Capítulo 47
950palavras
2023-05-15 00:02
Quando finalmente cheguei aos meus aposentos isolados — e, sim, era assim que iria chamá-los de agora em diante —, imediatamente me senti em paz. Embora o lugar estivesse um pouco empoeirado e abafado, não havia nada que uma boa limpeza não resolvesse.
Eu ainda estava olhando ao meu redor quando senti minhas tatuagens começarem a esquentar. Então, fechei os olhos e permiti que o quer que aquilo fosse fluísse através de mim.
Por impulso, imaginei uma sala limpa e decorada. Em instantes, senti uma mudança no ar e uma vontade súbita de me mexer, a qual logo cedi. Ainda de olhos fechados, imaginei um novo porto seguro. Um mais fortificado e mais seguro do que o último. Afinal, não permitiria que mais ninguém tivesse a chance de tirar vantagem de mim. Nunca mais.
Quando aquela mudança no ar passou, sabia que o cômodo inteiro havia sido restaurado. Mesmo assim, no momento em que abri os olhos, fiquei maravilhada. O quarto estava decorado em tons que remetiam ao fogo enquanto vulcões haviam sido esculpidos na cabeceira da cama tal como as marcas na minha pele. No entanto, foram as paredes que realmente me tiraram o fôlego.
Cada pedacinho dela tinha um entalhe de algo significativo da minha vida. Minha mãe, sua Xena, nós duas juntas, Zya, uma série de vulcões em vários estágios de erupção e, finalmente, um homem que nunca vi antes.
Ele era mais alto do que os rapazes da minha tribo, além de parecer mais largo e forte também. Quero dizer, aqueles músculos tinham que estar lá para algo que não fosse apenas o óbvio apelo que eles tinham, certo?
A coisa mais impressionante sobre ele, além de seu coque masculino, eram seus olhos perceptivelmente distintos. Enquanto seu olho direito era vermelho com manchas douradas girando dentro e em torno dele, o outro era da cor de ouro derretido com manchas vermelhas também girando dentro e ao seu redor.
Eles pareciam mais vivos do que qualquer coisa que já vi antes e isso só serviu para incrementar a forte aura que o cercava.
Estava tão hipnotizada por ele que caminhei em sua direção e deslizei meus dedos pelas laterais de seu rosto. Naquele momento, eu soube que iria encontrá-lo algum dia e, de alguma forma, precisava estar pronta para isso.
Ao me concentrar para guardar seu rosto na memória, a imagem, de repente, começou a desaparecer. Tentei invocar qualquer poder que houvesse dentro de mim que soubesse esculpir desenhos na parede para trazê-lo de volta, mas nada aconteceu. Então, eu observei conforme o último traço dele desaparecia até deixar um espaço em branco e intocado como se sua imagem nunca tivesse sido esculpida ali. Embora isso me entristecesse, no fundo, eu tinha esperança de encontrá-lo algum dia. Eu só sabia que jamais esqueceria seu rosto, especialmente aqueles olhos.
Caminhando até minha nova cama, deitei-me no meio dela quando senti Zya novamente.
"Ah, olha quem finalmente resolveu se juntar à festa", provoquei-a em minha mente.
"Cale a boca, criança", ela retrucou rispidamente.
"Ah, alguém está mal-humorada!"
"Claro que estou mal-humorada. Seu noivo idiota tentou me levar à força de volta para a fonte antes do meu tempo e você espera que eu esteja feliz com isso?"
"Foi para lá que você foi? Ah, não! Eu sinto muito..."
"A culpa não é sua, mas, felizmente, sua blodsvreden me trouxe de volta e aquele desgraçado vai receber o que merece."
"Espere, você viu minha blodsvreden?"
"Sim, ela se parece com você. Só é mais durona..."
"Ei! Eu estou mais durona agora!"
"Sim, você está, minha querida. Eu sinto muito pelo que aconteceu com você, mas veja pelo lado positivo, você conseguiu sua blodsvreden e isso abriu os seus horizontes para coisas muito maiores."
"Quando você coloca dessa forma, vejo que está certa..."
"Mas aquele príncipe vai morrer de um jeito ou de outro."
"Muito em breve", outra voz invadiu nossa conversa.
"Blodsvreden!" Eu ofeguei, surpresa.
"Você não pode continuar me chamando assim. Me chame de Moira."
"Moira... Que nome lindo."
"Assim como sua alma..." ela sussurrou de volta.
"Durma, criança. Temos uma longa jornada pela frente. Hoje foi apenas o começo", acrescentou ela com uma voz bastante suave antes de desaparecer.
"Zia! Você ouviu isso?"
"Não só ouvi, como vi. Estou feliz que ela finalmente está aqui conosco. Descanse um pouco, querida."
"Boa noite, Zia. Boa noite, Moira."
"Durma bem, criança", ambas disseram em uníssono.
Como isso era esquisito!
Fechei meus olhos para tentar dormir quando senti as duas voltarem para as suas sombras, porém, o sono nunca veio por mais que tentasse. Em um certo ponto, precisei manter os olhos abertos porque tudo o que via era o sorriso presunçoso de Armand enquanto ele se aproveitava de mim.
Os acontecimentos daquele dia finalmente me atingiram, forçando-me a processá-los. Enrolei-me na cama até ficar em posição fetal conforme tentava impedir minhas lágrimas de caírem. Foi inútil. Elas continuaram vindo de qualquer jeito.
Aquela foi a pior dor que já senti na minha vida. Não pude evitar o grito que deixou meus lábios. Essa parecia ser a melhor maneira de extravasar o que sentia. Gritei até minha garganta começar a doer e tudo o que conseguiu sair foram alguns gemidos roucos.
Mesmo assim, o sono não veio. Então, eu apenas continuei deitada na cama, processando o que aconteceu. No entanto, não importava o quanto eu processasse, era muito difícil aceitar tudo. Sabia que não merecia aquilo. Ninguém merecia ser violado desse jeito. Todavia, foram as coisas que ele disse enquanto cometia seu ato cruel que iriam ficar comigo por um bom tempo.
De toda forma, eu era mais forte do que isso e não estava sozinha.
Nunca estive e nunca estarei!