Capítulo 42
2809palavras
2023-05-10 00:02
Ponto de vista de Xavier:
Reapareci nos arredores de um clã que conhecia muito bem. Depois de me virar para garantir que nada, nem ninguém havia me seguido pelo portal, caminhei em direção à entrada e espetei meu polegar na minúscula agulha escondida por trás de um enorme botão.
Sanguessugas e seus jogos sangrentos, um trocadilho totalmente intencional da minha parte. Tive que rir quando a agulha desapareceu apenas para voltar completamente limpa.
"Por favor, perfure novamente", uma voz murmurou.
"Abra essa maldita porta, Magnus. Você sabe muito bem que sou eu. Só está fazendo isso para ter mais um gostinho do meu sangue", respondi com uma risada.
"Ah, mas seu sangue é tão único e saboroso. Você nunca me deixa tomar um drinque", ele reclamou.
"Bom, para começo de conversa, eu não sou uma bebida. Além do mais, tomar uma dose exagerada do meu sangue pode te matar, ou pior, transformá-lo em uma espécie inteiramente nova e não quero ter que sofrer com a ira da sua mãe. Todo mundo sabe que a melhor coisa a se fazer é tratá-lo como uma boneca de porcelana apesar de você ser uma fera sanguessuga muito perigosa."
"As vantagens de ser o filho caçula da minha mãe", ele respondeu sarcasticamente, embora fosse possível ouvir a satisfação em seu tom.
Ele gostava demais dos mimos de sua mãe superprotetora. Francamente, ele parecia se deliciar com isso.
De repente, o portão fortificado de ferro se abriu e eu entrei para encontrar um de meus amigos mais antigos à minha espera.
"Você está bem longe de casa, irmão", disse ele ao me cumprimentar.
"Sim e vai demorar bastante até eu voltar", retruquei.
"Vamos, entre. Eu sabia que esse dia chegaria, mas não esperava que fosse tão cedo. O que aconteceu? Conte-me tudo!"
"Você é mesmo um vampiro intrometido, mas respondendo à sua pergunta, meu avô mudou a data da minha coroação."
"Caramba! Presumo que ele fez isso sem seu consentimento."
"Você sabe que sim."
"Ele vai te encontrar, você sabe, né?"
"Não. Dessa vez, não. Levará muito tempo até que ele me encontre. Se ele tivesse se dado ao trabalho de me conhecer fora do treinamento para me tornar seu maior guerreiro ou tomar seu lugar como rei, ele saberia que não somos nada parecidos, que serei um rei totalmente diferente dele. Mas chega dessa conversa, o que você tem feito ultimamente, meu amigo?"
"Bom, para começar, isso é uma novidade e tanto. Você terá que me contar tudo a respeito em breve e sem essa baboseira de tentar bancar o homem sábio, sendo vago para cima de mim. Quanto as novidades daqui, está havendo uma rebelião crescente nos últimos meses contra o Casa de Elit. Como somos seus aliados, eles nos chamaram para ajudá-los a lidar com a situação. Eu andei investigando e você não vai acreditar quem eu descobri que está por trás da rebelião."
"Quem? Apesar de eu meio que já saber a resposta."
"Argh! Você sempre tira a graça de tudo, mas vou te dar um desconto por não dizer o nome e me deixar te contar."
"Você é impossível, sabia?"
"Sim, eu sei, mas você me ama mesmo assim."
"Vai sonhando..." Comentei, mas ele logo emendou: "De qualquer forma, o pedaço de mau caminho por trás da rebelião é a Claudette da Casa de Ultor."
"Vocês tem um senso distorcido de vingança."
"E você deveria ter suspirado surpreso, seu idiota."
"Nem em um milhão de anos, sanguessuga."
"Como ainda somos amigos?"
"Considerando que nenhum dos seus 11 irmãos salvou seu traseiro tantas vezes quanto eu e o fato da sua mãe me adorar por isso, você não poderia se dar ao luxo de deixar de ser meu amigo nem se sua vida dependesse disso."
"Bom, essa é uma desculpa razoável. Além do mais, minha mãe sabe o que é melhor para mim, então..."
"Você é mesmo uma pirralho mimado."
"Nós dois sabemos que você é muito mais mimado do que eu. Não é minha culpa se você não sabe aproveitar isso. Mas entendo que como futuro rei, você precisa ser durão, sua alteza."
"Pare de me chamar assim..."
