade de um lobo; isso, assim como a proximidade do seu companheiro predestinado. E eu tenho a chance de ficar com um companheiro predestinado.
"Nancy, vamos segui-los à distância." Eu digo, um pouco confusa. Não entendo o que eles pretendem fazer nem para onde estão indo.

Depois de duas horas me esgueirando atrás deles, tudo fica claro. Eles não estão de passagem. O seu alvo é a Shine Star.
"Ah, pelo amor da Deusa! Nancy, o que vamos fazer?" Eu pergunto, muito assustada.
Eu odeio esta alcateia. Poucos membros dela não me tratam mal, mas é o suficiente para que eu deseje que eles sejam feridos e mortos pelas mãos de alguns lobos renegados? Definitivamente, não!
"Não vamos fazer nada, Lisle." Nancy afirma. "Vamos ficar atentas ao que vai acontecer e, se for preciso, veremos como e se é possível ajudar."

"Mas... há tantas crianças, Nancy!" Digo, em pânico.
"Não force a barra, Lisle. A minha hora ainda não chegou."
A hora dela não chegou, a hora dela não chegou!
"Estou curiosa para saber se você estaria aqui comigo, Nancy, se Damon não tivesse me machucado tanto quatro meses atrás. Eu provavelmente ainda estaria sem loba."
"Provavelmente, mas estou aqui agora e estou dizendo para você ficar calma."
Estou me escondendo, não quero magoá-la.
"Ah, Nancy... Isso é chantagem emocional. Pelo amor da Deusa!"
Ao longo da hora seguinte, observo os renegados se aproximarem da alcateia. Por favor, Deusa da Lua, proteja-os, ou as crianças pelo menos... Dr*ga! Proteja todos eles!
"Todos eles?" Nancy pergunta, levemente entretida, consigo até visualizar como se ela erguesse uma sobrancelha e me olhasse, aborrecida.
"Todo mundo..." Eu digo em voz baixa.
"Até mesmo o nosso irmão perverso e traíra?"
Eu não respondo.
"Até Daniel Tapper e Clay Tapper? Inclusive, pensando mais agora, acho que eu deveria ter batido neles com mais força..."
Eu engulo em seco e fecho os olhos.
"Até o Damon..."
"Está bem, Nancy, eu sei o que você quer dizer. Todos! Já sofri com um ataque de renegados menor do que esse e isso mudou a minha vida da pior maneira possível. Temos que conseguir fazer alguma coisa. Precisamos avisá-los pelo menos."
"Não precisamos... Ouça com atenção."
Nancy está certa, a Alcateia Shine Star sente os lobos renegados chegando. Os membros não são pegos de surpresa.
Os minutos seguintes são um pesadelo. À frente da Shine Star estão o Alfa Anthony e o Gama Tapper. É estranho, mas, após a morte de meu pai, o Alfa Anthony não quis substituí-lo por ninguém. Damon, Rafael, Daniel e Clay estão ao lado deles; seguidos por vários guerreiros. Vejo a tensão em seus rostos e escuto Daniel dizer: "Estamos f*rrados!"
O ataque é absolutamente sinistro. Observo a batalha, vejo como lutam contra os renegados à sua frente. Eles fazem o possível para mantê-los longe da alcateia e proteger aqueles que estão em casa. Infelizmente, e isso não é uma surpresa, eles estão muito sobrecarregados. Eu fico escondida, vejo como são derrubados um por um. Os renegados são derrubados, mas os membros da alcateia também.
"Daniel!" Escuto Damon gritar de repente, mas é tarde demais. Daniel é tomado por dois renegados e dilacerado. Tudo acontece tão rápido que sinto que vou desmaiar. Começo a tremer.
"Lisle, fique calma." Nancy me diz.
Rafael sente dor, mas consegue se libertar e escapar; contudo, não por muito tempo. Há tanto sangue por lá. Em meia hora, já fica claro que a alcateia está perdendo. De repente, tudo se acalma em minha mente. Eu não escuto mais nada. Nenhum grito de dor nem de ataque, nenhum rosnado ou golpe. Tudo fica calmo.
Ninguém mais vai morrer hoje, eu preciso ajudá-los. Abro os olhos para ver Rafael abalado e cheio de sangue, tentando levantar Damon, que parece sem vida. Alfa Anthony tenta rastejar até eles. Clay tenta ajudar o próprio pai, que está ferido, e os guerreiros ficam sem estratégia na ausência de líderes. Tudo é um caos. Todos morrerão se nada mudar.
"Nancy, me ajude!" Eu digo ao correr para o campo de batalha.
"Lisle, não!" Mas não estou interessada em nada que ela queira dizer. Posso me livrar dessa alcateia quando quiser, mas não quando esses lobos renegados decidirem! Se eu vou morrer hoje, que seja! Mas não vou ficar parada, sem tomar alguma atitude.
Eu corro e a grito o mais alto que consigo. É o meu primeiro rosnado. Eu quase fico com medo de tal poder. Corro e me jogo na luta, pulando da pedra na qual eu me escondia, mas, quando meus pés tocam no chão, percebo que estou de quatro. Tenho quatro patas enormes. Pelo amor da Deusa! Eu sou uma loba! E eu sou enorme!
"Agora, não, Lisle. Eu vou cuidar de você, então lute! É o que você quer, não é? Lute!"
Vejo Alfa Anthony no chão, olhando chocado para mim. A boca de Rafael está aberta. Ele tenta proteger o Damon, que continua inconsciente e encharcado de sangue. Seu abdômen está dilacerado.
Eu olho em volta e avalio a situação. Você sabe quem é Nancy, não sabe? Não é à toa que a minha loba tem esse nome. Ela é a Deusa da sabedoria e da guerra. Eu imediatamente assumo a liderança.
