Capítulo 27
1706palavras
2023-08-02 03:24
Robert
Eu estava no banheiro masculino do Térreo com Victor. Não quis voltar à minha sala na presidência da RCS.
— Aquela bruxa te atacou! — O diretor industrial esbravejou — Como seu irmão tem coragem de colocar uma louca dessas aqui na empresa!

— Ela estava defendendo a irmã — falei, não jogando mais lenha na fogueira. — Não comenta isso com o Cristian.
— Sério? Não está com ódio dela?
— Eu poderia estar se o ódio que sinto pelo meu pai neste momento não fosse maior.
— O que aconteceu, Rob?
— Lisa contou que meu pai foi ontem falar com a Theodora e propôs que ela fosse minha amante enquanto me caso com Betina.
— Seu pai deve ter os motivos dele — Victor disse. — Você está mesmo certo do que quer?

— Victor, você já se apaixonou? Já gostou de alguém de verdade?
— Está óbvio que não. — Se encostou na pia do banheiro — E até onde eu saiba, nem você.
— Isso mudou, eu amo a Theodora. — Parei um segundo antes de prosseguir — Percebo agora que nunca falei isso à ela.
— Você mudou muito, meu amigo. Se gosta tanto assim dessa mulher, liga para ela. Parece que tem um monte de coisa entalada aí.

