Capítulo 22
1535palavras
2023-08-02 03:17
Theodora
Eu mastigava o biscoito para esconder o nervosismo. Ele parecia escolher bem as palavras.
— Tessy, é o seguinte, eu não rompi com a Betina.

Eu devia ficar surpresa, no entanto não fiquei.
— Hum...
— Surgiu um probleminha e vou ter que esperar um pouco para terminar.
— É claro que sim. — Torci o nariz — Afinal, o que eu tenho para te oferecer além de uma trepada!?
De repente eu estava chorando. Queria me mostrar indiferente e superior, mas foi só começar a falar para as lágrimas me cegaram. Eu não era boa de briga, na verdade eu fugia delas.
— Tessy, ouça. — Ele veio na minha direção, mas eu não lhe dei chance de me tocar — Vamos conversar.

— Olha, você não me deve nada, ok? Não me fez promessas, eu é que me iludi. Você já estava com a Betina antes disso tudo acontecer. Eu só... só não quero ser a outra...pra mim não dá assim.
— Por favor, me escute Tessy. — Ele finalmente conseguiu se aproximar — Não quero que sofra, não quero que seja a outra, entretanto não posso romper imediatamente sem prejudicar a empresa. Tem um contrato que...
— Não estou te pedindo para terminar com ninguém, é você que tem falado disso. E eu, tonta que sou, acreditei. — Eu estava começando a ficar transtornada e por isso me esforcei para manter a calma.
Eu olhava para Robert e ele tinha aquela expressão tão franca e ao mesmo tempo sofrida que quase me convencia, eu o amava, mas era difícil competir com a noiva que ele conhecia há anos, eu era apenas uma novidade. Pensar nisso me doeu demais.

