Capítulo 10
1673palavras
2023-07-24 03:46
O homem era o maior cabeça dura que eu já conheci, parecia uma mula teimosa agindo daquele jeito, se eu não tivesse visto a tempo não duvidava que ele sairia pulando com uma perna só e desceria as escadas ao encontro da irmã.
Eu tinha que confessar que era lindo a forma como ele amava e cuidava das pessoas da família, mas não dava pra negar que ele se negligenciava totalmente. Eu entendia que ele se sentia o homem da casa o único que poderia proteger e cuidar delas. Mas quem estava fazendo isso por ele?
Quando Rosa e a filha entraram no quarto eu confirmei que era Carla, a irmã mais nova dele que eu tinha visto nas fotos. Mas choque me tomou quando eu vi o estado em que estava o rosto dela e os braços. Tinham marcas vermelhas e outras quase roxas, no pescoço dela dava para ver as marcas dos dedos.
— Eu vou matar o desgraçado! — Alejandro rosnou da cama, se remexendo e querendo se levantar, mas eu apertei minhas mãos em seus ombros o impedindo de ir a qualquer lugar.
— Ele... Eu não sei o que deu nele. — Carla falou com o queixo tremendo. — Estávamos discutindo como sempre e então ele partiu pra cima de mim, me bateu várias vezes e depois tentou me enforcar.
Eu puxei uma cadeira para ela se sentar, já prevendo que logo ela cairia de tão abalada que estava, e Rosa a ajudou a sentar.
— Eu previ que essa merda ia acontecer, aquele pedaço de merda nunca soube te respeitar e todas aquelas brigas acabariam levando a isso. — Alejandro se curvou pegando as mãos da irmã e as levando até a boca, plantando vários beijos.
— Todo casal briga Alejandro. — ela tentou argumentar, mas olhando para o estado dela não era uma briga boba de casal. — Eu nunca pensei... Nunca pensei que ele seria capaz disso. — e com aquelas últimas palavras ela desabou, chorando e soluçando.
Ver ela daquele jeito ao me fazia pensar em tudo o que eu passei, todas as vezes que tive que colocar uma maquiagem em cima das marcas e fingir que estava tudo bem.
Charles não costumava me bater, o abuso dele era sexual e psicológico, mas às vezes ele agia como o animal que era e me machucava de todas as formas possíveis.
— Vamos à delegacia e você vai prestar queixa agora mesmo, aquele desgraçado vai pra cadeia, mas não antes que eu coloque minhas mãos sobre ele. — ele segurou na cama e tentou levantar, mas eu voltei a segurá-lo com força no lugar.
— Você não vai a lugar nenhum, não faz nem dois dias que engessou essa perna e a médica lhe deu semanas para ficar com esse gesso! — gritei lembrando a ele do próprio estado. — Eu vou com a Carla até a polícia.
— Não eu posso ir...
— Não Rosa, você está tão abalada quanto Alejandro. — a interrompi determinada, eu sabia bem como seria se ela fosse com a filha. — Você fica com esse cabeça dura aqui e eu vou com Carla.
Ainda não tínhamos nos conhecido, mas ela pareceu concordar já que não retrucou. Meus olhos continuaram presos em Carla e mesmo que fosse incômodo para ela que eu ficasse encarando, eu não conseguia desviar o olhar.
— Peguem o carro. — a voz de Alejandro me trouxe de volta. — Mas não gosto da ideia de vocês duas saindo sozinhas, ainda mais depois do que o maluco fez.
Revirei os olhos com todo aquele cuidado extremo dele e sai do quarto já indo buscar meus documentos.
Quando voltei Carla estava chorando novamente, mas dessa vez sentada na cama junto do irmão que a abraçava, enquanto Rosa estava em pé ao lado da cama segurando os dois.
Era uma imagem linda de se ver e meu peito se espremeu em pensar que nunca tive aquilo, nenhum pouco de afeto ou apoio, abraços e sorrisos eram apenas na frente das câmeras para esconder a família fria e sem coração.
Podia ser horrível admitir, mas eu sentia uma pontinha de inveja, queria que minha família fosse assim, se aquela fosse a minha família minha vida seria tão diferente.
— Podemos ir? — perguntei antes que eu começasse a chorar junto com elas.
— Claro, vamos logo com isso. — ela se levantou e deu um sorriso forçado para o irmão. — Voltamos logo bombeirinho, não se preocupe tanto.
Bombeirinho? Eu ia ter que perguntar de onde tinha vindo aquele apelido.
— Me avisem quando chegarem lá. — ele me encarou por um longo minuto, como se quisesse falar alguma coisa, mas acabou não dizendo nada.
— Vamos ficar bem. — respondi saindo de lá e sendo seguida pela irmã dele.
Tomei cuidado em manter meus passos devagar, não sabia se ela estava afetada pelos golpes ou não, então para não arriscar segui em um ritmo lento.
