Capítulo 28
1749palavras
2023-08-02 03:25
Theodora
Depois da conversa tensa com Octávio Servantes, eu voltei para casa em pedaços. Vivi aquele final de quinta-feira como uma zumbi.
No dia seguinte o Robert não parava de me ligar. Eu não atendi e bloqueei qualquer tentativa dele em falar comigo. Eu estava no trabalho quando um número estranho me chamou no celular. Quando atendi era Robert:
— Por favor, não desligue,Tessy!
— Robert? Como se atreve? — Fiquei incrédula com a ousadia dele em usar um outro número de telefone para me ligar.
— Precisamos conversar.
— Para me enrolar mais? Acha divertido me enganar? Não quero saber de você — brandei. Eu só conseguia sentir raiva.
— Eu não sei exatamente o que meu pai te falou, mas pode acreditar que não fiz nada para te enganar!
— Me responda uma coisa, o contrato que você tanto falou já estava assinado?
— Sim, mas...
Desliguei.
Corri para o banheiro do escritório e fiquei lá por um tempo, tentando organizar minhas emoções. Ouvir a voz dele havia me abalado demais.
Enia veio até minha mesa e me corrigiu em alguns lançamentos, aguentar a reclamação dela me pareceu algo bem leve, se comparado com a situação do meu espírito.
Quando cheguei em casa liguei para Kaique.
Ao perceber minha voz melancólica ele veio imediatamente me buscar. Cumprimentou minha mãe na sala e subiu até meu quarto daquele jeito apressado.
— Você vai para minha casa hoje! Festa do pijama! — Decretou, abrindo o meu guarda roupa e enfiando umas roupas minhas numa sacola de supermercado que encontrou num canto qualquer — Não vou deixar você aqui se desmanchando em lágrimas! Hoje vamos comer a beça, beber cerveja e ver filmes de terror.
— Obrigado Kaique, por vir me socorrer.
— Ninguém solta a mão de ninguém, tá?
Saímos em direção ao apartamento dele, que ficava a poucos minutos dali. Antes paramos numa padaria e meu amigo sai pegando tudo o que parecia gostoso. E cervejas. Muitas cervejas. Nunca gostei de beber, contudo aquele era um dia diferente.
Então entramos no apartamento dele. Eu adorava a decoração espalhafatosa que ele compôs, com paredes em tons alaranjados e vermelhos, contrastando com o branco. Haviam quadros de celebridades da música em preto e branco e miniaturas de Buda e de uma divindade indiana que não lembrava do nome. E incenso. O apartamento tinha um cheiro gostoso de incenso.
Kaique tirou para mim uma camisa da campanha contra o câncer de mama que eu usava para dormir e ele mesmo voltou instantes depois com um robe de oncinha que combinava demais com o ruivo dos cabelos dele.
— Vem gatona, senta aqui no tapete.
Ele espalhou as guloseimas e a bebida sobre a mesinha de centro e nos sentamos no tapete felpudo que tomava quase todo o espaço livre da pequena sala.
— É o seguinte: Vou deixar você desabafar, chorar, se desfazer em tristeza aqui e depois vamos jogar essas memórias no porão!
— Será que consigo?
— Querida, já terminei várias vezes, uma pior que a outra! Mas olha para mim: estou vivo e minha pele continua sem uma ruga.
Eu ri e peguei uma bomba de chocolate. O doce desceu macio pela minha boca e entendi porque Kaique tinha comprado tantas coisas. Comer com certeza melhora os ânimos.
— Eu sempre fui romântica, queria um amor de novela.
— Sei bem disso, não é à toa que namorou tão pouco.
— Pois é. E o Robert parecia uma resposta a todos os meus sonhos.
— Mas comprometido, diga-se de passagem!
— Sim, eu sei! — Abri uma latinha de cerveja — Mas eu me senti tão atraída… Como se eu fosse uma pequena moeda sendo puxada por um grande imã. Como resistir?
— Ele é um gostosão mesmo. — Suspirou.
— Parece que o destino foi fazer a gente se cruzar mais vezes do que o normal. E eu ainda estava frustrada com aquele namoro com o Ector, por não ter conseguido...
— Liberar a priquita?
— Isso. E uma coisa que parecia tão complicada para mim acabou que rolou tão natural com ele. — Balancei a cabeça afastando as doces lembranças que vieram à tona — Lá, naqueles dias que passamos juntos na praia, algo que era um desejo, sei lá, uma atração louca se transformou em um sentimento mais elaborado...
— Se apaixonou, né, nega? Eu sei, eu sei… Quem manda no coração?
— Né?
— Mas me explica direito o que o velho falou porque acho tudo muito estranho. O Robert parecia corresponder de verdade...
— Então! — Percebi que já tinha tomado a latinha toda de cerveja. Abri outra e enfiei uma azeitona na boca.
— Alejandro falou que o velho é sorrateiro.
— O que mais me convenceu foi a foto. Rob estava sorrindo! E usando o presente que ela deu! Porque abriram uma champanhe? E essa data de casamento está marcada? A Lisa disse que a outra secretária ligou e confirmou a informação.
— Ah é? Que filho da puta! Me convenceu, acredita? — Kaique arfou. — Eu tive simpatia por ele.
