Capítulo 45
1284palavras
2023-05-13 00:02
"Meu rei..." O chefe do conselho, Tyson, começou a dizer. Pela pena e o pedido de desculpas que vi em seu olhar, tive certeza de que sua companheira, a curandeira Marleigh, havia lhe contado toda a verdade.
Não pude deixar de me perguntar quem mais sabia do que aconteceu, mas pelo jeito que os demais anciãos evitavam o meu olhar, diria todos estavam cientes. Um sentimento de vergonha e nojo se espalhou pelo meu corpo como um incêndio florestal. Esfreguei meus braços como se isso pudesse fazer aquela sensação desaparecer.
"Não, Tyson... Eu já me decidi sobre este assunto. Isto é para o bem da minha filha e deste reino. Ela vai entender um dia." A voz do meu pai irrompeu na sala silenciosa.
Conforme as lágrimas escorriam pelo meu rosto descontroladamente, senti meu sangue gelar em minhas veias. Tentei entrar em contato com Zya, mas tudo o que encontrei foi escuridão e silêncio.
"Pa... Pai..." Gritei em pânico, mas ele ignorou meu pedido de socorro.
Eu podia sentir o ar à minha volta ficando mais gelado e minha pele mais fria. No entanto, meus pulmões pareciam em chamas. Independente do que era aquela sensação, senti-a se instalar com firmeza sob minha pele e quanto mais eu tentava forçar minha vontade sobre ela, mais eu perdia o controle.
Eu aguentei até não conseguir mais. Soube o momento exato em que perdi a batalha quando caí de joelhos com o coração pesado e a respiração entrecortada.
Pelos gritos de surpresa à minha volta, presumi que algo estava acontecendo. Eu realmente não sabia dizer o quê, mas, novamente, não me importei. Minha dor era tão grande que nem chorar eu conseguia.
Tudo o que pude fazer foi choramingar enquanto lutava para respirar em meio a tanta dor. Meu corpo um tanto pequeno sofreu bastante para suportar aquilo. Eu tentei abrir minha boca para falar, mas nenhuma palavra saiu. O que escutei foi um grito ensurdecedor ao meu redor, afogando qualquer outro ruído. Levei um tempo para perceber que aquele grito de partir o coração havia saído de mim.
Quando o chão começou a chacoalhar, eu senti mais do que vi qualquer coisa acontecer. O vulcão mais próximo estava revolto conforme sua lava lutava para escapar pelas crateras. Seu mau humor, sua raiva e seu desejo de vingança, que era mais uma promessa de retribuição, eram coisas que podia sentir. O motivo disso não fazia muito sentido para mim, especialmente em um momento como este.
Meus gritos continuaram até minha garganta ficar praticamente em carne viva. Meu coração doía e meus pulmões imploravam por ar. Uma sensação de asfixia havia se agarrado ao meu pescoço, tentando contorcê-lo, enquanto eu ofegava por ar sem sucesso.
Meu grito parecia ter vontade própria. Não conseguia pará-lo, não importava o quanto tentasse pôr meu foco nisso. Ao mesmo tempo, eu parecia viver uma experiência fora do corpo. Apesar do grito sair da minha boca, era como se não fosse eu quem gritava. Ao me dar conta da raiva e da sede de sangue que ele carregava, entendi tudo.
Meu blodsvreden!
Não! Não! Não!
Eu tentei contê-lo, mas já estava exausta devido as minhas emoções sobrecarregadas, a dor de não ser ouvida, a perda da minha honra e dignidade, a vergonha e todo desgosto que eu senti. Tudo isso estava refletido no blodsvreden, que atacava da única maneira que conseguia. Com fúria e violência.
Quando já estava fraca demais para lutar contra, eu me desprendi de todo controle apenas para me deixar cobrir pelo manto protetor da escuridão.
Não saberia dizer por quanto tempo fiquei inconsciente, mas ao abrir os olhos outra vez, vi-me deitada no mesmo chão em que havia apagado. A sala do trono do meu pai estava uma bagunça total agora.
