Capítulo 66
1227palavras
2023-04-05 06:44
Bianca estacionou na garagem de sua casa no final da tarde no sábado e respirou fundo. Estava exausta! Sabia que teria dois adolescentes e uma criança ansiosos a sua espera. Enrico e Aisha estavam morando com ela. Sua avó Beatrice também. Deu graças a Deus não ter vendido a casa quando voltou para o Brasil. De repente, estava começando a ficar pequena.
Queria só dois minutos em paz! Recostar a cabeça no assento do carro, relaxar sua mente. Dois minutos! Mas Aisha bateu no vidro do carro. Ela ameaçou sair, mas Aisha fez sinal pra ela destravar que iria entrar.
A menina entrou, fechou a porta e travou de novo, e ficou sentada no banco do passageiro sem falar nada. Bianca a encarou por um tempo e ela sustentou o olhar. Sem paciência, Bianca disse:

- Fala logo...
- Não Bia. Quero que você fale.
- Eu? Falar o que?
- Bianca, todos já disseram pra você procurar um psicólogo, e você se recusa. Quer ser a forte. Então fale comigo?
- Não tenho nada pra falar, Aisha Eu estou bem. Vamos sair e encontrar os outros.
- Não. A vovó Amélia saiu com a nona Beatrice e os meninos.

- Mamãe conseguiu tirar Enrico de casa?
- Ele entendeu que você precisa de um tempo de meninas.
- Não preciso. Vou aproveitar pra lavar meu cabelo.- Bianca fez menção de sair e Aisha a impediu.
- Não. Você não sai desse carro antes de botar pra fora.

- Não tenho nada pra botar pra fora, Aisha. Estou bem.
- Não, você não está. Já faz três meses, Bianca. E você não chorou, não gritou, não explodiu. Não vai sair de dentro desse carro sem explodir, de qualquer forma.
Bianca ficou nervosa. Depois da cena toda, de ver Gustavo tombar com uma bala na cabeça e Lorenzo parecendo uma peneira, precisou ser forte por Aisha e Gustavo que estavam perdendo o pai, por Enrico que estava perdendo o pai que o criou e que ele conhecia, pela nona que se descontrolou como uma verdadeira mafiosa com o filho e depois se arrependeu, pela mãe que em meio ao caos descobriu que a infidelidade do marido rendeu um filho e por toda uma família que não sabiam que tinha um monstro dentro de casa. As vezes ela queria deixar de ser forte, mas não podia.
- Não posso - falou bem baixinho. Com aquela dor esmagadora dentro do peito ameaçando escapar.
- Porque você não pode, Bia? Só estamos nós duas aqui e você mesma me disse no hospital que eu podia chorar e gritar pelo meu pai, que não podemos ser fortes o tempo todo.
- Porque tenho medo de se começar a chorar, não conseguir mais parar. De uma fraqueza, um deslize, acabar fazendo minha vida inteira desmoronar como quando meu pai morreu. Eu não soube lidar com a dor e a perca naquele momento, e Gabriel quase morreu por isso. Transformei minha dor num mal que não me torna melhor que Enzo e tudo aconteceu quando seu pai descobriu essa maldade que habita em mim e eu não tive tempo de dizer pra ele que me arrependia e que o amava - sem perceber, Bianca já estava gritando. Talvez assim Aisha entendesse porque ela não se permitia sofrer.
Mas aquela menina irritante estava impassível, parecia disposta a fazer Bianca explodir de qualquer forma. Aisha olhou pra ela, com as lágrimas correndo. Na mesma hora Bianca se arrependeu de ter gritado com ela. Aisha agora era sozinha na vida. Bianca mesmo cuidou de afastar a mãe e o pai...
- Me desculpe, Aisha. Eu não posso me descontrolar, está vendo? Acabei te fazendo chorar.
- Bianca. Me conta o que aconteceu naquele dia.
- Você sabe o que aconteceu, filha. Não precisamos nos torturar.
- Quero saber os detalhes, Bianca. Por favor...
Bianca percebeu que não teria escapatória. Ela não queria, não visitava aquelas lembranças. Mas sentia que Aisha tinha o direito. Com a voz embargada, começou:
- Depois que você foi baleada e os cirurgiões te levaram, Enrico tomou controle da situação, explicou como vocês descobriram que ele era o Dom.
- Enrico? Aquele menino tímido que não abre a boca pra nada?
- Sim. Parecia você como oradora da turma - Bianca deu um sorriso - falou muito bem, se portou como um homem maduro. Ele disse que voces três se tornaram amigos inseparáveis. Pensei que ele tivesse te contado...
- Enrico se sente culpado pelo que aconteceu com meu pai, e eu não sei porque...
- Porque ele acabou contando para Enzo que todos nós estávamos com colete a prova de balas, menos você.
- Menino idiota. Fizemos tudo tão direitinho, me sacrifiquei pra isca ser perfeita e ele abriu o bocão.
- Se sacrificou? Disso eu não sabia...
- Meu pai também não. Isso foi um combinado entre nós três. Eu ia me recusar a usar o colete na última hora, quando não desse mais tempo de meu pai me impedir. Todos nós sabíamos que ele ia meter uma bala em mim. Se eu não ficasse realmente ferida, ele ia descobrir que todos os outros estavam de coletes. Fabrízio tinha contado que ele tinha preferências por acertar o coração, então trouxe pros meninos coletes quase imperceptíveis.
- Você é idiota? Não era melhor ter usado o colete e uma bolsa de sangue falso então?
- Ah, mas aí não teria adrenalina. E os cirurgiões que meu pai contratou não iriam trabalhar...
- Aisha, não me diz que você tomou um tiro que por muito pouco não acertou seu coração por adrenalina.
- Não. Claro que não. Estávamos todos muito nervosos. Nossa preocupação era de que ele descobrisse do outro helicóptero e te derrubasse no ar. Não tínhamos plano se você morresse. Por isso não pensei nessa idéia.
- Se tivesse me contado o plano todo, eu daria a idéia.
- Eu sei. Mas não somos mafiosos. Lidamos com a situação como podíamos. - Aisha fez uma pausa e olhou pra frente. Ela tinha a missão de fazer Bianca desabafar. Mas era muito difícil pra ela também. Com a voz embargada, sem olhar pra Bianca, ela disse: - Enrico não tem culpa. Se for assim, também sou culpada. Se eu tivesse usado o colete, meu pai não teria perdido a concentração. No momento que fui tirada dali ferida, meu pai não conseguia mais pensar no que deveria fazer...
- Pelo amor de Deus, Aisha. Nem pense nisso. O único culpado foi Enzo, a maldade e ganância que habita dentro dele...
- Então continua. Depois que Enrico abriu a boca grande dele...
- Enzo atirou na cabeça do seu pai em segundos. Lorenzo viu ele sacando a arma nessa fração de segundo e bateu no braço dele, desviando a bala alguns centímetros. Ele ficou nervoso e descarregou a arma em Lorenzo, mas eu mal vi, pois corri pro seu pai e não larguei nem durante a cirurgia. Nem sei se disse alguma coisa, e se disse, não me lembro o que foi.
- Eu sei. Você disse "não morre, por favor, não morre. Eu te amo".
- Como você sabe? Você estava sedada e anestesiada, não poderia ter ouvido...
- É o seu mantra, desde aquele dia. É tudo o que você diz pro meu pai até hoje, toda vez que você o vê...