Capítulo 19
1815palavras
2023-04-19 16:57
"Há feridas que nunca aparecem no corpo que são mais profundas e mais dolorosas do que qualquer coisa que sangra" — Laurell K. Hamilton, Mistral’s Kiss.
Ponto de vista de Chaos:
Ao ser colocada na cama, estava consciente de tudo ao meu redor, embora parecesse inconsciente. Eu estava meio em estado de coma e podia me sentir mudando por dentro.
Até eu tinha medo do resultado final desse processo. Aquela era uma batalha de vontades, a qual perdi no momento em que descobri que meu companheiro estava me traindo.
A melhor coisa que poderia ter feito era ter ido embora, mas eu não era esse tipo de pessoa. Não podia partir enquanto era responsável pelo bem-estar de pessoas que agora pertenciam à minha alcateia.
Embora o futuro parecesse incerto, sabia que seria repleto de dor, ódio, raiva e muitas outras emoções negativas.
Pude sentir o momento em que meu companheiro me tocou e descobriu o quão fria eu estava. Ele só não sabia que eu estava tão gelada por dentro quanto por fora.
Tudo estava congelado, das minhas emoções às partes do meu corpo. Nunca senti algo tão assustador antes.
Continuei deitada em silêncio enquanto o médico me tocava e cutucava. Era perda de tempo, pois ele não encontraria nada além da minha temperatura fria que não parava de cair.
Eu estava pronta para afundar ainda mais na escuridão que me cercava quando ouvi vozes alteradas do lado de fora.
Não precisei apurar meus ouvidos para escutar o que diziam, pois no estado em que me encontrava, meus sentidos pareciam extremamente aguçados e assim continuariam por muito tempo.
Eu queria poder desligar minha audição amplificada porque as coisas que ouvi a seguir conseguiram me deixar ainda mais arrasada do que antes.
No fim, o que ouvi conseguiu despertar uma antiga parte de mim que estava enterrada e me fez vibrar de raiva na cama.
Ao mesmo tempo, eu podia sentir a cama debaixo de mim queimando enquanto meu sangue fervia ao máximo. Quando ouvi o som da fechadura, o grito horrível de alguém ecoou pelas paredes do quarto.
Era Matthews.
Trocadilhos à parte, parecia que o próprio Chaos. havia se instaurado no ambiente. Embora pudesse ouvir diferentes vozes ao mesmo tempo, conseguia distingui-las muito bem.
Pude ouvir Kiara, o médico e minha mãe. Eu estava tentando me acalmar quando, de repente, a voz do meu companheiro chegou aos meus ouvidos.
Imediatamente, explodi de raiva e minha mãe pareceu ter percebido o motivo, pois, no instante seguinte, ela mandou meu companheiro sair do quarto, o que fez com que me acalmasse um pouco.
Então, senti derramarem água sobre mim. O suspiro de alívio que deixou meus lábios fez minha mãe rir baixinho.
Antes mesmo de ele entrar no quarto, senti a presença do tio Hefesto. Pude perceber quando ele se sentou na cama e me pegou em seus braços.
Apesar de não ter mencionado nada antes, além de Kiara, meu tio era a pessoa mais próxima de mim.
Ele passou a cuidar de mim quando eu ainda era criança e nunca parou, mesmo depois que eu cresci e não precisava mais dele.
De repente, ele murmurou algumas palavras as quais conhecia muito bem. Era um feitiço calmante.
Antes que me desse conta, estava segura e aconchegada no conforto da escuridão à qual agora pertencia, embora esta não fosse a vida que eu queria.
*************
Algum tempo depois...
Ponto de vista de Alfa River:
Duas semanas se passaram desde a cerimônia de união com a minha companheira, e há duas semanas ela desmaiou e quase deixou a clínica em cinzas enquanto quase queimava até a morte.
Havia duas semanas desde que ela entrou em coma e não acordou mais. Ela não piscou os olhos nem mesmo uma vez, tampouco moveu um dedo da mão ou do pé durante esse período.
Aquelas foram duas semanas infernais.
Seu quarto havia sido enfeitiçado por seus irmãos que vieram vê-la um dia depois que ela entrou em coma.
Eu nem sabia que lobisomens eram capazes de fazer isso. Quando toda essa confusão acabasse, iria pesquisar mais sobre o assunto.
No momento, as únicas pessoas que podiam entrar no quarto eram Kiara e uma médica que veio de sua antiga alcateia para cuidar dela.
Embora eu tivesse tentado entrar à força uma vez, isso quase me matou, então, não tentarei essa opção tão cedo de novo.
Junto do restante da alcateia, só podia ficar atrás da janela de vidro que dava para o quarto dela sempre que vinha visitá-la.
Era uma cena de partir o coração vê-la naquela mesma posição todas as vezes que voltava apenas para perceber que quase nada mudou.
Tricia também vinha visitá-la de vez em quando e até se desculpou pela sua atitude. Ela deixou claro que suas palavras e tudo o que fez foi por puro despeito e ela não queria ter dito nada daquilo.
No entanto, o mal já estava feito. Agora ela não fazia mais parte integral desta alcateia e poderia facilmente ser expulsa se minha companheira quisesse.
Ela sempre estaria em perigo, pois só estava parcialmente protegida depois que decidiu não participar da cerimônia da minha companheira. Por mais que eu quisesse ajudá-la, não havia nada que pudesse fazer.
Além do mais, ela mesma causou isso a si.
Como não gostava de guardar rancor, eu a perdoei depois que ela veio pedir desculpas pela segunda vez.