Vários anciãos do conselho haviam sido derrubados de seus assentos com exceção do chefe do conselho, Tyson, a cobra traiçoeira, os guardas pessoais do rei e meu próprio pai.
O fato de que eles puderam suportar o ataque de fúria do blodsvreden dizia muito, mas eu sabia que eles não teriam tanta sorte na próxima vez. O blodsvreden sempre conseguia sua vingança e todos enfrentavam sua picada dolorosa de uma forma ou de outra.
Lutando para ficar de pé, tentei decifrar os olhares cautelosos em seus rostos e o porquê a cobra traiçoeira parecer tão alegre. Ele estava praticamente salivando como um cachorro diante de um bife suculento. Tentei dar um passo à frente apenas para ser forçada a recuar.
O chão havia rachado em diversas partes e, pelas fendas, podia-se ver a lava quente e borbulhante se acumulando sob os meus pés até subir sobre eles como se fosse algo inofensivo e não lava.
Por mais que eu tentasse me afastar, a lava parecia me acompanhar. Quando ergui minha mão, ela se moveu na mesma direção. Decidida a testar minha teoria, busquei pensar sobre os últimos eventos e comprovei que estava certa. A lava ferveu e queimou mais do que antes, espalhando-se ao meu redor.
Isso só podia significar uma coisa. Aparentemente, eu havia me ligado a um dos muitos vulcões espalhados em nosso reino. Qual deles, eu não fazia ideia, mas pelo pequeno espetáculo que acabei de testemunhar, devia ser um dos três maiores que tínhamos e isso não era nada bom. Nada bom mesmo.
Ainda assim, assisti fascinada enquanto a lava que brincava aos meus pés subiu pelas minhas pernas até se enrolar em meu ombro direito e descer pelo meu braço, finalmente parando em minha mão. Fui pega de surpresa quando ela se fundiu à minha pele.
Sem conseguir conter o grito que escapou dos meus lábios, prendi a respiração e esperei a ardência passar, deixando para trás o que parecia ser uma espécie de tatuagem, ou melhor, uma queimadura em forma de tatuagem.
Antes que eu pudesse apreciar ou inspecionar a tatuagem, senti mais do que realmente escutei alguns passos cautelosos se aproximarem. Levantei a cabeça apenas para colocar os olhos sobre o homem que afirmava ser meu pai e só falhou em seu papel. Embora eu soubesse que nosso relacionamento era bem frágil, nunca percebi o quão quebrado já estava.
Eu era um incômodo tão grande que ele fechava os olhos para tudo o que me envolvia. Meu pai deveria ser um homem sábio para além da sua idade e suspeitado do jogo sujo que estava acontecendo bem debaixo do seu nariz, mas quem sabe ele não fosse nada disso e eu apenas tivesse o superestimado? Talvez ele simplesmente não se importasse o suficiente para ver além da fachada superficial que o príncipe Armand criou, ou pior, ele sabia de tudo e estava decido a varrer a sujeira para debaixo do tapete. Algo forte em mim me dizia que se tratava da última opção.
Então, observei meu pai se aproximar de mim com o cuidado de um caçador que abordava um animal ferido. Tentei naquele momento me lembrar de como eram as coisas entre nós. Não foram muitas ocasiões, mas uma vez, ele realmente agiu como meu pai. Agora isso era passado, um do qual estava bastante feliz em poder seguir em frente.
Quanto mais ele chegava perto, mais eu conseguia me sintonizar ao seu corpo. Podia sentir seus batimentos cardíacos acelerados, o cheiro do seu medo, sua besta inquieta serpenteando sob sua pele, sem falar nos seus pensamentos errantes. No entanto, em nenhum momento, detectei sentimentos como preocupação ou amor por mim.
Esperei que a dor e a raiva de sempre tomassem conta do meu corpo, mas, para a minha surpresa, isso não aconteceu. Havia uma resignação fria dentro de mim que nunca existiu, porém, antes que eu pudesse analisá-la melhor, a voz do meu pai quebrou o silêncio bastante tenso.