Eu continuei bebendo e comendo como uma louca. Xinguei Robert e toda a família Servantes e Kaique me incentivou a colocar tudo para fora. Depois disso já estamos um pouco altos e o que era choro virou risada. Kaique se levantou e me ergueu o braço.
— Miga, vem dançar.
— Estou tonta, não sei se consigo — eu ri.
— Fiz uma playlist dos anos 80. Não tem música melhor para se animar! — Ligou a pequena caixa de som — Tem Madonna e Cyndi Lauper na minha lista!
Começamos a dançar sem nos preocupar com o som alto. O síndico veio reclamar mas Kaique apenas gritou coisas incompreensíveis. Estávamos bêbados e não aguentamos dançar mais que seis músicas.
Sentamos no sofá para assistir um filme e adormeci nos dez primeiros minutos. Não vi Alejandro chegar e levar Kaique para dormir no quarto.
Acordei toda jogada no sofá na manhã seguinte, minha cabeça doía muito. Alejandro estava na cozinha tomando café, era estranho vê-lo sem o uniforme de segurança .
— Bom dia Alejandro. Que horas são?
— Quase dez horas. — Ele riu da minha cara de espanto — Toma, é bom para ressaca. — Me deu um chá e um remédio que engoli sem questionar.
— Eu deveria estar no trabalho!
— É sexta-feira, relaxa. Depois você passa no hospital e pega um atestado. Qualquer médico que ver você sabe que não está bem — riu e voltou a mexer no celular.
Eu me levantei do sofá e corri para o banheiro. Minha aparência era horrível. Prendi os cabelos num coque alto e troquei de roupa.
— Vou indo — avisou, calçando os sapatos. — Agradeça ao Kaique por mim.
— Se cuida, Theodora.
Sai do condomínio massageando a têmpora por causa da ressaca, mas o remédio que tomei parecia que logo faria efeito. Caminhei um pouco distraída, procurando o celular dentro da bolsa quando ouvi chamarem meu nome:
— Theodora!
Me virei.
Era Robert.
Lindo como sempre em seu terno slim sem gravata, a barba por fazer e os cabelos desalinhados daquele jeito que lhe dava um ar perigoso.
Por um instante eu vacilei. Meu coração quase me traiu e quis se encher de alegria, porém eu logo voltei à realidade. Fingi que não o vi e continuei meu caminho.
Senti que seguravam meu braço e me voltei para o homem e o encarei com o olhar frio como aço.
— Me solta!
— Theodora, vamos conversar. — Apesar de Robert tentar parecer calmo, eu percebi certa ansiedade em sua voz.
— Não!
— Você precisa me ouvir.
— Não quero te ouvir! Você só vai me enrolar mais e mais. — Puxei meu braço com força. Meu olhar pousou sobre a boca dele e eu senti imensa vontade de beijá-lo. Como eu poderia estar tão brava com ele e ao mesmo tempo o querer? — Você brincou comigo.
— Escute...
— Não, escuta você! — Levantei a voz — Está sendo difícil para mim e você aparecer aqui não facilita as coisas.
— Tessy, eu terminei com a Betina.
Silêncio.
— Eu não acredito.
— Mas é verdade, não fazia o menor sentido. Sou um homem livre agora e quero ficar com você.
O encarei. Ficamos parados na calçada olhando uma para a outra, sem reação. Eu estava sonhando com aquelas palavras, mas não consegui ficar feliz. Se ele tivesse me dito essas mesmas coisas dias atrás eu estaria radiante, soltando fogos, mas hoje não.
— Rob, mesmo que eu acreditasse em você, não seria suficiente. Seu pai me humilhou me convidando a ser sua amante de luxo. E aquele dia que a Betina foi na sua casa e eu fiquei escondida no seu quarto...
— Tessy...
— Seu pai não quer a gente juntos, sua mãe também não. E minha mãe sempre desconfiou das suas intenções. — Respirei profundamente — Começou a ficar difícil demais.
— Nada disso era um obstáculo antes.
— Eu só quero que me deixe em paz!
— Desculpa, mas não vou deixar! — Se aproximou e me abraçou — Não é possível que você desistiu da gente!
— Não vale a pena! — gritei.
Nesse momento começou a chover. Não havia percebido como o tempo estava nublado. As gotas rapidamente se intensificaram e caem pesadamente, como uma cortina de água, nos molhando por inteiro. No entanto, não nos movemos, ele continuava abraçado a mim, olhando no fundo dos meus olhos.
— Não vale a pena — repeti.
Me soltei. Então comecei a andar apressada pois me sentia perdida, sem saber como agir.
Ah, se ele dissesse algo para me convencer a lutar por nós dois. Bastava que ele me dissesse as palavras mágicas...
Atravessei a rua e olhei para trás. Apesar do aguaceiro, pude ver a silhueta de Robert vindo na minha direção. Ele parou, ainda do outro lado da rua.
Então ele gritou algo.
— O quê? — gritei de volta
— Eu te amo! — ele gritou novamente.
A chuva abafava o som das nossas vozes, mas daquela vez eu entendi.
Robert disse que me amava! Ele me amava!
Era tudo o que eu queria ouvir. Meu coração explodiu diante da declaração dele.
— Eu também te amo! — gritei.
— O quê?
Então ele fez menção de atravessar a rua.
E foi nesse exato momento que um carro surgiu do nada e o atingiu em cheio.