Capítulo 30
1724palavras
2023-04-28 00:02
Ponto de vista de Alfa River:
Não sei quanto tempo fiquei parado, perdido no meu luto. Meus amigos e familiares tentaram me trazer de volta à realidade até que perceberam que todos os seus esforços não estavam dando resultado.
Eu podia sentir que estava me desconectando de tudo com o passar dos minutos. Ao reunir minhas últimas forças, gentilmente me levantei e, sem dizer uma palavra a ninguém, fui até o closet e vesti um par de calças pretas e uma camiseta larga.
Não me dei ao trabalho de me olhar no espelho. Minha companheira estava morta, ou melhor, assassinada, e eu não tinha ninguém para impressionar.
O único motivo pelo qual estava deixando o quarto ao invés de permanecer de luto sozinho nele era porque queria confirmar que ela estava mesmo morta.
De alguma forma, uma enorme parte de mim se recusava a aceitar que ela tinha mesmo partido.
Tirando qualquer traço de emoção do meu rosto, fiz meu trajeto para fora de casa. Pude sentir o clima sombrio no ar no momento em que pisei no quintal.
Meu coração se partiu ainda mais quando olhei ao redor do complexo, que normalmente era tão alegre e agora se via repleto de membros da alcateia aos prantos.
Não sabia dizer o que eles viram no meu rosto, mas com certeza não foi nada de bom, pois suas lágrimas e lamúrias só aumentaram.
Em seguida, caminhei em direção à Kiara e Matthews, que estavam parados em volta de um corpo. Quanto mais perto eu chegava deles, mais eu sentia meu coração se apertar.
Embora o olhar de Kiara parecesse vazio, havia uma dor oculta nele que era mais intensa do que qualquer coisa que já tinha visto. Matthews, por sua vez, chorava em silêncio.
Assim que avistei minha companheira, não pude evitar cair de joelhos. Ela tinha um buraco enorme no peito e sangue espalhado pelo corpo inteiro. Para completar, seu cabelo agora estava todo branco também.
No entanto, foi o olhar pacífico em seu rosto que me fez liberar todas as lágrimas que tinha prendido todo esse tempo.
Ao pegá-la em meus braços, enterrei meu rosto em seu cabelo branco, esperando encontrar um corpo frio, mas ela estava quente.
Nunca tinha a sentido tão quente antes. Diante disso, me debulhei em lágrimas como jamais havia feito. Parecia que uma parte de mim fora arrancada e agora não sabia o que fazer sem ela.
Balancei seu corpo sem vida em meus braços enquanto pensava em toda a dor e tristeza que a causei.
Por alguma razão, sentia que a morte dela era minha culpa. Eu sabia que ela era mais do que capaz de cuidar de si mesma.
Portanto, se ela deixou alguém se aproximar o suficiente para matá-la, isso só significa uma coisa: ela estava exausta e de saco cheio de mim.
Embora pudesse ouvir uivos tristes por toda alcateia, não consegui encontrar forças para uivar de volta.
Meu lobo estava em silêncio e de luto. Se eu o conhecia bem, sabia que ele permaneceria apático até terminar de sofrer tudo o que precisava.
Segurando Chaos em meus braços, fiquei de pé novamente e fui em direção à casa dela. Pouco me importava se eu fosse atirado para trás por qualquer força que estivesse protegendo o lugar.
Contudo, nem tive tempo de me surpreender quando entrei pela porta da frente e nada aconteceu. Esperava encontrar sua família ali, mas estava tudo silencioso demais. Talvez eles ainda não soubessem do que aconteceu.
Não foi difícil achar o quarto dela, já que tudo o que eu precisava fazer para encontrá-lo era seguir o seu cheiro, que ficou ainda mais forte quando entrei lá.
Kaeden soltou um gemido no fundo da minha mente, mas isso foi tudo o que ele fez antes de desaparecer outra vez.
Gentilmente, coloquei Chaos sobre sua cama e fui até o banheiro. Depois de abrir a torneira de sua enorme banheira, deixei que ela enchesse de água.
Então, adicionei alguns óleos e espumas de banho antes de voltar para o quarto, onde minha companheira estava deitada.
De joelhos, despi-a devagar, evitando prestar muita atenção no buraco em seu peito, embora minha sensação fosse de que aquele buraco havia sido feito no meu.
Em seguida, peguei seu corpo nu em meus braços e o levei até o banheiro. Com muita gentileza, coloquei minha companheira na banheira agora cheia, então, ensaboei sua esponja e comecei a lhe dar um banho completo.
Demorei um pouco, mas consegui banhá-la como ela merecia. Seria o seu último banho. Só de pensar nisso, as lágrimas voltavam aos meus olhos.
Permitindo que elas fluíssem livremente, eu terminei de lavá-la e secá-la.
Não parei de chorar quando apliquei sua loção corporal, tampouco enquanto pegava o vestido rendado mais lindo que encontrei em seu guarda-roupa.
As cores do vestido eram uma combinação de vermelho, preto e cinza. Ele claramente havia sido projetado para parecer que estava em chamas, o que combinava muito com Chaos.
Depois de ajeitar suas roupas íntimas, coloquei o vestido nela e precisava admitir que ela ficou divina.