"Formem grupos!" Eu grito para os guerreiros. "Fiquem em grupos e protejam as costas uns dos outros!"
Não sei como consigo, mas os guerreiros obedecem imediatamente à ordem e começam a lutar em grupos. Em duas horas, o silêncio cai sobre o campo de batalha. Muitos membros da alcateia morrem, mas, no momento, nenhum renegado está se movendo. Eu mato mais de 30 lobos renegados sozinha. Mal posso acreditar nisso.
Eu me sento e olho ao redor. Apenas nossos guerreiros estão de pé e me encarando, chocados. Tenho certeza de que agora eles sabem quem eu sou. Eles também percebem que eu sou ou deveria ter sido a Luna desta alcateia, que eu sou a companheira de Damon. Apenas assim para eles ouvirem qualquer coisa que eu diga, apenas com o meu comando de Luna.
Eles abaixam a cabeça e se inclinam diante de mim. O líder dos guerreiros se ajoelha na minha frente e diz, como se estivesse envergonhado:
"Obrigado, Luna. Você nos salvou hoje."
Ele faz uma reverência, perante os olhos chocados de Alfa Anthony e de Rafael.
Ainda estou na forma de loba e percebo como sou fenomenal. Não tenho certeza de quão grande sou, mas a maioria dos renegados é menor do que eu. Os únicos com um tamanho parecido são Alfa Ottawa e Damon.
"Eu não sou sua Luna. Não sou e nunca serei." Digo sem rodeios. "Ajudem os feridos, alguns estão em um estado grave."
"É claro, Luna..." Escuto ele dizer, entretido. Balanço a cabeça, desaprovando tal comportamento, então sigo até o Alfa Anthony, que está caído ao lado de Damon. Rafael continuar a me encarar, chocado.
"Você nos salvou hoje. Obrigada, Lisle." Alfa Anthony me agradece.
"Não precisa me agradecer. Só fiz o que era certo." Eu me viro para Rafael, que me mira com lágrimas nos olhos. Ele está visivelmente ferido, mas tenta dar apoio para o Damon.
"Coloque-o nas minhas costas, eu o levarei para o hospital." Rafael e Alfa Anthony colocam Damon nas minhas costas com cuidado, então eu começo a correr com ele até o hospital. Atrás de mim, o resto da alcateia vem junto; alguns carregam os feridos em combate, e outros, os mortos.
Aparecer com Damon quase morto nas minhas costas causa um enorme choque. A Luna Lillian corre para acudi-lo, e os médicos o levam imediatamente. Tudo é tão rápido que não tenho tempo de perceber o que acontece ao meu redor. É aquela confusão de novo, a raiva que sinto mais uma vez. Eu estou no lugar onde mais sofri. Há seis anos, quando eu era uma criança, e todos me culpavam por não conseguir lutar e precisar que alguém me protegesse. Hoje, eu me vinguei. E que vingança...
"Lisle." Rafael fala atrás de mim. "Eu trouxe algumas roupas para você."
Eu as pego sem olhar para ele e volto a minha forma humana. Em poucos minutos, estou na frente do hospital de novo e observo os membros da alcateia carregando os feridos.
"Lisle..." Rafael chama de novo. "Sinto muito."
Não digo nada. Ele é meu irmão, o homem que eu mais amei nesse mundo e, ainda assim, o que mais me machucou, aquele que trocou o amor por um ódio descabido.
"Cale a boca, Rafael! Eu só quero que você cale a boca."
"Eu sinto muito, muito..." Ele choraminga ao meu lado.
"Como o Clay está? Sinto muito pelo Daniel." Será que eu realmente sinto muito? "E... o Damon?"
"Ele está em coma. Perdeu muito sangue, mas vai sobreviver. Não sabemos quando vai se recuperar. Damon deve ficar nessa condição por muito tempo." Rafael me explica.
"Mas ele vai viver enquanto outros perderam suas vidas." Quero ir embora, mas ouço meu nome ser chamado de repente pela Luna Lillian.
"Lisle, por favor, ajude o Damon!"
"O que você quer de mim, Luna Lillian? Eu já não o trouxe vivo para casa? O que mais posso fazer?" Sei que ela é a mãe dele e que o ama, mas também sei o quanto ela me odeia. É muita audácia vir me pedir para ajudar ao Damon.
"Por favor, Lisle. Ele precisa da sua companheira para se recuperar mais rapidamente. Os médicos dizem que ele pode demorar meses para acordar."
"Você está pedindo demais, Lillian. Eu não sou a companheira dele. Você não tem ideia do que o seu filho fez, para me pedir uma coisa dessas."
"Eu sei o que Damon fez, sei que ele é culpado, mas é o meu único filho. Ele tem que viver."
"Eu não posso, sinto muito..."
Saio do hospital, porém, após conversar com a Nancy, eu volto e vou direto para o quarto onde Damon está. Seus pais me olham com expressões chocadas. Rafael também.
"Do que vocês precisam?" Pergunto aos médicos. "Sou a companheira predestinada dele. Damon me rejeitou, mas ainda não aceitei a rejeição. Vou resolver esse problema quando ele acordar. Mas, agora, do que vocês precisam?"
"Primeiro, precisamos do seu sangue. O sangue da sua companheira o ajudará a ficar mais forte e se recuperar mais rápido. O vínculo realmente vai ajudar." Um dos médicos afirma.
"Não temos um vínculo." Recuso, sarcástica. "Nem me surpreende que precise de meu sangue, é tudo que Damon sempre quer nesses anos todos... Talvez, enfim, consiga." Comento, sentando-me na em uma cadeira e enrolando as mangas da minha camisa. "Então, dê a ele o meu sangue!"
*