Capítulo 26
1827palavras
2023-08-02 03:23
Theodora
Quarta—feira — Antes dos acontecimentos do capítulo anterior...
Eu estava me mantendo muito ocupada, isso era perfeito pois sobrava menos tempo para sofrer. No trabalho a carga de serviço tinha aumentado com a ausência de duas pessoas no quadro de funcionários e eu passava a noite toda no estúdio de dança. Depois da aula habitual havia o ensaio com o professor
Jeferson. Ele havia criado uma coreografia linda, porém exigia muita técnica e eu estava sofrendo com uma sequência de giros.
Apenas em casa eu me permitia pensar em Robert, sozinha em meu quarto era difícil não lembrar do olhar dele sobre mim. Quando ele me abraçava eu sentia que poderia enfrentar qualquer coisa no mundo.
Naquele dia, em especial, almocei com o pessoal do trabalho num restaurante próximo ao escritório para comemorar o aniversário do dono. Voltamos rindo pois uma boa comida é capaz de levantar até os piores ânimos.
— Tem um carrão estacionado lá fora — comentou Flávia, olhando pela janela de vidro.
Eu também olhei e o veículo me pareceu familiar. Era de uma marca importada, muito longo e imponente
Enia foi até a porta. Logo vi Octávio Servantes sair do carro e entrar na Contacte Contabilidade, acompanhado do seu segurança, Alejandro. Meu corpo gelou. Não deveria ser coincidência, ele deveria estar ali por minha causa.
Vi o pequeno homem entregar um cartão para Enia e ela sorrir para ele, efusivamente. Se dirigiram para a sala do dono e foram recebidos com festa.
Depois de uns quinze minutos eles saíram e Octávio e Enia vieram na minha direção.
— O Sr. Octávio Servantes do Grupo RCS disse que é um amigo seu — Enia disse.
— Eu pedi ao seu chefe que dê licença para que você almocei comigo, Srta. Theodora. — Ele tinha uma expressão cortez e eu fiquei curiosa.
— Eu já almocei.
— Melhor ainda. Vamos dar uma volta.
— Pode ir, Theodora — Enia disse.
Todos os colegas me olhavam com curiosidade. Com certeza pensando o pior de mim com o velho Octávio Servantes.
— Sr. Servantes, não esqueça de olhar nossa proposta! — disse Enia, enquanto saímos.
Peguei minha bolsa e entrei no veículo, ficando ao lado do pai de Robert. Minhas mãos suavam. Apesar das feições serenas, algo em Octávio Servantes me despertava medo e apreensão. Mesmo que ele tivesse feito perguntas razoáveis e inocentes sobre meu trabalho e minha família, não conseguia relaxar nem por um segundo.
Então o carro parou numa rua da região do Parque Ibirapuera, um endereço muito próximo ao Flat de Robert. Saímos do carro e Octávio abriu o portão automático de uma casa amarela e sorriu para mim.
— Venha, entre! Quero te mostrar esse lugar.
Entramos. Era uma casa de uns seis cômodos, mas cada um deles era enorme. Antes de passar pela porta que dava para a sala, observei o jardim bem cuidado com alguns personagens em concreto, aninhados entre as flores.
Octávio me chamava para olhar cada espaço, como se eu fosse comprar o imóvel. E era uma casa realmente bonita, com uma decoração aconchegante.
— Venha, vamos nos sentar na copa. Alejandro! — Ele chamou o segurança. Alejandro me lançou um olhar de cumplicidade, pois eu sabia que ele namorava o Kaique — Alejandro, cadê aquele suco que compramos? Na geladeira? Sirva um copo para a moça.
— Não precisa...
— Você vai adorar, é de uma padaria próxima daqui. A vizinhança toda é uma maravilha.
Então Alejandro veio com uma garrafa descartável de suco de goiaba, dois copos de vidros e nos serviu.
— Então, o que achou dessa casa? É linda, não?
— Sim, parece uma casa de boneca — respondi.
Octávio Servantes tinha assumido uma postura descontraída, naquele momento cheguei a simpatizar com ele.
— Eu comprei há anos para uma pessoa muito querida, mas ela sumiu antes de ter a oportunidade de botar os olhos no que seria o presente. — Olhou ao redor, com certa nostalgia — Pintei as paredes de amarelo, a cor favorita.
— Tenho certeza de que essa pessoa teria adorado.
— Sim. E que bom que gostou, quero que seja um cantinho para você e meu filho.
Me espantei. Octávio Servantes estava oferecendo aquela casa para Robert e eu? Isso mesmo?
— Sério? Estou surpresa porque achei que me quisesse longe do seu filho.
— Eu sou um velho bem vivido. Beba mais suco, querida. — Encheu novamente o meu copo — Se eu for contra o que meu filho quer, só vou estimulá-lo contra mim. Aliás, todo pai quer ver seu filho feliz e você obviamente faz bem ao Robert.
— Nossa, eu realmente não sei o que dizer, Sr. Octávio. Seu filho também me faz muito bem e tudo o que mais quero é ficar com ele.
— Eu sei que ele também te adora. E podem ficar aqui. Vou passar a casa para o seu nome, esse será meu presente para você e fica registrado meu gesto de boa vontade.
— Na verdade, não é necessário — eu disse, mesmo feliz pela generosidade dele. — Só a aceitação do senhor já é muita coisa.
— Você deve gostar demais do meu filho — ele falou, com um sorriso.
— Muito.
