Capítulo 35
2731palavras
2023-05-03 00:02
Lágrimas grossas rolaram pelo meu rosto enquanto observava a grande fênix se transformar em uma mulher que eu conhecia muito bem, embora ela parecesse diferente.
Com seus cabelos brancos iguais a neve, uma pele impecável beijada pelo sol e olhos escuros como uma noite sem luar, observei enquanto ela se vestia com os tecidos mais finos que encontrou. Então, nossos olhares se encontraram.
O sorriso caloroso em seu rosto fez meu lobo uivar em minha cabeça pela primeira vez em semanas. Só então me ocorreu verificar seu pescoço à procura da nossa marca de acasalamento.
Não podia dizer que me surpreendi ao colocar meus olhos sobre a pele impecável do seu pescoço sem marcas, apesar de isso partir meu já frágil coração e fazer meu lobo choramingar.
Minhas lágrimas não pararam de cair quando ela se moveu para revelar o garotinho escondido atrás dela. Meus joelhos fraquejaram, levando-me direto ao chão com um baque forte. O garoto tinha uma postura majestosa e uma carranca fofa no rosto. Seu cabelo preto estava preso em um coque masculino. Embora estivesse sem camisa, ele usava calças de couro de cintura baixa, fazendo-o parecer uma pequena réplica minha.
Não era necessário ninguém dizer que aquele garotinho era sangue do meu sangue, meu filho.
Eu estava tão concentrado em observar minha companheira e meu filho, que não percebi os suspiros e murmúrios à minha volta. Olhei para o meu garotinho com um misto de admiração e tristeza.
Ao me dar conta de que ele havia crescido longe de mim, só então entendi o que Kiara queria dizer mais cedo.
"Eles já esperaram três longas semanas e, para as pessoas do meu reino, isso é tempo demais."
Pelo visto, era muito tempo mesmo, porque meu filho já parecia um menino de cinco anos. Eu havia perdido cinco anos da sua vida em apenas três semanas. Como poderia compensar por isso?
Com a respiração vacilante, levantei-me e dei passos trêmulos em direção a eles. Eu já estava no meio do caminho quando percebi que eles estavam vindo até mim também. Esse pequeno gesto reacendeu o pouco de esperança que havia perdido. Com certeza, isso significava alguma coisa.
Assim que estávamos próximos o suficiente, peguei meu filho em meus braços. Ele relutou um pouco, mas não o soltei até ele se acalmar e me permitir abraçá-lo. Pude sentir um calor dentro do peito quando ele envolveu meu pescoço com suas mãozinhas e enterrou seu rosto em mim.
Um soluço rasgou meu peito no momento em que vi Chaos nos encarando com um sorriso triste e devastado. Estreitei ainda mais a distância entre nós antes de envolvê-la em meus braços também.
"Sinto muito... Desculpe", sussurrei com a voz tão arrasada quanto eu me sentia.
No meio do quintal, abracei minha família recém-encontrada o mais forte que pude conforme uma parte da minha alma triste e desesperada se curava.
Não sabia dizer ao certo quanto tempo ficamos ali nos abraçando até que uma sombra caiu sobre nós. Ao erguer minha cabeça, encontrei o Rei Chaos com um sorriso triste.
Eu não ligava para o fato de ser um alfa que havia sido reduzido a uma bagunça chorosa ou que todo mundo aqui pudesse me ver desmoronando. Minha falecida companheira estava viva e eu havia acabado de descobrir que tinha um filho de cinco anos.
Isso me dava permissão para liberar qualquer tipo de emoção da maneira que achasse melhor. Neste momento, vi o pai de Chaos sussurrar algo na língua do reino deles e com o aceno de cabeça dela, o canto recomeçou. Eu me agarrei com ainda mais firmeza a eles com medo de que tudo fosse apenas uma ilusão ou uma invenção da minha cabeça e eles desaparecessem.
Meu coração estava acelerado de tanto pavor. Então, fechei meus olhos com força e pressionei minha família contra o meu peito até o canto parar. Não pude deixar de suspirar aliviado ao ver que eles ainda estavam nos meus braços. Nunca tive tanto medo na minha vida e, sem a menor sombra de dúvida, todos no quintal perceberam isso.