Resolvi deixar seus pés descalços. Então, peguei uma escova e lentamente a deslizei pelos seus cabelos. Quando tive certeza de que todos os nós haviam sido desfeitos, deixei seus fios caírem soltos atrás dela.
Eu tinha acabado de me levantar para guardar a escova quando a porta do quarto se abriu. Ao me virar, fiquei cara a cara com o pai dela.
Se fosse qualquer outro dia, eu teria ficado assustado, mas agora não conseguia me importar com sua presença.
Quando me virei para terminar o que fazia, senti uma mão pesada dar tapinhas em minhas costas. Eu imediatamente fiquei tenso.
"Não gosto mais de você hoje do que gostava ontem, mas vim pessoalmente te dar os meus pêsames. Sinto muito", disse ele com a voz rouca.
Sem dizer uma palavra, eu meneei a cabeça antes de me ajoelhar ao lado da minha companheira.
"Gostaria que o funeral dela fosse feito à nossa maneira", ele comentou e eu assenti novamente.
"Acho melhor avisar aos outros para começarmos os preparativos... Nós o chamaremos quando for a hora."
Ele esperou um minuto, mas como eu não disse nada, ele se virou e deixou o quarto com um suspiro pesado.
Em seguida, agarrei a mão da minha companheira e dei um beijo nela.
"Sinto muito, querida. Sinto muito mesmo. Eu sei que é tarde demais para isso, mas viverei com essa culpa pelo resto da minha vida. Onde quer que você esteja agora, espero que encontre um lugar em seu coração para me perdoar.
"Embora eu não possa te trazer de volta, prometo uma coisa.
"Eu irei caçar quem fez isso e não vou descansar até que seu sangue lave esta terra e seus restos mortais estejam espalhados por aí.
"Realmente não sei como vou sobreviver sem você. O que farei da minha vida agora, Chaos?
"Eu sei que estraguei tudo entre nós antes mesmo de começarmos, mas passarei o resto dos meus dias pagando por esse erro.
"Espero de verdade que você encontre a paz onde quer que esteja. Eu sempre vou te amar, querida", murmurei.
Após tirar o colar que eu sempre usava, coloquei-o em volta do seu pescoço e encostei meus lábios nos seus antes de lhe dar um beijo na testa.
Assim que me afastei dela, a porta do quarto se abriu novamente. Desta vez, foi sua mãe quem entrou.
"Ela está linda", ela sussurrou com os olhos marejados.
"Sim, ela está", respondi, também lacrimejando.
"Está tudo pronto, só estamos à sua espera",
"Tá. Desceremos em um minuto."
Alfa Celeste parecia querer dizer mais alguma coisa, mas desistiu no momento seguinte. Então, saiu de vez.
Olhei minha companheira deitada com uma expressão pacífica e serena no rosto. Ao pensar que esta seria a última vez que a veria novamente, minhas lágrimas voltaram a escorrer.
Nós não tínhamos nem mesmo uma foto juntos. Olhando ao redor do quarto, vi seu celular carregando. Ao tirá-lo da tomada, agradeci aos céus quando percebi que ele não estava protegido por senha e abri sua câmera.
Em seguida, tirei algumas fotos suas antes de guardar seu celular no bolso. Quando a levantei em meus braços novamente, cada músculo no meu corpo protestou contra.
Após respirar fundo algumas vezes, caminhei em direção à porta.
O trajeto até o lado de fora da casa, embora curto, foi o mais excruciante que já fiz em minha vida. Ele não só drenou todas as minhas forças, como tive que dar tudo de mim para não correr de volta para dentro.
Ao dar meu último passo para fora da casa, olhei atentamente para o cenário à minha frente. Uma cama de madeira foi montada no meio do nosso complexo e ao redor dela havia um monte de gente que nunca vi na minha vida.
Imediatamente, soube que se tratavam de pessoas próximas à família de Chaos. Seus olhos vermelhos brilhantes ou negros como obsidiana deixaram isto claro para mim. Suas aparências intimidadoras e suas expressões indiferentes eram apenas um bônus.
No meio deles, eu vi os rostos de alguns dos meus algozes e, pelo calafrio que percorreu minha espinha, sabia que precisava acalmar os meus nervos antes que eles me fizessem sair correndo do funeral da minha própria companheira.
Sendo assim, concentrei-me em carregá-la até a cama de madeira, onde iríamos cremá-la.
Embora eu preferisse enterrá-la, esta era a forma de seus familiares se despedirem dos mortos. Como eu já havia tirado o bastante dela, não quis adicionar mais isso à lista.
Após deitá-la sobre a cama com toda gentileza do mundo, dei um passo para trás e anuí para que seu pai desse início a cerimônia.
Ele levou alguns minutos para terminar o feitiço ou oração que eles costumavam a fazer para os mortos.
Eu não saberia dizer o que significavam suas palavras porque elas foram ditas em sua língua nativa. Então, chegou a parte mais difícil para mim.
Vê-la queimando.
Automaticamente, eu caí de joelhos ao ver seu pai colocar fogo na cama de madeira. Não fui capaz de tirar os olhos de Chaos enquanto ela queimava, tampouco consegui impedir as lágrimas de encharcarem meu rosto.
Esta foi a pá de cal. Jogando minha cabeça para trás, uivei para lua tudo o que estava sentindo.
Arrasado.
Vazio.
Sozinho...
Eu era um homem quebrado e sem uma companheira.