Capítulo 34
1912palavras
2023-05-02 00:02
Ponto de vista de Alfa River:
Não saberia dizer quanto tempo fiquei ali com meu olhos fixos na fênix até me distrair com o som do vento brincando com as folhas das árvores próximas. Bastou eu piscar por um segundo para o pássaro de fogo sumir.
Sentindo uma urgência enorme tomar conta de mim, saí por aí para procurá-la até que me deparei com uma garotinha de olhos vermelhos que tinha cerca de cinco ou seis anos de idade.
Suspirei, sabendo muito bem de onde ela era. Então, ajoelhei-me à sua frente e perguntei baixinho:
"Oi, querida, o que você está fazendo aqui sozinha?"
Ela não disse nada.
"Onde estão sua mãe e seu pai?"
Nenhuma resposta.
"Como posso te ajudar se você não quer falar comigo?"
"Eu não preciso da sua ajuda", ela murmurou.
"Ah, ela fala!" Apontei sarcasticamente
Não pude evitar o sorriso que coloriu o meu rosto ao vê-la dar uma série de risadinhas fofas.
"Claro que eu falo, seu bobo", ela respondeu, petulante.
"Então, por que você não me respondeu?" Indaguei, curioso.
"Porque eu não estava com vontade." Ela revirou os olhos de um jeito atrevido.
Dava para acreditar nessa crianca? Pensei melancolicamente.
Não sei nem porque ainda me surpreendia de uma criança da idade dela já ter toda essa marra. Pelo amor de Deus, ela tinha os olhos vermelhos!
'Isso já devia dizer tudo, seu imbecil', Kaeden bufou no fundo da minha mente antes de desaparecer outra vez.
'Ah, então, você está falando comigo agora, Kaeden?' Eu o questionei, irritado, apenas para me deparar com o seu silêncio. Já havia me acostumado com essa situação desde a morte da minha companheira.
Voltando minha atenção à garotinha misteriosa, perguntei baixinho:
"Qual é o seu nome, criança?"
"Ruína", ela respondeu.
"Bom, esse não é um nome comum, embora seja bem bonito. O que significa?"
"Significa ruína", Ela respondeu com uma voz tão medonha que me fez cair de joelhos.
Abri minha boca, querendo enchê-la de perguntas, quando ela me cortou.
"Já é hora, querido alfa. O último dia da sua ruína, seu julgamento e quando seu destino será selado. Hoje, um novo dia irá nascer e se estabelecer. Prepare-se, pois a batalha está só começando", ela recitou naquela mesma voz aterrorizante e com um sorriso sinistro no rosto. Ao mesmo tempo, podia ver seus olhos oscilarem entre o preto e o vermelho.
Antes que pudesse gritar ou perguntar o que ela queria dizer, ela se transformou no maior falcão que eu já vi na vida e disparou para o céu. Um pressentimento estranho tomou conta de mim. Isso tudo não podia ser coincidência.
Primeiro, vi aquela fênix que me causou vários arrepios na espinha e, depois, deparei-me com a garotinha de olhos vermelhos, chamada Ruína, que era justamente como minha vida se encontrava neste momento.
Suas palavras continuaram martelando na minha cabeça enquanto eu fazia meu caminho de volta para o território da alcateia, confuso.
Eu estava tão perdido em pensamentos que nem olhei para onde estava indo até esbarrar em algo. O som estrondoso que se seguiu me trouxe de volta à realidade, então, encontrei um homem pequeno, mas fofo, olhando para mim.
Em qualquer outro rosto, a fúria em seu olhar teria me assustado, porém, ele era tão fofo que só tive vontade de apertar suas bochechas. Ele não devia saber disso, mas ele ficava muito adorável quando estava com raiva.
Limpei a garganta para impedir o riso que estava prestes a escapar pela minha boca.
"Sinto muito. Eu estava distraído e acabei não olhando para onde ia", desculpei-me sinceramente.
"Ainda nem consegui meu primeiro cliente, mas você já derrubou todas as minhas mercadorias. Eu levei horas para arrumá-las aqui", resmungou ele.
