Capítulo 40
1867palavras
2023-05-08 00:01
Já passava da meia-noite, mas eu ainda estava assistindo televisão quando meu tio Luke voltou cambaleando. Pelo sorriso de satisfação em seu rosto, seu encontro com a garota da jaqueta neon foi ótimo.
"Eu nem quero saber", comentei ao saudá-lo.
"Não é como se eu fosse te contar de qualquer maneira, filhote..."
"Eu não sou um filhote e sim um homem adulto", rosnei.
"Bom, o fato de você ter quase a minha altura, mas não ter nem metade da minha idade não te faz um adulto, assim como o quanto você xinga não revela o quão sábio você é. Para mim, você sempre será uma criança, um filhotinho. Apesar de ter crescido mais rápido do que deveria em todos os sentidos da palavra, isso não muda nada, Sr. Homem Adulto."
"Argh... você é tão insuportável!"
"Lucien é insuportável, não eu", ele retrucou.
"Eu gostava mais de você quando falava pouco. Sobre o Tio Lucien... como... como ele está?"
"Eu ainda falo pouco. Só falo muito quando você está por perto porque isso o irrita, o que, por sua vez, me deixa feliz. Quanto a Lucien, ele é forte e vai sobreviver. Ainda posso senti-lo, então, sei que ele está vivo, lutando para sobreviver. Ninguém mais pode fazer isso por ele", respondeu meu tio em um tom sombrio.
"Eu sei... eu sei disso melhor do que ninguém."
"Nós dois, meu sobrinho, nós dois. A propósito, por que você ainda não foi dormir?"
"Não consegui..."
"Mas você precisa descansar. Isso o ajudará a clarear as ideias e pensar em um bom plano porque se houver alguma chance de você desaparecer por um tempo sem dar problema, amanhã é o dia perfeito. Com a chegada do solstício, a natureza e nossos ancestrais estarão muito ocupados com as festividades, o suficiente para manter meu pai distraído. Você não pode perder essa oportunidade, a menos que queria esperar mais uns 1000 anos."
"Não... De jeito nenhum. Eu com certeza enlouqueceria antes disso. Mal estou aguentando agora este inferno. Não quero nem imaginar o que vai acontecer quando eu perder o controle."
"Você não vai. Eu não vou deixar isso acontecer. Agora, descanse im pouco. Amanhã, vamos pensar em um novo começo para você."
Ao me deitar, fiquei pensando em todos os lugares que iria e todos os reinos que poderia visitar, mas nenhum local me chamava especificamente. Em teoria, eu sabia tudo o que tinha para saber sobre como o mundo havia sido programado e o modo de vida de outros reinos, mas isso não era o suficiente para mim.
Eu ansiava poder experimentá-los por mim mesmo e criar minhas próprias memórias. A constante discussão sobre política, estratégias de guerra e novos arsenais não podia ser a única coisa que faria na minha longuíssima existência, sem falar no treinamento interminável para moldar meu corpo em uma arma mortal, como se minhas habilidades não fossem letais o suficiente.
Deixando um longo suspiro escapar pelos meus lábios, levantei-me da cama e caminhei até a janela com vista para a floresta tranquila. O canto dos grilos e o coaxar dos sapos eram a única melodia que se podia ouvir. Então, soltei meu cabelo antes preso em um coque, deixando-o cair em cascata sobre os meus ombros.
Permiti que eles me acariciassem e me confortassem à sua maneira. Eu nunca os cortei antes, no máximo aparei as pontas. Sua cor escura e vibrante valorizava muito a minha pele. De tudo o que possuía e viria a ter, meu cabelo era a coisa que mais apreciava. As pessoas nunca entenderam o porquê cuidava tanto dele. Ah, se eles soubessem...
Não demorou muito para que eu sentisse um formigamento no meu couro cabeludo, o que colocou um sorriso no meu rosto. Deixei escapar uma risada quando me lembrei da primeira vez que isso aconteceu. Eu fiquei tão apavorado que quase arranquei meus cabelos.
Como eu era bobo! Embora tenha levado algum tempo para me acostumar com isso, agora eu dava boas-vindas a essa sensação, que nada mais era do que um lembrete de que nem tudo estava perdido ainda, que não estava e nunca estive sozinho. Isso era tudo o que precisava para seguir em frente.
Não saberia dizer quanto tempo fiquei ali parado, mas devia ter sido o bastante para sentir o peso da minha vida mundana cair sobre mim de tal forma que precisei me segurar no parapeito para poder continuar de pé.
O peso da tristeza, do desespero, da incerteza e da dor sempre me assolavam. Por mais que tivesse uma família que faria qualquer coisa por mim, eu me sentia muito solitário. Quanta ironia!
Muitas pessoas matariam para ter uma família tão solidária quanto a minha, mas quem viveu tudo o que eu vivi, descobria cedo que tudo tinha suas consequências.
Ao me dirigir de volta para a cama, livrei-me de todas as minhas roupas de uma vez antes cair de cara no colchão macio e me deixar ser engolido por ele. Depois disso, o sono não demorou a chegar. Eu apaguei antes que pudesse começar a pensar em tudo outra vez. Minha vida era desgastante demais e eu não desejava esse fardo para ninguém.
No dia seguinte, acordei ao som dos pássaros cantando lá fora e com o sol batendo forte no meu rosto. Quem diabos havia deixado a maldita janela aberta?
Ah, eu conhecia bem o idiota que fez isso. Fui eu!
Que saco! Ao deixar a cama, fui direto para o banheiro cuidar da minha higiene pessoal antes de descer as escadas, onde encontrei meu tio Luc já acordado e com o café da manhã na mesa.
"Bom dia, bela adormecida", ele brincou, embora sua expressão parecesse séria.