"Você sabe que um dia terá que assumir seu lugar como rei."
"Sim, eu sei, mas não será agora."
"Em todos os meus 672 anos de existência gloriosa, você é o único ser que eu conheço que não está pulando de alegria com a ideia de ser rei."
"Bom, você não viveu minha vida ou lutou as mesmas batalhas do que eu. Se você tivesse visto tudo o que eu vi nos reinos que existem por aí ou feito algumas das coisas que tive que fazer, tenho certeza que você se trancaria nos aposentos de sua mãe e nunca mais sairia de lá."
"É por isso que não te invejo, meu amigo. Nem um pouco. Tá, talvez eu inveje sua altura monstruosa, os músculos e as tatuagens intermináveis. Imagine todas as mulheres que me implorariam apenas para darem uma olhada em mim se eu tivesse tudo isso?" Seu comentário não só arrancou uma risada de mim, como me fez lembrar o porquê aprendi a amar e cuidar desse vampiro tão depressa. Ele me remetia às alegrias deste mundo.
"Você é simplesmente louco."
"Um de nós precisa ser, já que você está sempre com essa cara de quem comeu e não gostou."
Eu ergui o punho para acertá-lo, mas ele desviou no último segundo.
"Seus reflexos melhoraram. Estou bem impressionado. De verdade."
"Sim! Minha mãe tem treinado comigo recentemente."
"Eu pagaria para ver isso."
"Você e todo mundo. Sempre que treinamos, fica um monte de gente rondando o lugar enquanto aproveitam a única chance que eles têm na vida de ver minha mãe me dar uma surra, ou algumas."
"Claro, é um momento raro. Eu sei que faria pior do que eles, pois iria filmar a cena."
"Seu babaca! Ainda bem que minha mãe proibiu qualquer tipo de aparelho eletrônico no campo de treinamento."
"Viu como você é mimado? Tenho certeza que essa regra não existia antes de você começar a treinar."
"Bom, talvez sim, talvez não", disse ele em um tom jocoso, revirando os olhos. Ao me ver balançar a cabeça, impotente, ele continuou: "Aff... Chega desse assunto. Vamos dizer à minha mãe que você chegou e acomodá-lo."
Em seguida, entramos na mansão que servia de lar para os governantes do clã e outros membros. Como de costume, todos começaram a cochichar entre si no momento em que entramos no salão principal.
Não importava quantas vezes eu aparecia para uma visita, as reações deles nunca mudavam, mas eu os entendia. As pessoas normalmente temiam aquilo que não conheciam. Embora tenham sido informados de que eu era um membro da realeza e vinha de uma família de lobisomens bastante influente, eles não conseguiam discernir minha origem ou que tipo de criatura eu realmente era, sem falar nos poderes que eu tinha. Para uma espécie tão desconfiada como os vampiros, tantas dúvidas já estavam lhe causando dores de cabeça. No entanto, eu não tinha a menor intenção de esclarecê-las.
Apesar de ter contado a Magnus a meu respeito, havia certas coisas que não podia lhe dizer e não era por falta de vontade, pois eu queria compartilhar isso com alguém, mas ainda estava tentando me entender e, até que fizesse isso, não saberia como explicar minha situação.
De repente, fui tirado dos meus pensamentos quando senti o cheiro da inveja, emanando de uma pessoa que eu conhecia muito bem, Darrick da Casa de Venandi. Ele era o quarto filho desta casa e um dos irmãos mais velhos de Magnus. Ele desejava ser como eu ou simplesmente ter alguma proximidade comigo como Magnus tinha. Se ao menos ele soubesse como minha vida realmente era.
Nós nunca ultrapassamos a linha da cordialidade casual porque, por baixo de sua superfície severa, ele ainda era bastante desagradável. Os tipos de pensamentos doentios que passavam pela sua cabeça regularmente me davam náuseas. Ele não viveu nem metade do que vivi, muito menos visto coisas que não precisava dizer que tinha feito.
Para mim, ele era apenas um velho vampiro que via o mundo através de óculos vermelhos e, por isso, vivia dentro de sua própria realidade distorcida. Ele havia me desafiado algumas vezes para uma luta e, por mais que estivesse tentado a dar uma surra nele, sabia que isso só lhe daria a chance de me enxergar como o predador que eu era.