— Ela não atende minhas ligações. — Peguei o celular e liguei mais uma vez — E parece que desinstalar os aplicativos de mensagem.
— Então tenta do meu celular, ela não conhece meu número.
Aceitei a oferta do meu amigo e não perdi tempo. Peguei o aparelho de Victor e fiz a chamada. Após alguns toques a voz que eu tanto gostava encheu meus ouvidos:
— Alô? Quem fala?
— Por favor, não desligue, Tessy! — Iniciei assim.
— Robert? Como se atreve?
— Precisamos conversar.
— Para me enrolar mais? Acha divertido me enganar? Não quero saber de você. — Ela praticamente gritava ao telefone.
— Eu não sei exatamente o que meu pai te falou, mas pode acreditar que não fiz nada para te enganar!
— Me responda uma coisa, o contrato que você tanto falou já estava assinado?
— Sim, mas...
Ela desligou sem me dar a chance de explicar. Suspirei longamente e minha cabeça começou a latejar quase que instantaneamente.
— Não deu certo, né?
— Nunca a vi tão reticente.
Um rapaz entrou no banheiro e nos cumprimentou, me trazendo de volta a realidade.
— Vamos sair daqui.
— Vai voltar para sua sala? Quer que eu demita a Lisa?
— Não, caramba Victor, que implicância com a moça!
— Ela te deu um tapa no rosto, no meio da rua! — Victor estava estarrecido — O que vai fazer então? Vai atrás da Theodora?
— Ainda não. — Caminhamos para fora do banheiro — Não posso ir atrás da Tessy sem me resolver primeiro. Se eu só tiver promessas para oferecer, ela não vai aceitar.
— Então?
— Vou imediatamente terminar com a Betina e depois ter uma conversa esclarecedora com meu pai.
— Tá certo. Boa sorte! — Me deu umas palmadas encorajadoras nas costas — Eu cuido de tudo por aqui.
Fui imediatamente para meu carro e dirigi até a casa de Betina que fica na Vila Olímpia. O trajeto foi rápido e eu ia ensaiando o que dizer. Queria ser breve, objetivo mas não insensível.
Betina me atendeu surpresa, pois eu raramente frequentava a casa da família dela. Tentou me convencer a entrar, contudo eu imaginei que seria difícil a conversa se a mãe dela também estivesse na sala.
— Por que não entra? Estou tão contente que veio me ver. Você tem sido um noivo bem relapso — sorriu.
Betina esbanjava a simpatia usual dela, no entanto eu tentei ignorar qualquer traço de culpa que me fizesse desistir.
— Betina, eu vou começar pedindo perdão para você, foi sempre sincera, amorosa e muito compreensiva. — Engoli a seco — E apesar disso, da grande admiração que nutro por você, não é suficiente para nos casarmos.
— Rob?
— Preciso terminar com você. — Prossegui — O que você merece sou incapaz de te oferecer.
— Você está com outra pessoa, né? — Os olhos dela foram tomados pelas lágrimas — É aquela mulher que estava na festa? — Limpou o nariz com a barra da blusa — Bem que me falaram! Eu tentei não ver.
— Betina, espero que me desculpe. Nossas famílias sempre se deram bem...
— Você acha ela mais bonita? Ela é magra como uma modelo e alta.
— Você também é...
— E muito sedutora — ela continuava falando, como que para si mesma. — Eu nem tive chances, não é, Rob?
— Não diga bobagens. Não planejei nada disso, Betina. Você não merece se casar com um homem que ama outra mulher. Precisa de alguém cujo coração seja apenas seu.
— Era para ser você esse homem! — E me deu um empurrão, cheio de ressentimento.
Eu permiti que ela esmurrasse meu peito e chorava enquanto me vandalizaram, estava no direito dela.
Então ela parou, me olhou com os olhos inchados como se implorasse para que tudo fosse um terrível engano. Eu apenas virei as costas e entrei no carro, deixando Betina para trás.
Terminar um relacionamento não era fácil, apesar de não termos um noivado intenso, vivi sob a sombra daquela aliança por muito tempo, a vida parecia mais simples quando todos os rumos estavam traçados e eu havia me desviado dos trilhos que meus pais milimetricamente traçaram.
Quando achei que estava com a cabeça novamente no lugar, dirigi até a Mansão Servantes. Dona Marta saiu apressada para chamar meu pai, percebendo que minha cara não era das melhores.
Octávio Servantes veio ao meu encontro na bela sala de estar, cujo jogo de sofá era de uma brancura difícil de manter. Minha mãe veio com ele, andando há alguns passos atrás, fumando um cigarro atrás do outro.
— Queria me ver, filho, aqui estou. — Ele tentou me cumprimentar com um abraço, mas eu não deixei — Parece que está bravo comigo. O que aconteceu?
— Vamos nos sentar — Ofélia disse, fazendo questão de sentar ao meu lado. — Marta, traga um lanchinho.
Todos nos sentamos. Olhei para Octávio Servantes e uma raiva me consumiu, ainda assim não me deixei cegar por ela.
— Quero comunicar a vocês que terminei com Betina.
— Robert! — minha mãe exclamou, inconformada.
— E quando sair daqui vou atrás da Theodora que é a mulher com quem eu realmente quero ficar.
— Você é um tolo. — Meu pai se enfureceu — Um desmiolado!
— Eu já sei da sua armação pai. Tentou me manipular para que eu não terminasse com a Betina, mas achou que isso era suficiente?
— Eu tentei te ajudar, a organizar a vida! Você poderia ter as duas, garoto imbecil! — Se levantou — Talvez você não fosse capaz de dar conta de duas mulheres!
— O que isso significa? — Ofélia parecia perdida em nossa conversa — Alguém me explica agora!!!
— Seu marido quer que eu mantenha Betina como esposa e Theodora como amante — contei, não contendo a ironia. — Vai me dizer que a senhora não ajudou o meu pai? Mais do que ninguém, você queria que eu me casasse com ela!
— Não sob qualquer circunstância. Eu adoro a Betina e não queria que ela vivesse um inferno. Mas não que... — Ofélia se virou para meu pai — Achei que tinha mudado!
— Ofélia, são duas situações diferentes!
— Não são não! — Então minha mãe estava gritando com meu pai, como no passado — É normal para você ter amante? Não é nada demais? Você continua a ver outras mulheres?
— É claro que não, querida. Se acalme.
— Você está ensinando o pior de você ao Robert! O sentimento das pessoas não tem o menor valor para você? Me fala Octávio! Como pode ser tão frio!
— Chega! — ele bradou. — Calada! Você é mulher e não entende nada disso! Saia agora e me deixe terminar de conversar com nosso filho.
Ofélia arregalou os olhos diante da ordem do marido. Então ele amansou a voz:
— Eu vou resolver tudo com nosso menino, você sabe que sempre arrumei as bagunças da nossa família.
Os olhos de Ofélia marejaram, pois ela estava profundamente ofendida, ainda assim ela obedeceu e saiu, nos deixando a sós.
Dona Marta ia se aproximando com uma bandeja de café, mas deu meia volta quando percebeu o clima pesado que se abateu sobre nós.
— Acha que a RCS cresceu só à base de amor? A base do sonho? Foi preciso mais! Tive que trancar meu coração e passar por cima de tudo ou todos que fossem um obstáculo! Acha que quando jovem também não me apaixonei? Eu amava desesperadamente outra mulher, mas já estava casado com sua mãe, não ia me divorciar. A empresa dependia da herança da sua mãe. — Fez uma pausa para respirar — E eu não me arrependo. Formei uma família boa, tive dois filhos e a empresa vai de vento em popa.
— Então você não ama a minha mãe?
— Hoje eu a amo e você também amará a sua noiva se ficar tempo suficiente ao lado dela.
— E tudo isso é por causa da empresa? Tudo é em torno do sucesso do grupo? No final das contas eu percebo que você é apaixonado também pai, só que por uma coisa feita de concreto...
— Moleque imbecil!
— Quer saber? Eu abro mão da presidência. Tá na hora do Cris assumir! Ou quem sabe o Victor, ele também tem ações...
— Não comenta uma idiotice dessas, Robert Servantes! O que vai fazer fora da RCS? Quer viver como um bosta assalariado?
— O que eu quero é ser feliz.
Meu pai agarrou a peça de porcelana sobre a mesa de centro e a atirou contra a parede. O barulho do objeto se estilhaçando ecoou pela casa. Eu o ignorei, me virando para sair. Enquanto eu atravessava a porta escutei mais objetos serem arremessados.
E apesar da grande confusão, de estar abdicando da presidência do Grupo, nunca me senti mais leve.