— Perfeito, só precisa fazê-lo feliz e ser discreta.
— Discreta? Como assim, discreta?
Então a conversa caminhou para outro rumo e as flores murcharam:
— Você sabe que meu filho está noivo. Uma jovem de família importante, é algo acertado há muitos anos.
— Robert disse que iria romper com Betina. — De repente a cadeira ficou desconfortável e eu comecei a me remexer nela — E será em breve.
— Ele disse que ia terminar? — Torceu o lábio, como se estivesse em dúvida — Ele não falou isso para mim.
— O senhor vai me desculpar, mas eu acredito no que ele disse. Ele foi bem sincero.
— Não estou dizendo que meu filho mentiu. — Octávio se corrigiu — Mas Robert age muito por impulso. E você, ao lado dele, só o confunde mais. Nesses dias em que ficaram longe, acho que ele pode refletir melhor.
— Eu não acredito que...
— Veja, ele marcou a data do casamento e o lugar. Acha que se fosse romper deixaria as coisas chegarem até esse pé? — Pegou o celular — Saiu até nas redes sociais, você não viu? Um momento que vou te encaminhar.
Não questionei como ele tinha meu número de telefone, apenas abri o link que me enviou. Me levantei e, de costas para ele, corri o olho na matéria que falava do casamento do ano.
Uma foto de um beijo deles me chamou a atenção, eu ia protestar dizendo que era uma foto antiga, mas Robert vestia a camisa que ganhara recentemente da noiva. E na foto seguinte o garçom abria uma champanhe na frente dele e algumas pessoas ao redor batiam palmas.
— Ele disse que iria romper o noivado quando um certo contrato com o Banco da família da Betina fosse assinado… — Eu permanecia de costas para ele.
— Olha, minha querida, não sei se estamos falando da mesma coisa, mas o único contrato que estava pendente entre nós e o Banco Rupert já foi assinado há dias. Talvez seja outra coisa, mas realmente desconheço.
Fiquei muda. Meu coração começou a bater descontroladamente. Robert tinha mentido? Eu não consegui acreditar porque ele pareceu tão sincero. Será que só eu vivia todo aquele sentimento?
— O Robert sabe disso sobre essa casa? Sobre eu ser a concubina dele?
— Concubina? De onde você tirou essa palavra? — Ele se permitiu rir — Os tempos são outros. O que é um casamento além de um papel assinado no cartório? Com certeza ele vai ficar muito mais aqui com você...
— O Robert sabe disso? — repeti a pergunta. — Por que ele mesmo não está aqui me falando disso?
— Minha querida, meu filho é ótimo em administrar os negócios, mas se perde na hora de organizar a própria vida pessoal. Ele quer tudo mas pode acabar sem nada.
Achei a resposta do velho muito rasa e então insisti na pergunta.
— Ele quer isso? Ele disse isso? Ele concorda em me manter nessa casa, como amante dele?
— Não está óbvio? — A simpática dele pareceu se esvair por um instante — Você não é burra e entende o que essa reportagem significa! Ele marcou a data do casamento e o local. Logo os convites serão enviados e isso é algo inevitável. É claro que meu filho não quer abrir mão de você e nem precisa. Há muitas maneiras de ser feliz.
— Eu acho que vou embora. — Comecei a sentir nojo de tudo aquilo. De repente a casa ficou feia aos meus olhos.
— Não se precipite. Pode me responder depois quando conseguir pensar em tudo com mais clareza. — Ele voltou a ser gentil — E como sou um homem generoso estou disposto a te dar uma mesada gorda.
— Por favor, pare de falar — sussurrei.
— Eu sei da situação da sua família. Vi uma foto da sua casa, o estado lamentável da sua residência... se não quiser usar o dinheiro com você mesma pode ajudar seus pais, comprar móveis novos para eles ou qualquer coisa do tipo.
Ele continuou falando, tentando me vender aquela ideia absurda enquanto eu apenas pegava minha bolsa e sai da copa, deixando ele sozinho.
— Abre o portão, por favor — pedi para Alejandro, já no jardim da casa amarela.
— Vou te levar, Theodora — ele disse. — Você parece abalada.
— Obrigado, mas eu estou bem. Posso ir sozinha, meu cartão de ônibus está comigo.
Não dei chance para que ele insistisse. Fui para o ponto de ônibus e peguei uma condução que passava no bairro vizinho ao meu. Meus pensamentos só me torturavam.
Minutos depois desci no meu ponto e sabia que teria que andar mais um pouco a pé, e era exatamente isso que eu precisava. Queria chegar cansada em casa, não ter chance de pensar.
— Como ele pode?
As palavras da minha mãe martelavam na minha cabeça: "... homens ricos se casam com mulheres ricas."
Ah, caramba, como eu podia ser tão burra? Por que fui fantasiar tanto? Se ele não tivesse me enchido de esperanças eu teria entendido que vivemos um caso de verão, mas não! Ele me fez achar que eu era especial, diferente das outras mulheres. Eu me senti querida, iluminada e poderosa. Era tudo falso. Robert devia ter vivido esse looping com outras mulheres.
E aquela proposta do Octávio Servantes era humilhante. Era o mesmo que ser uma prostituta de luxo, deixada lá naquela casa bonita para servir o filho dele quando ele bem entendesse. Eu não fui criada para isso
E enquanto eu me torturavam com todas aquelas indagações, o meu telefone tocou, era Robert. Eu não atendi.
Aliás, não iria atender nunca mais.