Quanto menos ele soubesse sobre mim, melhor. Dessa forma, poderia pegá-lo junto dos seus seguidores idiotas de surpresa quando chegasse a hora. Ah! Mal podia esperar para dilacerar membro por membro daqueles cretinos miseráveis.
Depois de menear a cabeça em sua direção com um sorriso, caminhei até a mãe dele.
"Aí está ela... A bela Callidora!" Sorri enquanto abria meus braços para a mãe de Magnus, Callidora do segundo clã e senhora da Casa de Venandi.
Para uma guerreira feroz, ela era bem pequena, mas de uma coisa eu tinha certeza, ela sabia como usar isso a seu favor. Ela era uma das mulheres mais astutas que já conheci.
"Sua alteza, é um grande prazer recebê-lo aqui. Já faz muito tempo desde a última vez que você nos visitou. Espero que esteja tudo bem", ela disse, desfazendo nosso abraço.
"Venha... Sente-se aqui." Ela me puxou para o assento que mais parecia um trono ao lado dela.
"Lamento ter levado tanto tempo para voltar, mas está tudo bem. E, por favor, pela quinquagésima vez, imploro que pare de me chamar de 'sua alteza'!" Achei que já tínhamos passado dessa fase.
"Bom, como eu já te disse nas últimas 50 vezes, não vou parar de chamá-lo assim até dar meu último suspiro e, se depender de mim, isso não acontecerá nos próximos 1000 anos ou mais."
"Você sempre faz questão de me relembrar o quão teimosa você é. Devo admitir que senti saudades disso. Senti sua falta."
"Eu também senti sua falta, querido. Então, o que o trás aqui? Você está com algum problema? Magnus, ele se meteu em alguma encrenca? Você viu algo?" Ela questionou com o rosto cheio de preocupação.
Como eu gostaria que minha própria mãe se preocupasse assim comigo, mas enquanto ela soubesse que eu era mais do que capaz de cuidar de mim mesmo, não havia motivo para ela fazer isso. Ainda assim, não faria mal ela mostrar que se importava um pouco.
Ao voltar para o momento presente, eu a assegurei:
"Não me meti em nenhuma encrenca, mas estou em uma espécie de missão e parei aqui para fazer uma visita, ver seu lindo rosto e também pedir permissão para levar Magnus comigo."
"E por que você iria querer levar Magnus com você? Ele acabou aprender a diferenciar a esquerda da direita. Existem guerreiros muito mais habilidosos e experientes para você levar. Pessoas com quem você pode contar para proteger sua retaguarda", Darrick interrompeu ao entrar na sala.
Aparentemente, o garotão estava escutando nossa conversa e viu a oportunidade perfeita de cravar suas garras em mim.
"E o que o faz pensar que Xavier iria querer levar um idiota deprimido com ele?" Magnus perguntou ciente das intenções do irmão.
"Porque eu e meus homens sabemos lutar. Mesmo o mais fraco deles luta melhor do que um fracote chorão igual a você", Darrick rosnou de raiva.
"Mãe!" Magnus gritou com um gemido. Diante disso, não consegui me segurar e caí na gargalhada.
"Nem me enfrentar como um homem de verdade você consegue. Você só sabe correr para a mamãe", Darrick cuspiu para Magnus, que pouco se importou com o comentário.
"Tá, já chega, meninos. E Darrick, você sabe que não pode ir a lugar nenhum, mesmo se Xavier o pedisse. Com seus irmãos longe, preciso de você aqui ao meu lado para proteger o clã. Já você, Magnus, deverá me ligar o tempo todo. Além de ser meu último bebê, você ainda é uma criança perto dos outros vampiros. Ao contrário dos seus irmãos, você ainda precisa de mim", Callidora exigiu.
"Mas, mãe, somos 11 e você nunca mimou nenhum de nós como faz com Magnus!" Darrick reclamou.
"Vocês tinham o seu pai, mas meu pobre bebê não. Eu sou tudo o que ele tem..."
"Ele não é um bebê, mãe..."
"Não para você, mas ele é para mim. Fim de discussão. Agora, Magnus, meu bebê, vá arrumar suas coisas. Quanto a você, Darrick, querido, vá fazer o que os homens másculos fazem", Callidora dispensou os dois de uma só vez.
Assim que eles saíram e nos deixaram a sós na sala, Callidora se virou para mim com uma expressão séria no rosto.
"Você pode me dizer sobre o que é a missão?" Ela indagou, solene.