Eu já tinha uma mulher à beira da morte em uma cama de hospital e não precisava de outra se sentindo negligenciada e, quem sabe, pensando em ir embora. Seria um golpe duro demais para mim.
Ao mesmo tempo, Matthews continuava sem falar comigo e não era por falta de tentativa da minha parte. Entretanto, por mais que insistisse, ele me evitava como se eu fosse uma praga mortal.
Ele só se aproximava quando eu convocava uma reunião e, mesmo assim, era sempre o primeiro a sair ao final.
Infelizmente, também não podia contar com Kiara, não enquanto ela me lançava olhares de quem adoraria me matar à primeira oportunidade.
Mas esse era apenas um delírio da sua mente. Não era possível que ela achasse que poderia enfrentar um alfa como eu.
Richard, por sua vez, ainda encontrava dificuldades para falar. Embora os médicos tivessem o examinado minuciosamente, não encontraram nada de errado com ele.
Ele conseguia conversar a respeito de quase tudo, mas bastava mencionarem minha companheira, Kiara ou Matthews para ele começar a se atrapalhar.
Então, depois de algum tempo, ele parou de tentar falar sobre eles e se concentrou em seus deveres dentro da alcateia. Apesar de ele estar se saindo bem, precisava admitir que as coisas não eram mais como antes.
Não pude deixar de notar a mudança drástica em seu comportamento e não fazia ideia do que fazer com isso. Richard era um conquistador nato e não parecia ter a menor vontade de mudar seu estilo de vida.
Para ele, mulheres sempre vieram na frente do dinheiro, mas agora, ele mal dava atenção a elas.
Ele andava tão concentrado em seus afazeres que mal deixava o escritório. Na verdade, ele apenas saía quando era hora de treinar, comer ou participar das reuniões periódicas.
Tantas coisas estavam mudando ao meu redor que eu simplesmente não sabia o que fazer.
Meu pai deixava claro que ainda estava decepcionado comigo e sua relação com minha mãe parecia tensa nos últimos tempos, apesar de eu saber que eles iriam resolver isso.
No entanto, ele quase não falava comigo e, quando o fazia, ele não me dirigia mais do que dez palavras. Sim, eu havia contado.
Eu estava com muitos problemas para lidar de uma vez e isso me fazia sentir constantemente no limite. Meu lobo também estava em completo silêncio e eu mal conseguia dormir durante a noite.
Afinal, após passar um dia inteiro trabalhando, eu sempre ia à clínica ver minha companheira antes de voltar de madrugada para tentar dormir um pouco, mas era raro eu conseguir cair no sono.
O máximo que havia conseguido dormir durante esse período sombrio da minha vida foi uma hora antes de me trancar em meu escritório e trabalhar para caramba.
********
Hoje fez exatamente três semanas e seis dias que tudo aconteceu e eu já estava começando a ficar cansado dessa distância entre mim e minha companheira.
Como um casal recém-acasalado, devíamos estar grudados um no outro o dia todo, mas Chaos teve que entrar em coma e ninguém queria me dizer o motivo.
Ao deixar meu escritório mais cedo, decidi antecipar minha visita de hoje, até porque meu lobo, que antes estava em completo silêncio, já não estava mais tão quieto.
Desde que acordei, ouvi ele choramingar na minha mente enquanto murmurava o nome de nossa companheira.
No final das contas, decidi pegar o caminho mais longo até a clínica para poder clarear um pouco a minha mente.
Demorou, mas assim que cheguei lá, deparei-me com o cheiro de desinfetante e anti-sépticos aos quais já havia me acostumado há semanas.
Meneei a cabeça para a enfermeira na recepção, que nunca deixava de me olhar com pena, e fui até o andar onde minha companheira estava internada.
Cheguei até lá, sentindo-me um pouco entorpecido, mas antes que pudesse me fixar em frente ao vidro com vista para o quarto de Chaos, Kiara saiu pela porta aos prantos.
Assisti enquanto ela fechava a porta em silêncio e se escorava à parede ao lado. Após respirar fundo, tomei coragem e fui até ela.
Inclinando-me para ficar à altura de seus olhos, perguntei:
"O que há de errado Kiara? Chaos está bem?"
"Sim... Na verdade, ela está acordada. Ela acordou à meia-noite e voltou a dormir agora há pouco", respondeu ela com um olhar hostil. Essa mulher era mesmo impossível.
"Ah, graças aos céus. Então, por que você está chorando? Você deveria estar feliz."
"E estou, mas ela não é mais a mesma, River."
"O que... Como assim ela não é mais a mesma? Ela acabou de acordar de um coma, claro que ela não deve estar normal ainda."
"Não! Você não entende p*rra nenhuma. Quer saber? Por que não me deixa em paz e vai ver com seus próprios olhos?"
Ao que parecia, seu breve momento amigável tinha chegado ao fim. Cuidadosamente, endireitei-me e fui em direção ao vidro para ver por mim mesmo do que Kiara estava falando.
Se não tivesse segurando à borda da janela, eu teria caído para trás.
Embora a pessoa deitada na cama parecesse minha companheira, ao mesmo tempo, ela não tinha nada a ver com a Chaos que eu conheci.
Eu nunca tinha visto nada parecido antes. Ninguém entrava em coma e saía desse jeito.
Minha companheira tinha passado por uma mudança radical. Ela parecia...
Com uma respiração profunda, desci as escadas para chamar a médica que estava cuidando de Chaos desde que ela entrou em coma.
As coisas só pareciam piorar mais e mais...