Capítulo 67
1367palavras
2023-04-05 09:00
Bianca foi se lembrando de toda a dor e desespero e parecia que estava engasgada, então foi falando tudo conforme se lembrava pra tirar aquilo preso em sua garganta.
- Eu corri pro seu pai, sim, pedindo pra ele não morrer que eu o amava. Pedi tantas vezes e acho que ele me ouviu. Vi a nona dando coronhadas em Enzo, até o rosto dele ficar completamente desfigurado, vi Lorenzo estirado ao lado no chão, com balas cravejadas nos braços e colete, vi a família Sabattini correndo pra pra conter a nona e o pessoal de branco entrando correndo com as macas. Não quis largar seu pai, me colocaram um avental, uma máscara e abriram a cabeça dele na minha frente. Vi você deitada se recuperando, vi Lorenzo entrando, depois Enzo. Ainda ouço o tilintar das balas sendo colocadas em bandejas de ferro, tiradas do corpo de Enzo. Me lembro de ter ouvido urros vindos de Enzo antes de ver a bala na pinça do médico, após a retirada da cabeça de seu pai. Então desmaiei.
- Fazendo assim uso da quinta maca que papai mandou preparar.

- Sim. Mas meu inconsciente me lembrava de que apesar de ter visto a bala, não sabia se seu pai sobreviveu. Também me dizia que se eu entrasse naquele estado catatônico, iam me cedar. Então voltei a mim quase que imediatamente.
- A nona disse que você ficou cerca de 15 minutos desmaiada.
- Sim. Foi o que me permiti sofrer por tudo o que tinha visto.
- E quando voltou, foi como esse robô que tem feito tudo no automático desde então.
- Preciso ser forte por todos vocês. Imagina se eu também caísse? Você acha que os médicos teriam contado que a bala atingiu uma parte delicada do cérebro de seu pai e eles não sabiam se ele ia acordar para uma mulher histérica? Ou que devido a proximidade uma das balas de Enzo perfurou o colete e acertou o pulmão de Lorenzo? E que outra cortou a jugular e foi muito difícil cessar a hemorragia? Você acha que eles diriam pra uma mulher desesperada que o estado menos grave naquela sala, era justamente do boçal que fez aquela mërda toda? Mas que ele não iria falar ou andar nunca mais pois a nona afundou o crânio dele?
- Foi pouco pra aquele imundo...

- Não deseje o mal dele. Eu não desejo. E acho que o castigo dele foi merecido. Ele não fala e não anda, mas vê e ouve. E tem consciência! E pensa como deve ser a morte pra ele, a única pessoa que ele realmente amou na vida dele, ficou no Brasil e o mandou pra Itália, pra ver o filho dele comandando o império que ele ajudou a manter sem pedir a ajuda dele? Ele que sempre quis comandar tudo e todos a seu redor dependendo de um enfermeiro homem pra limpar a bunda dele? Sendo machista daquele jeito?
- Você tem razão, deve ser pior que a morte...
- Claro que sim. Ele roubou o lugar de meu pai de direito, mesmo que meu pai nunca quis e meu nono nunca mencionou. Ele teve tanta inveja da família e patrimônio que meu pai construiu, e até da saúde que meu pai tinha, que arrumou um jeito de matar meu pai sem ser penalizado. E ainda queria jogar a culpa no próprio filho. E pior. Queria roubar do Lorenzo o único filho homem que meu pai teve e moldar para a máfia, o último mal que poderia fazer a meu pai, mesmo depois de morto, pois ele sabia que meu pai não aceitava e nem compactuava com a máfia. O último, porque o penúltimo seria desfazer da família dele, que era minha mãe e eu e o herdeiro que me atrevi colocar no mundo. Então pensa como deve ter sido agradável pra ele os mais de 30 dias que ele passou aqui, vendo e ouvindo que ele não conseguiu nada do que planejou e que eu, a filha mulher do irmão que ele odiava, tomei conta de tudo?
- Mas ele colocou meu pai e Lorenzo no hospital.