Assim que o canto cessou totalmente, peguei minha companheira e nosso filho e corri com eles para casa sem olhar para trás. Só parei quando já estávamos trancados na segurança do quarto.
Então, coloquei Chaos sentada em sua antiga cama com nosso filho ao lado dela antes de me ajoelhar na frente deles. Olhei para os dois sem saber por onde começar.
Abri e fechei a boca diversas vezes antes de simplesmente desistir. Podia ver que minha companheira e meu filho estavam achando graça do meu desespero. Esse foi o meu fim.
Limpando a garganta, perguntei com voz rouca:
"Quando? Como? Qual é o nome dele?"
Chaos soltou uma gargalhada.
"Calma, lobinho. Uma pergunta de cada vez."
"Você não pode me culpar por estar ansioso aqui. Por favor, diga alguma coisa."
"Eu estava grávida antes de ser assassinada."
Meu olhar rapidamente se dirigiu ao meu filho, mas para a minha surpresa, ele apenas revirou os olhos para mim. Ao me ouvir suspirar, Chaos deu uma risadinha.
"Ele já sabe de tudo", ela esclareceu.
Engoli em seco ao pensar que meu filho já sabia tanto sobre a morte tão cedo.
"Qual é o nome dele?" Eu perguntei baixinho com meu olhar ainda fixo no garoto.
"Xavier. Xavier Sebastian River."
"Xavier", repeti, vendo o garoto tentar minimizar sua alegria ao revirar os olhos mais uma vez, embora ele não conseguisse esconder seu verdadeiro entusiasmo.
"Papai", ele sussurrou presunçosamente.
Meus olhos quase saltaram da órbita, pois a última coisa que eu esperava ouvir era ele me chamando de papai. Afinal, ele sabia de tudo o que aconteceu antes do seu nascimento.
Ouvir a palavra 'papai' deixar seus lábios me fez sentir um calorzinho por todo o meu corpo, especialmente no meu coração. Era como se eu estivesse nas nuvens e, pela maneira como meu lobo latia com alegria no fundo da minha mente, ele sentia o mesmo.
"É melhor fechar a boca, papai, ou vai acabar entrando uma mosca, né?" Ele comentou arrogantemente, empurrando minha mandíbula inferior para juntá-la a de cima.
Meu choque devia estar estampado no meu rosto porque o malandrinho caiu na gargalhada junto de sua mãe. Eu realmente não podia acreditar nesses dois.
'Esse garoto vai me dar trabalho', pensei, deixando uma leve risada escapar pelos meus lábios conforme os dois safados tentavam conter seus risos. Isso só fez piorar as coisas quando ambos caíram na gargalhada segundos após declararem que não ririam mais. Quanta ousadia!
Quando, enfim, eles conseguiram se controlar, engatamos em uma longa conversa, principalmente para que eu pudesse conhecer meu filho. Resolvemos ignorar o elefante branco na sala, mas fiquei muito grato de todo jeito.
A única coisa que podia fazer era aproveitar este momento ao máximo antes que todo o inferno recomeçasse. Eu sabia que era apenas uma questão de tempo até isso acontecer.
Ponto de vista de Chaos:
Deixei minha mente me levar de volta para os eventos de hoje, a interminável conversa com River e tudo o que não foi dito. Por mais que me sentisse bem por estar viva, não me ajudava em nada ter voltado para este lugar que só me trazia lembranças ruins. Para piorar as coisas, meu filho inocente — ou nem tão inocente assim — também veio para esta alcateia imunda.
Eu queria tê-lo deixado em casa, mas ele se recusava a se separar de mim desde o dia em que nasceu e, por mais comovente que isso parecesse, às vezes podia ser um grande pé no saco também, especialmente em casos como este. Ele desejava conhecer o pai e eu não tinha como lhe negar esse pedido.
Então, aqui estávamos, de volta a esta alcateia maldita.
O lugar que me devia sangue.
Honestamente, esse povo havia despertado uma sede de sangue terrível em mim.
Eu pensei que já tivesse me livrado dela anos atrás.
Para piorar, eu ainda era alfa desta alcateia.
O destino realmente tinha um senso de humor mórbido.
Se dependesse de mim, eu não teria renascido. Eu poderia ter permanecido feliz e morta para esta alcateia, vivendo em paz no meu reino natal, onde criaria meu filho até me mudar para uma parte diferente do mundo quando estivesse pronta para seguir em frente, mas não...