"Dr*ga, Luke! Tá muito cedo para essas suas brincadeiras", disse com um grunhido.
"Nunca é cedo demais para te atormentar, fedelho."
"Tá, qual é desses apelidos agora? Você teve um pesadelo ou algo assim? Por acaso, está sob o efeito de alguma substância? Não é do seu feitio ficar tão animado a essa hora da manhã."
"Tudo bem... Admito que estou nervoso, tá? Depois de tantos anos cuidando de você, colocando-o na cama, treinando-o, eu vou ter que deixá-lo ir. Vencemos nossas maiores batalhas lado a lado e me dói vê-lo partir, ver vocês dois partirem. Por mais que minha irmã seja sua mãe, eu o tenho como meu próprio filho.
"No entanto, se quiser ficar completamente fora do radar do seu avô, teremos que cortar todo tipo de comunicação entre nós. Estou disposto a fazer qualquer coisa pela sua felicidade, mas não é fácil. Não posso te perder, fedelho", ele explicou em um tom neutro, mas sua estratégia não funcionou muito bem, pois podia detectar as emoções que ele reprimiu em cada frase que saía da sua boca.
Rapidamente, fui até onde ele estava sentado e coloquei meus braços ao seu redor.
"Eu sei, tio Luc. Você é como um pai para mim também, mas por mais que eu quisesse de ficar, não posso. Eu viveria o resto da minha vida arrependido e me culpando por não ter vivido plenamente. Ainda estou aprendendo do que sou capaz de fazer e tenho certeza de que encontrarei uma maneira de contatá-lo. Não importa o que aconteça ou quanto tempo demore, darei um jeito de voltar para você. Sempre", eu o tranquilizei.
"Para todo o sempre, Xavier", ele concordou com a voz rouca.
"Tá, agora, chega de tanto sentimentalismo. Já arrumei sua mala e arranjei um mapa enfeitiçado de todo o reino e além, bem como um passaporte para quando você for se aventurar no mundo humano. Ah, também consegui um cartão de crédito, celular e dinheiro", meu tio Luke acrescentou.
"Uau! Quando foi que você fez tudo isso?"
"Bom, ontem, mas venho me preparando para esse momento há muito tempo. Sempre soube que esse dia chegaria."
"Eu não sei o que dizer..."
"Não diga nada, filho... Apenas se cuide. A propósito, não alterei o seu nome porque essa é a última coisa que alguém esperaria de um fugitivo."
"Obrigado, tio Luc!"
"Disponha, mas você tem que ir agora Meu pai e sua mãe estarão aqui a qualquer momento."
"Eu... eu... eu..."
"Te amo, Xavier. Fique com isso", disse ele enquanto tirava o colar que sempre usava antes de colocá-lo em volta do meu pescoço.
"Pronto! Agora está tudo certo. Basta você segurar o mapa com força e pensar em um lugar que gostaria de visitar, mas tenha cuidado. Feitiços podem ser complicados, portanto, seja cauteloso."
Com um sorriso triste, fechei meus olhos e segurei o mapa. Tudo o que ouvi a seguir foi um "zap" ao me ver em um limbo cheio de cores.
"Até algum dia, tio Luc", sussurrei antes de desaparecer por completo.
Então, Luke desabou na cadeira mais próxima com o coração partido. Fazer a coisa certa podia ser um saco às vezes. Ele sabia que era apenas uma questão de tempo até a cavalaria chegar, inclusive, mal ele havia pensado nisto, ele ouviu a porta da frente se abrir com um estrondo.
"Onde está meu neto?" Seu pai, o Rei Chaos, vociferou.
"Ele se foi."
"Para onde? Ele será coroado daqui algumas semanas!"
"Não sei dizer. Ele pode estar em qualquer lugar e, sinceramente, espero que esteja bem longe daqui. Pelo menos assim, ele terá a chance de finalmente começar a viver."
"Do que di*bos você está falando?" A mãe do garoto questionou.
"Seu filho, aquele por quem você sacrificou tudo apenas para depois jogá-lo no campo de treinamento de nosso pai, queria uma vida só para si; uma que não girasse em torno de política, treinamento e incontáveis derramamentos de sangue, algo que você passou bastante tempo se deleitando em fazer ao invés de estar lá para ele."
"Vejo que está emotivo, Luke."
"Meu julgamento pode estar um pouco afetado agora, eu sei, mas você foi mais general do que mãe dele."
"Eu só fiz o que achei que seria melhor para o meu filho. Ele precisava aprender a se proteger desse mundo cruel e egoísta."
"Concordo, mas ele ele precisava da mãe dele e você nunca esteve por perto. Você estava ocupada demais treinando e negociando os tratados de paz quando deveria estar colocando seu filho na cama. Achei que você estava melhorando, porém, a cada dia você se perde mais e eu continuo me decepcionando com isso."
"Já chega, filho. Diga para onde ele foi. É perigoso lá fora."
"Eu realmente não sei e vocês sabem que eu nunca minto. Ele se foi e, a menos que ele queira ser encontrado, não há como rastreá-lo. Apenas deixe que ele se descubra. Tenho certeza de que ele voltará para a casa depois disso. Olha, eu entendo que vocês achem que estão fazendo a coisa certa para ele, mas já pararam para perguntá-lo o que ele queria? Não, pois vocês nunca se importaram com isso. Por melhores que sejam suas intenções, talvez isso não seja o melhor para ele. Agora, por favor, saiam da minha casa e me deixem em paz. Tenho que treinar em algumas horas e gostaria de me recompor antes de ir."
"Luke, por favor..." Chaos implorou, caminhando na direção de seu irmão.
"Chega, Khione... Eu estou bem. Nós dois estamos. Pode ir agora", Luke murmurou.