Eu abri a porta do carro para ela e olhei para trás por um instante, encarando a janela de Alejandro, como se esperasse que ele aparecesse na janela, me esquecendo por um segundo que ele não podia se levantar.
— Acho que devemos ir para o hospital. — foi a primeira coisa que Carla falou quando eu entrei no carro.
— Você está bem? — medo que ela estivesse mais mal do que deixou transparecer dentro da casa.
— Eles vão ter que fazer exames de qualquer jeito, então é melhor irmos direto para o hospital.
E ela estava totalmente certa, no hospital mesmo chamaram a polícia e fizeram todo o procedimento da queixa e os exames para seguir em frente com o processo contra o marido, de quem ela também ia se divorciar.
Quando nós finalmente fomos liberadas eu lembrei de avisar a Alejandro, não queria deixar ele e a mãe ainda mais preocupados, ou era capaz do homem vir parar no hospital atrás da irmã.
— Falando com o bombeiro? — Carla me pegou de surpresa aparecendo ao meu lado.
— Você tem que me dizer de onde veio esse apelido, bombeiro, não parece nada com Alejandro. — ele estava mais para incendiário, porque era o que causava em mim sempre que me olhava.
— Ele tinha um show fixo na boate, onde ele era o bombeiro, várias mulheres iam lá procurando exatamente isso: o bombeiro que fazia todas pegar fogo. — Carla explicou rindo divertida, mas eu me virei chocada.
Boate? Show? Mulheres? Do que ela estava falando?
— Show e ele era o bombeiro? Isso é uma peça?
— Não, claro que não. — ela gargalhou jogando a cabeça para trás. — Não acredito que o safado não te contou que era stripper.
Minha boca caiu aberta em choque. Sophie tinha me dito que ele era um safado, mas esqueceu totalmente de dizer que ele era um stripper.
— Ninguém me disse nada disso na verdade. Como pode eu estar morando na casa dele há um mês e não saber disso?
— Ele meio que esconde essa coisa da maioria das pessoas, mas até dois anos atrás ele ganhava a vida tirando a roupa nos palcos.
Eu ia ter que conversar com ele quando chegássemos em casa, está aí uma coisa que eu ia querer ver, Alejandro fazendo um show só pra mim.
— Me conta mais, quero saber tudo sobre isso...
— Magie! — uma voz no meio do estacionamento me fez tirar o pensamento de Alejandro.
— John? O que está fazendo aqui? — questionei antes mesmo que ele chegasse até nós a passos largos.
Os olhos de Carla voaram em cima do garotão usando um terno perfeitamente alinhado, os sapatos lustrados, a barba e o cabelo eram o que lembravam o quanto ele era jovem, davam um ar mais despojado dentro do traje dele.
— Patrick me mandou, vou cuidar da escolta de vocês duas hoje.
— Você o que? — perguntei ainda sem entender.
— Quem é você? — Carla questionou o esquadrinhando de cima a baixo.
— Eu sou John Reynolds, vou acompanhar vocês duas até em casa e me certificar da segurança da senhorita Carla.
— O que? Como assim? Eu nem te conheço! — ela parecia ainda mais atordoada e eu já começava a imaginar o que tinha acontecido.
Alejandro e Patrick com certeza tiveram uma conversinha enquanto nós estávamos fora, só me surpreende que não tenham mandado algum dos homens de Cris, mas sim o motorista pessoal de Patrick.
— Você vai ter toda a explicação assim que chegar em casa. — murmurei querendo que ela desviasse a revolta de John para o irmão, que era o verdadeiro responsável. — O irmão protetora ataca novamente.
— Ele não pode fazer isso! — Carla bateu o pé e cruzou os braços como uma adolescente mimada, mesmo que já tivesse vinte e três anos.
— Seu irmão está machucado e se sentindo mais do que impotente nesse momento. — lembrei a ela enquanto abria a porta do carro e deixava que John a guiasse para o assento da frente. — Ele sente a necessidade de poder proteger vocês todas e com a perna assim não vai conseguir, então dê um desconto a ele, só está querendo seu bem.
— Você o defende agora porque não é com você!
— Não estou defendendo ele, estou lembrando o quão importante é o que ele está fazendo por você. Algumas pessoas não tem essa mesma sorte! — entrei no carro e bati a porta antes que ela fizesse o mesmo e pudéssemos sair dali.
De certa forma ela tinha razão, Alejandro foi protetor comigo mais cedo e eu agi como ela, questionando e negando a ajuda. Mas a diferença era que eles eram uma família, eu não era ninguém na vida dele, apenas uma desconhecida que tinha caído de paraquedas em sua vida.
Alejandro cuidava da família porque as amava, mas comigo era só pena e isso era uma coisa que eu não conseguiria aguentar.