"Eu já disse que sinto muito, mas se puder recompensá-lo, deixe-me ser seu primeiro cliente. Mostre-me a sua joia mais cara e me diga o seu preço!" Tentei negociar ao ver o quão chateado ele estava.
"Bom... eu posso me contentar com isso, embora não precise do seu dinheiro. É bastante inútil no meu reino", ele respondeu com um brilho animado nos olhos.
"Então, o que você quer em troca?"
"Não há nada que eu particularmente queira agora, mas gostaria de fazer um pacto de sangue com você. Dessa forma, você fica me devendo um favor e, quando chegar a hora, eu venho cobrar. O que me diz?" Ele indagou seriamente.
"É um pedido estranho, mas tudo bem. Faço qualquer coisa pelo seu perdão", consenti, estendendo minha mão até a dele já esticada.
Não pude evitar fazer uma careta ao senti-lo cortar minha palma com uma de suas garras antes de fazer o mesmo consigo. Então, uma dor aguda me atingiu no momento em que ele juntou nossas mãos e começou a recitar algumas palavras.
Observei conforme seus olhos ficaram esbranquiçados por uma fração de segundo antes de voltarem à sua cor vermelha natural.
"Feito!" Ele disse alegre demais para o meu gosto. Em seguida, ele pegou a joia e a embalou para mim.
Eu nem tive a chance de ver como ela era, nem mesmo um vislumbre, mas pelo sorriso presunçoso nos lábios daquele pirralho fofo, sem falar no brilho travesso em seus malditos olhos vermelhos, ele havia feito isso de propósito. Ao pegar o pacote, revirei meus olhos e o coloquei no bolso.
Então, com outro pedido de desculpas, despedi-me dele e continuei meu caminho de volta para casa. Só naquele momento finalmente parei para olhar à minha volta. Kiara não estava brincando quando disse que haveria muitas barracas.
Imaginei que haveria alguns produtos normais de mercado, mas estas barracas eram dignas de um supermercado sofisticado. Tinham tudo o que se podia imaginar, desde roupas luxuosas, sapatos e até coisas impensáveis, como criaturas místicas que poderiam ser adotadas como animais de estimação ou servirem de companhia. Entre elas, encontrei dragões bebês, fadas e tantos outros seres que deixaram a minha cabeça rodando.
Um tempo depois, percebi que os membros da alcateia estavam a poucos metros das barracas enquanto observavam a tudo com muito interesse. Podia sentir o cheiro da ansiedade e curiosidade emanando deles.
Aproximei-me do grupo mais próximo e perguntei:
"O que vocês estão esperando para irem até lá se divertir?"
"O senhor, alfa. Beta Matthews disse para esperar sua permissão antes de fazermos qualquer coisa", o rapaz mais jovem do grupo respondeu sem hesitar.
"Bom, perdão por fazer vocês esperarem. Juntem-se a eles e divirtam-se", gritei, soltando uma risada ao ver todos correrem paras barracas imediatamente.
Eles não demoraram para escolher entre as mercadorias e a conversarem animadamente com os vendedores. Eles mereciam isso. As últimas semanas foram um inferno para mim e para eles também.
Em seguida, peguei o trajeto mais rápido até a casa de Chaos e joguei o pacote com a joia em sua cama. Eu já estava me virando para sair quando decidi voltar.
Não consegui evitar a tentação de olhar a joia misteriosa. O que vi foi de tirar o fôlego. Era uma pulseira unissex com pedras raras pretas e vermelhas que de algum jeito me lembraram muito a Chaos.
Deixando um beijo nela, coloquei-a de volta na cama. Ao sair do quarto, esbarrei no pai da minha companheira.
"Senhor", cumprimentei-o.
"O despertar está prestes a começar", ele respondeu ao invés de me cumprimentar de volta.
"Tá... Vou chamar o restante da alcateia."