- Mas não era o que ele queria. Por pior que ele era, ele jamais iria atirar no próprio filho. E isso também foi um castigo pra ele. Cada dia vendo o filho se superar e lutar pela vida. Graças a Deus Lorenzo está na reabilitação, não teve mais complicações depois que extubou, mas ele não viu. Tudo o que ele viu foi eu, seu pior pesadelo, tomando as decisões médicas pelo filho dele, permiti entubar quando ele quase morreu ao dar água no pulmão. Ele viu a agonia do filho dele enquanto me via firme e forte, dando ordens na máfia pelo Enrico, trazendo meu irmão pra casa e cuidando dele, me tornando a tutora legal dele, não por termos o mesmo pai, mas por ser a noiva do filho dele. Se Lorenzo morresse, eu me tornaria legalmente a tutora do menino sem a burocracia do DNA pra provar que é meu irmão. Sem querer, ao me obrigar a marcar o casamento, ele me deu o poder de decidir por toda a família dele, pelo patrimônio dele, pelo cargo de Dom, pelo filho dele e pelo filho do meu pai que ele queria moldar. E ele vendo tudo, literalmente sem poder falar nada.
- Concordo. O castigo dele foi bem mais legal. Mas meu pai ainda está em coma. E só esse fato me diz que ele venceu. Pelo menos em cima de mim
- Vivo, Aisha. Seu pai está vivo, conforme eu peço a ele todos os dias. Ele está vivo.
- Será que está vivo mesmo, Bianca? Lorenzo vai sair da reabilitação em alguns dias. Enzo se recuperou e teve alta pra voar há quase dois meses. Eu voltei pra casa na mesma semana. Todos nós retornamos a vida normal. Você trabalha igual louca pra dar conta da falta que meu pai faz no escritório. Tio Justin e tia Emily te ajudam bastante. Até tia Amanda fechou o escritório dela por tempo indeterminado pra te ajudar. Tudo bem, você não aceita mais nenhum caso e não exerce mais a profissão, porque vai ver ele três vezes por dia, almoça com ele, as vezes até dorme com ele. Sua mãe aceitou o Enrico e até o trata como um filho. Ela e a nona parecem amigas inseparáveis. Aliás, a nona é uma sogra e tanto, salvou a vida da Andréa e queria comprar uma casa aqui pra trazê-la. Só não fez isso porque você autorizou sua mãe convidar pra morar aqui com a gente. Aliás, essa casa tá parecendo um albergue, hein!
- Não é, menina? Não tenho nenhum quarto vago para seu pai quando ele voltar. Será que minha mãe vai deixar ele ficar no meu? Se não deixar, ele vai ter que ficar com Gabriel ou Enrico. Não. Com Gabriel. Lorenzo vai ficar com Enrico...
- Ele vai voltar, Bianca? A vida tá seguindo pra todo mundo e ele está lá, dormindo...
- Não coloque essa dúvida na minha cabeça, Aisha. Eu não permito. Seu pai vai voltar. Ele está vivo. Está descansando o corpo e o espírito. Vai voltar, porque se não voltar, eu vou morrer. Vou definhar até a morte em saber que ele morreu por minha causa, pra me salvar. Morreu sem saber se você estava viva, que aliás você se feriu por minha causa. Morreu sem saber que eu o amava e me arrependia das armações que fiz com ele. Não aceito ele morrer sem saber o quanto eu amo e que reconheço que em dez anos ele se doou demais sem me pedir nada em troca. Que eu tirei o filho dele, que ele não teve nem seis meses com o menino. Ele não pode morrer, ele tem que voltar, ele não pode morrer, ele tem que voltar...
Sem perceber, Bianca chorava. Deixou enfim o nó sair da sua garganta. Chorava como aquela adolescente pobre menina rica. Chorava e Aisha apenas a olhava, com medo de que se ela se mexesse, Bianca voltaria a ser o robô que cuidou de todo mundo nos últimos três meses.