Gustavo encostou na porta de Bianca com um monte de recordações. Só mesmo Aisha para fazê-lo voltar ali tão cedo. Não estava pronto pra ver Bianca. Não estava preparado pra enfrenta-la.
Ele se preparou psicologicamente desde o hospital para ignorar a existência dela e arranca-la de seu peito. Não tinha idade nem maturidade pra enfrentar mais dez anos daquilo.
Quando voltou do coma, teve um tempo no hospital para pensar em tudo o que eles dois fizeram de suas vidas. Se lembrou de uma frase que leu não sabe onde: se você amar duas pessoas, fique com quem veio por último, pois se fosse amor verdadeiro, não teria segunda opção.

Ele nunca amou Sirlene, Bianca lhe mostrou que lhe era cômodo ficar com ela. Nunca se achou digno de tentar fazer uma mulher feliz, mas mesmo nos seus piores anos de união, ele ficava com outras mulheres, até Sirlene estragar tudo.
Enquanto Bianca estava fora, ele se perguntava porque não foi mais corajoso e largou Sirlene em algum momento nos 4 anos que teve oportunidade. E mesmo de um jeito torto, Nicole lhe mostrou a resposta.
Era cômodo pra ele antes ficar com uma mulher que tinha sido avisada da sua condição. Que tinha uma louca que achava que era sua mulher e que quando descobria que ele estava com outra pessoa, fazia barraco. Ele não deixava de ser sincero e não se entregava pra ninguém. Todas elas entravam em sua vida sabendo que tinham prazo de validade.
Porque com Bianca foi diferente? Porque pra Bianca ele não contou? Ele sempre achou que Bianca ele amou de verdade. Mas deitado no hospital sozinho, ele se convenceu de que Bianca foi um trampolim pra carreira dele. Por isso não contou a ela sobre Sirlene. Ele sabia que Bianca não era igual as outras mulheres que aceitavam migalhas. Ele não era burro, tinha certeza que a reação de Bianca seria exatamente a de se afastar, em qualquer momento que ela descobrisse que ele não era desimpedido. E ele não se arriscava em contar antes de estar consolidado na posição que tinha hoje.
Ele não achava que era ruim pra nenhuma das outras e nem para Bianca enquanto estava vivendo os relacionamentos. Mas com Nicole, ele descobriu que não sabia viver uma relação saudável. Com Nicole, ele percebeu que mulher precisava de mais. Ele sempre se meteu com mulheres fortes e independentes, mas descobriu que mesmo essas precisavam de segurança, de um porto seguro. E Nicole lhe mostrou que ele era um covarde!
E no hospital ele percebeu que a maior covardia, ele fez com Bianca. Ela se apaixonou de verdade porque não estava avisada da condição dele, e quando foi pega de surpresa, já tinha dedicado 4 anos numa relação sem futuro. Ele pensou que tirando Sirlene de sua vida, estaria desimpedido quando ela voltasse, mas só naquela cama de hospital pode realmente perceber que o impedimento estava dentro dele, que não era capaz de se doar realmente a uma pessoa.

E pior, constatou que estava transferindo para Bianca o papel de Sirlene. De ser seu impedimento para novos relacionamentos.
Foram 10 anos que roubou da vida dela por suas covardias. E não queria mais. Nem pra ela e nem pra ele. Sabia que o melhor pra vida dela e de seu filho também, era Lorenzo.
Em algum momento, Lorenzo mexeu com ela. Não foi mentira o tempo todo, não foi só armação de Enzo. Teve uma época que ela estava encantada por ele. Então Gustavo se convenceu de que pagaria duas dividas se ele se afastasse e deixasse esse encanto voltar.
Ele devia isso a Bianca. Dar a ela a oportunidade de ser feliz, de se entregar de verdade pra uma pessoa que faria bem a ela, que entraria na frente de uma bala por ela. Enquanto ele tivesse no caminho, Bianca não abriria passagem pra mais ninguém.

Foi assim com Justin. Ele se apaixonou por ela, estava ali pra ela o tempo todo, mas ela só via Gustavo. Então, tinha que romper com ela em definitivo pra abrir passagem para o que ela merecia. Se ficasse por perto, mesmo que como amigos ou só civilizados pelo bem de Gabriel, acabaria como na formatura de Aisha. E ela não veria o homem bom e gentil, do mesmo nível social, mesma educação e que a amava sinceramente que Lorenzo era.
Tinha certeza que havia tomado a decisão certa. Se convenceu que esse era o caminho pra se redimir com as Nicoles e Biancas que passaram por sua vida, e que sua melhor opção era dar espaço para Bianca perceber que não era amor, era só obsessão e que ela estaria liberta quando deixasse um homem verdadeiramente bom entrar em sua vida.
Mas se estava tão certo de qual caminho seguir, por que naquele momento, com dona Amélia recebendo ele na casa dela, sua sudorese estava elevada, e no seu estômago a bateria da escola de samba estava a todo vapor?
Amélia lhe deu um beijo no rosto e mandou que ele fosse ao escritório, pois Bianca o esperava lá. Ele entrou, e quando a viu, a escola de samba já tinha avançado na avenida e a bateria estava em seu coração.
Teve medo de ela ouvir o ritmo em seu coração, e até mesmo de falar um oi pra ela, e a bateria se instalar em sua garganta, mas não precisou. Ela estava calma, levemente rosada e tinha um balde de gelo e duas taças sobre a mesa.
- Oi, Gustavo. Obrigada por vir. Pode servir a champanhe por favor? Te chamei aqui pra fazermos um brinde.
- Um brinde? Não entendi. Aisha me chamou nervosa, disse que eu precisava vir aqui buscá-la e conversar com você e que era importante. Agora você diz que estou aqui para beber com você?
- Sim, é um brinde muito especial - Bianca abriu a garrafa e serviu as duas taças enquanto falava, percebendo que ele não o faria.
Ela se preparou e muito para aquele encontro. Não poderia deixar ele desestabiliza-la. Era o momento da Aisha e deveria fazer tudo direitinho, ela merecia aquilo. Bianca sabia que devia a Aisha o melhor tratamento de sua situação, pois ela quem tirou sua mãe de perto. Mesmo que não prestasse, era a mãe que Aisha tinha. Agora, todas as vezes que ela precisasse da figura materna, Bianca deveria engolir suas borboletas e fazer esse papel o melhor que pudesse.
Ela entregou uma taça a Gustavo, que a encarava.
- Você se lembra quando Aisha menstruou a primeira vez?
- Claro que me lembro.
- Você se lembra que Justin foi até sua casa com uma champanhe sem álcool para brindar com vocês a primeira regra de sua filha?
- Lembro, porque você está tocando nesse assunto?
- Hoje vamos brindar a primeira vez dela.
- Primeira vez no que?
- Vamos lá, Gustavo. Brinda comigo. - Bianca bateu sua taça na dele - Um brinde a nova mulher que sua filha vai se tornar. Aisha decidiu iniciar a vida sexual.
Gustavo estreitou os olhos, ficou olhando abismado para Bianca. Imagens de quando ela tomou essa decisão e executou sem nem perguntar a ele se estava de acordo, vieram em sua mente. Ele tentou acalmar a onda de nervosismo que queria se apossar do corpo dele, mas quando lembrou especificamente daquela noite da formatura, mais de dez anos atrás, ouviu em sua cabeça a voz de Aisha dizendo as palavras que Bianca lhe falou: não quero que me respeite, quero que me foda!
Sem conseguir se controlar, o ódio tomou conta de seu ser e em um rompante de raiva e desespero, arremessou a taça na parede, vermelho de ira.