"Não, eles não devem participar neste primeiro momento. Essa parte da cerimônia é sempre mais íntima e complicada. É melhor ser feita sem espectadores. A segunda parte também. Eles podem comparecer a partir do terceiro dia."
"Eu não sabia disso. Por favor, lidere o caminho."
Caminhamos em um silêncio bem constrangedor até chegarmos ao quintal de Chaos. Era a primeira vez que via o lugar e precisava admitir que ela havia feito um trabalho incrível aqui. Em seguida, olhei em volta para ver quem estava presente.
Notei vários homens, ou melhor, gigantes, que pareciam réplicas do pai de Chaos. Ao lado deles, vi sua adorável mãe, irmãos e os sempre amáveis Kiara e Matthews. Atrás deles também havia os membros do meu alto escalão, assim como os do dela, meus pais — inclusive, estava bastante surpreso de ver meu pai aqui, já que ele raramente dava as caras na alcateia hoje em dia — e alguns homens e mulheres que eu nunca conheci, mas pela maneira nobre como se vestiam, estava claro que eram figuras importantes.
Ao andar até Matthews, parei ao lado dele e sorri quando ele esbarrou no meu ombro. Era sua maneira de dizer que me protegeria.
Soltando um suspiro, virei-me na direção do Rei Chaos apenas para encontrá-lo já olhando para mim. Eu dei a ele um aceno de cabeça para indicar que estava pronto.
Ele meneou a cabeça de volta para mim antes de deixar sua voz trovejar pelo espaço. Os homens e mulheres de aparência nobre se moveram para o centro do quintal. Só então notei que eles seguravam entre eles uma urna preta e dourada, que estava sobre uma bandeja larga.
Algo sobre aquela urna me chamou a atenção. Inconscientemente, eu sabia que ela continha as cinzas da minha falecida companheira. Foi necessário tudo de mim para resistir a tentação de correr até lá e agarrá-la.
Afinal, este último ritual precisava ser feito para que Chaos pudesse finalmente descansar em paz e obter a justiça que ela merecia.
Assisti com um misto de tristeza e fascínio conforme a urna era cuidadosamente colocada no centro do quintal. Os cânticos começaram logo em seguida e o lugar todo vibrou com o seu poder.
Durante todo esse tempo, a urna chacoalhou como se as cinzas dentro dela quisessem sair. Então, observei cada membro da família de Chaos cortar a palma da própria mão, deixando um rastro de sangue de onde eles estavam até onde a urna havia sido colocada, sem parar ou interromper seu canto.
Pude sentir o instante em que o poder que fluía à nossa volta se transformou e vi o momento exato em que a urna começou a pegar fogo. Quanto mais ela queimava, mais ela chacoalhava e mais alto eles cantavam.
Prendi a respiração quando a tampa da urna voou para fora como se tivesse sido chutada antes de explodir em mil pedacinhos. Mas isso não foi o que mais me chocou e sim a fênix que emergiu dela com suas asas flamejantes abertas e com a cabeça jogada para trás enquanto emitia um som que parecia muito com um grito de guerra.
Ao vê-la se virar na minha direção, encontrei os mesmos olhos que me encararam na floresta mais cedo.
Então, uma pequena fênix apareceu por trás da maior e pousou em seu ombro, cantando bem alto, o que me distraiu por um momento.
Pelos suspiros que ecoaram à minha volta, entendi que nem mesmo os que sabiam o que estava acontecendo esperavam a ave menor. Mas por quê? Eu jamais saberia dizer.
Diante dos meus olhos, a fênix maior decolou para o céu antes retornar com toda velocidade, mas antes que pudesse tocar o chão, ela envolveu suas enormes asas em torno da fênix mais jovem e girou tão rápido que pensei ter levado uma chicotada. Agarrei-me ao braço de Matthews conforme aquela cena inacreditável se desenrolava na minha frente.
Eu achei que estava prestes a ter um ataque cardíaco. Podia ouvir meu coração batendo forte e o sangue pulsando em meus ouvidos, o que tornava impossível escutar todo resto à minha volta. Balancei em meus pés quando fui atingindo por uma tontura.