"Eu gostaria de poder, mas não. Desculpe."
"Meu bebê estará seguro?"
"Com certeza. Eu juro pela minha vida."
"Então, a única coisa que lhe peço é que cuide dele."
"Farei isso, mas você sabe que ele já está bem crescidinho para ser um pirralho tão mimado, não é?"
"Eu sei, mas deixe que ele seja o que quiser", ela retrucou presunçosamente.
"Por que é que ainda me dou ao trabalho de dizer qualquer coisa?" Balancei a cabeça, impotente, ao me levantar.
"Se me der licença, vou dar uma olhada em Magnus. Foi bom revê-la, Callidora."
"Digo o mesmo, meu querido", ela respondeu com um sorriso carinhoso e maternal no rosto.
Depois de sair da sala, decidi pegar o caminho mais longo até a ala oeste, que era onde ficavam os quartos. Eu senti a presença de Darrick atrás de mim muito antes de ele se revelar.
"Por que ele?" Ele questionou.
"Porque ele é um amigo e o irmão que nunca tive. Fico honrado que você queira se juntar a mim, mas não posso tirá-lo de perto de Callidora. Ela pode ser forte e feroz, mas precisa de um guerreiro como você para cuidar dela. Ouvi rumores sobre a rebelião e agora não é hora de deixar sua mãe indefesa no clã." Eu afaguei seu ego.
"Não sabia que você pensava tão bem de mim. Eu nem sabia que você havia me notado", murmurou Darrick com uma expressão de surpresa.
"Bom, eu notei. Além do mais, Magnus e Callidora nunca param de falar sobre você. A destreza de um bom lutador fala por si só."
"Eles... eles... falam de mim?"
"Claro, eles te elogiam às vezes quando não está por perto. Não tenho dúvidas de que sua família te ama e respeita. Deixe que ela seja a luz que te guia, pois o mundo seria um lugar muito mais sombrio sem sua família por perto. Isso eu posso garantir. A propósito, se você contar a alguém o que eu disse aqui, eu negarei tudo."
"Ah... Obrigado, eu acho... Mas..."
"Prometo levá-lo comigo em minha próxima missão... se as circunstâncias permitirem."
"Eu vou te cobrar isso", ele respondeu com um sorriso aliviado antes se virar e desaparecer por uma das muitas passagens que ladeavam o corredor.
Darrick tinha tudo para ser um guerreiro capaz e experiente se ele se concentrasse mais em si mesmo e se permitisse crescer e progredir, mas a ganância e o egoísmo, bem como a escuridão que habitava sua mente, tomaram conta de sua alma. Esse tipo de escuridão só existia onde era convidada. Não demoraria muito até que isso o dominasse.
Quando encontrei Magnus, ele estava mexendo em seu celular enquanto um vampiro de uma classe inferior arrumava as malas para ele. Ao limpar a garganta para chamar sua atenção, balancei a cabeça em reprovação.
"O que eu estava pensando quando me permiti acreditar que você estaria arrumando suas malas por si mesmo pela primeira vez na vida?"
"Bom, eu estava ocupado escutando sua conversa com Darrick", ele respondeu, revirando os olhos.
"Eu não senti sua presença nos corredores..."
"Existe uma coisa chamada tecnologia e câmeras. Você está ficando ultrapassado, hein?"
"Vocês têm câmeras agora? Mesmo com todas as sua habilidades de vampiro? Vocês estão mesmo paranóicos."
"Não é todo mundo que sabe sobre as câmeras. Só eu e algumas pessoas da minha confiança. E vai continuar sendo assim. Não é toda batalha que requer força. Saber usar o cérebro também é algo importante, meu querido amigo."
"Devo admitir que é a segunda vez hoje que fico impressionado. Aonde esse mundo vai parar?"
"Isso eu não sei, mas fique satisfeito por poder apreciar o quão grande e maravilhoso eu sou", Magnus respondeu presunçosamente.
Olhando para ele, agradeci à Deusa silenciosamente por ter feito nossos caminhos se cruzarem. Podia me lembrar do dia em que nos conhecemos como se fosse ontem. Passamos alguns minutos nos encarando enquanto analisávamos um ao outro. Eu sabia o que ele iria me dizer antes mesmo das palavras saírem de sua boca e isso me fez rir tanto que ele começou a gargalhar também. Nós nos demos bem de cara e, desde então, viramos nossa própria família.