Tiveram que me lembrar que eu tinha uma obrigação com esta alcateia ingrata, sem falar que meu filho meio-lobo precisava crescer entre sua espécie.
Embora tivesse escolhido a alcateia da minha mãe para criá-lo, fui lembrada mais uma vez de que não fiz esse filho sozinha, portanto, ele precisava do seu pai.
Então, como era possível perceber, dentre tantas escolhas fantásticas, resolvi voltar pela bondade que havia no meu coração. Obviamente, estava sendo sarcástica.
De repente, ouvi a porta do banheiro se abrir com um estrondo, interrompendo meus pensamentos. Não pude deixar de revirar os olhos — algo que se tornou muito comum desde que dei à luz e meu filho também estava adquirindo esse hábito.
Por alguma razão, ele também pegou a mania de abrir portas sem avisar ao invés de bater ou pedir para deixá-lo entrar porque achava mais fácil fazer desse jeito. Imediatamente, desliguei o chuveiro e enxuguei o rosto com a mão.
Ao abrir os olhos, dei de cara com Xavier entrando no banheiro tão nu quanto no dia em que nasceu. Ele parecia dono do lugar. A fúria em seu olhar não fez nada para deixá-lo mais assustador. Com aquele coque no topo da cabeça, ele só conseguia parecer fofo.
Com um suspiro, abri o chuveiro novamente antes de pegar um pouco de sabonete líquido para dar um banho rápido nele. Depois de terminar de nos lavar, peguei uma toalha para nos secar.
Segurando-o em meus braços, voltei para o quarto e suspirei aliviada ao encontrar uma de suas malas na cama. Após vesti-lo em seu pijama, localizei o meu e o coloquei. Em seguida, peguei meu filho no colo outra vez e fui até a cozinha para fazer algo para ele comer, pois este pequeno rapaz ficava terrivelmente irritado quando estava com fome.
Ele chegou a queimar o próprio berço quando era apenas um bebê e eu não queria que isso se repetisse neste reino, principalmente agora que ele já estava mais velho e era capaz de fazer estragos ainda maiores.
Eu já havia começado a preparar algo quando seu pai apareceu na cozinha. Ele também tinha acabado de tomar banho e parecia relativamente animado. Procurei me concentrar em terminar de cozinhar enquanto pai e filho brincavam juntos.
Apesar do nosso reencontro acolhedor, não me esqueci de como me sentia em relação ao meu ex-companheiro. Eu podia ter renascido, mas as feridas ainda estavam frescas. Não conseguia olhar para ele sem me lembrar do que fizera comigo.
Estava apenas aguentando essa situação o máximo que podia porque não queria que meu filho crescesse longe do pai. Essas coisas tinham o poder de acabar com o psicológico de uma criança de tantos jeitos que não permitiria que isso acontecesse com meu próprio sangue, não quando eu podia fazer algo a respeito. Preferia que eu sofresse a deixar meu filho sofrer.
Para quem estava estranhando a ausência da minha família neste momento, como decidi evitá-los a todo custo, eles resolveram aproveitar as festividades para passar o tempo.
Não tinha nenhum problema com eles, mas não estava no humor certo para lidar com minha família agora. Já havia passado por emoções fortes demais por um dia.
Renascer era mais complicado do que parecia. A cada renascimento, a pessoa em questão perdia uma parte sua. Era um pequeno preço a se pagar.
Eu havia perdido mais do que uma simples parte de mim e, por mais que minha família quisesse que eu falasse sobre isso ou procurasse ajuda profissional, eu não conseguia.
Mesmo após cinco anos, essas feridas ainda não cicatrizaram. Se e quando eu decidisse falar sobre isso, provavelmente começaria pelo meu ex-companheiro, já que era um assunto que o envolvia e ele merecia saber através de mim.
Ao desligar o fogão, servi a comida nos pratos antes de colocá-los na frente do meu filho e do pai dele. Enquanto eu lavava as mãos para poder alimentar Xavier, senti minha família entrar em casa. Era só falar no demônio para ele aparecer. Sim, o trocadilho foi intencional.