— Vou embora e não precisa me levar.
Fiz menção de pegar minha mochila, mas Robert não deixou. Num gesto rápido me prendeu num abraço e eu não fiz força para me soltar. Eu também queria aquele abraço.
— Não vai Tessy, é com você que eu quero ficar. Por mim eu iria agora terminar com Betina, mas eu não posso deixar meu pai na mão. Me dê algumas semanas e eu lhe prometo que serei um homem livre.
— Rob, não é certo. — retruquei entre um soluço e outro.
— Não desista de nós. Confia em mim. — Ele continuou me abraçando, passando a mão em minha cabeça para me acalentar — Eu finalmente encontrei felicidade e paz nos seus braços e não quero abrir mão de você.
— Se é verdade que logo vai ser livre, eu prefiro esperar isso acontecer longe de você. Não vou ser a amante — murmurei.
— E você consegue ficar longe de mim? Porque eu não consigo ficar longe de você, não depois desses dias que passamos juntos.
— Rob...
— Como vou ficar sem você? Sem esse cheiro bom? — Passou o rosto pelo meu pescoço — Sem o seu gosto. — Os lábios dele se esfregaram na minha pele e eu me arrepiei.
— Eu não quero me machucar. — Tentei encará-lo mas as lágrimas eram teimosas — Só que também não quero ficar longe de você.
— Então não fica, estou bem aqui.
— E quanto a Betina? É errado! Me sinto desonesta...
— Por que agora é diferente de quando estávamos na praia? Se está errado agora, também era dias atrás quando começamos a ficar juntos. Não dá para desfazer isso tudo.
As palavras dele me trouxeram para a realidade: eu já era amante. Não adiantava me fazer de rogada, pois antes mesmo de Robert falar em terminar com a noiva eu já tinha me deitado com ele sem medir as consequências. No entanto, lá em Ubatuba, parecia que eu estava numa bolha, protegido de tudo...
— A verdade Tessy é que se você parar de me ver agora ou se continuar me encontrando não mudará o fato de que eu traí a Betina com você.
— Eu sei.
— E o relacionamento que tenho com a Betina nunca se aprofundou. Aliás, nunca dormimos juntos. — Ele confessou.
— Nunca? — Fiquei surpresa pois Betina era uma moça bonita.
— Talvez porque a conheço desde menina, eu tenho dificuldade em enxergá-la romanticamente e percebo isso agora. E você também surgiu justamente quando decidi noivar, bagunçou totalmente os meus sentidos.
— Não tenho todo esse poder sobre você.
— Certeza? — Ele contorceu os lábios, como se reprimir se algum sentimento — Você exerce grande poder sobre mim Theodora, só que é generosa demais para usá-la de maneira mesquinha. Talvez se você bater o pé e insistir para que eu termine com Betina neste instante eu o faça só para não te perder.
— Faria? Ou sabe que eu não te pediria nada que fosse prejudicar você e sua família? — suspirei longamente, tentando expurgar todo o meu cansaço emocional. — Eu não sou egoísta.
A campainha tocou e felizmente quebrou o clima melancólico que estava se formando. Robert foi até a porta e recebeu a pizza fornecida pelo restaurante do próprio hotel.
— Ainda está com fome?
— Sim.
— Excelente, espero que me deixe explicar melhor a raiz de tudo isso. É importante que entenda os meus motivos.
Comemos a pizza e deixei que Robert me contasse tudo, desde o problema com o senador. Outra vez me senti culpada por não ter sido capaz de me defender sozinha, por ser um alvo tão fácil. Me senti culpada porque ao me defender, Robert havia criado uma inimizade com um homem vil e perigoso.
Na verdade, era como se meu surgimento na vida dele só tivesse criado caos. Agora eu entendia porque ele me chamou de kriptonita, eu o enfraquecia, o deixava vulnerável.
— Sei o que está pensando. — Ele segurou minha mão — Quero que você saiba que não me arrependo de nada. Você só me faz bem e estarei livre e desimpedido muito em breve. Em um mês, no máximo dois.
E eu acreditei nele. Não porque Robert me convenceu, mas porque eu queria que fosse verdade, a ideia de perdê-lo era mais aterrorizante do que toda a minha falta de moral. Dessa vez eu seria egoísta e me permitiria viver o que eu desejava, mesmo que não fosse o correto. Ser boa, ser correta não tinha necessariamente me feito feliz, eu estava sempre abrindo mão do que queria em prol do bem comum.
No restante da noite eu fiquei apática por causa de toda aquela conversa pesada e por isso Robert e eu apenas nos deitamos juntos na cama, sem esperar nada um do outro, desfrutando do calor que uma companhia proporciona.
Na manhã seguinte acordamos muito cedo. Robert precisava me deixar em casa a tempo para que eu me arrumasse para o trabalho e ele mesmo tinha que ir para a RCS.
Quando cheguei em casa ainda eram cinco da manhã e tentei não fazer barulho, mas minha mãe já me aguardava na sala. Me senti como uma adolescente pega no flagra depois de uma noite na balada.
— Fiquei preocupada, você não é de dormir fora — minha mãe começou dizendo.
— Eu pedi para a Lisa que avisasse a senhora.
— Sim, porém ontem o Ector veio aqui. O pobre rapaz estava desconcertado com seu comportamento.
— Ele não tinha nada que vir aqui — bufei. — Que direito ele tem de se meter na minha vida?
— Ele só estava preocupado porque viu você se portando de um jeito que não é do seu feitio. Você é uma moça decente...
— O que exatamente ele falou?
— Que você estava cheia de liberdades com um grã fino que te levou embora num carro chique.
— Pois é mãe, como mulher adulta que sou, tenho liberdade para escolher minhas companhia. — retruquei, irritada. — Sei que vai falar "Você ainda mora debaixo do meu teto!" mas não pode me obrigar a ser alguém que não sou.
— Olha Tessy, eu apenas me preocupo com você. — Esmeralda baixou o tom — Você é mulher, você é pobre e você é preta, entende que pra gente como você e eu tudo é mais difícil? Que temos que nos cuidar em dobro?
— Então a senhora acha que não sou boa o bastante para ganhar a afeição de um homem bonito e rico? Devo sempre duvidar? Tenho que viver desconfiada e achando que querem tirar vantagem de mim?
— Claro que não. Eu apenas já vivi mais coisas do que você, meu bem. O que sempre vi é que homens ricos se casam com mulheres ricas. Não duvido que, seja lá quem for, goste de você agora, mas isso é suficiente?
— Não quero pensar nisso, mãe. — Me desvencilhar daquela conversa — Pode dar muito errado mesmo, no entanto se eu não viver isso vou me arrepender para sempre. Me deixe viver meus próprios erros!
— Theodora!
— Basta, mãe! — Corri para o meu quarto e tranquei a porta.
Respirei fundo, me controlando.
— Não chore, Tessy! — eu ordenei a mim mesma. — Seja corajosa só dessa vez.
E depois de me acalmar o suficiente eu me preparei para o trabalho e saí de casa como se fosse um dia como outro qualquer.