Respirando fundo, pedi para River dar de comer para o nosso filho enquanto eu lidava com a minha família. Sabia que eles não me permitiriam evitá-los por muito tempo.
Assim que entrei na sala, afundei-me no sofá mais próximo, joguei minha cabeça para trás e fechei os olhos para descansar e também evitar seus olhares conscientes e cheios de questionamentos.
"Vocês voltaram cedo", murmurei.
"Bom, nós queríamos... Na verdade, viemos saber de você depois que tentou nos evitar como se fôssemos um bando de leprosos", Kiara respondeu suavemente.
"Então... Como você está se sentindo?" Minha mãe quis saber.
"Do mesmo jeito, se não pior", respondi sem abrir os olhos.
"Filhinha..." Papai começou a dizer.
"Agora não, pai. Agora não..." Eu o interrompi com a voz entrecortada.
"Você não pode continuar assim, irmãzinha. Você está se matando pouco a pouco", afirmou Lucien, rouco.
"Eu... eu... não posso falar disso até que a cerimônia termine. Preciso me manter forte pelo meu filho. Tenho que me segurar às poucas forças que me restam. Não posso baixar a guarda enquanto estiver nesta alcateia, nem falhar com Xavier de novo, vocês sabem disso."
"Ninguém está pedindo para você não se agarrar às suas forças ou baixar sua guarda, especialmente enquanto estiver nesta alcateia. Tudo o que queremos é que nos deixe entrar. Deixe-nos ajudá-la. Você sabe que somos uma família, portanto, iremos proteger uns aos outros por toda eternidade. Apenas nos permita ajudá-la a carregar este fardo, Khione. Deixe-nos entrar. Isso é tudo o que estamos pedindo", meus irmãos do submundo disseram em sua voz combinada que tanto me assustava.
"Eu queria... queria mesmo fazer isso. Só não estou pronta para falar sobre esse assunto ainda."
"Faz cinco anos, Chaos! Cinco malditos anos. Acho que já esperamos o suficiente", meu tio, pai de Kiara, rosnou com raiva.
"Não é porque se passaram cinco malditos anos que dói menos ou que eu não me lembre mais. Eu sei que você acha que cinco anos é tempo o suficiente para superar tudo o que meu companheiro me fez ou as circunstâncias em torno da minha morte, mas não é sobre isso.
"Eu realmente gostaria que tivesse sido só isso porque seria bem mais fácil de lidar, mas não foi. Vocês podem achar que entendem a minha dor, mas o que sentem é só a ponta do iceberg.
"Minha dor e minha raiva aumentam todo santo dia e sei que preciso extravasar minhas emoções antes que eu exploda. No entanto, é mais fácil falar do que fazer. É por isso que preciso de tempo.
"Sei que não preciso manter o controle o tempo todo, mas quero alguma segurança, a sensação de uma vida estável para conseguir dar a Xavier a vida que ele merece. Eu só desejo que meu filho tenha uma infância normal antes de começar a perceber as atrocidades deste mundo."
"E nós estaremos ao seu lado a cada passo do caminho, quer você queira ou não, porque é para isso que a família serve. Nós ficaremos juntos, não importa o quê. Sempre", Luke acrescentou com um misto de suavidade e determinação em suas palavras.
Dei um longo suspiro para deixá-los saber que eles venceram.
Com os olhos ainda fechados, perguntei baixinho: "Então, o que vai acontecer amanhã?"
"Ahhh... Amanhã é o dia do julgamento", Lucien respondeu, animado.
Deixando escapar uma risada, respondi: "Já era hora. Essa m*rda se arrastou por tempo demais."
"Neste caso, proponho que todos descansem um pouco porque amanhã será um longo dia. E Kiara, mantenha suas mãos longe de Matthews.
"Você vai precisar guardar toda essa energia para amanhã, querida", Lucien comentou maliciosamente enquanto piscava para o casal que tinha uma expressão vazia no rosto.
Eles ficaram tão sérios de repente que chegava a ser cômico. A maioria de nós não conseguiu se impedir de cair na gargalhada.
"Kiara Khorne! Não foi assim que eu te criei!" O pai dela vociferou.
"Realmente, pai, você me criou de um jeito bem pior", respondeu ela presunçosamente, incitando mais risos. Desta vez, Matthews e seu pai não puderam deixar de se juntar a nós.