Capítulo 48
1605palavras
2023-02-05 08:44
Os braços de Lucy tinham marcas vívidas e doloridas. Haviam marcas de dedos ali, marcas que faziam a garota sentir medo e nojo constante, em um misto de sentimentos que só pioravam toda a dor que tinha passado na noite anterior.
Ryeon estava ao lado dela, caminhavam pelas ruas de volta para a casa, e mesmo que fosse sete da manhã, as pessoas olhavam curiosas para o par de jovens com roupas de baile.
Eles caminhavam em silêncio. Ryeon ainda tinha os nós dos dedos marcados, e aquilo começava a incomodá-lo. Ele apenas pensava:

"Eu não sou como ele. Eu não sou o fruto ruim daquela árvore".
Tinha lembranças de seus pais e lembrava-se nitidamente da relação que eles tinham. Lembrava-se do descontrole de seu pai na hora da raiva e pensava se era como ele. Park não queria ser como um monstro.
As marcas em Lucy não dava para esconder com o vestido de alça fina que usava, e mesmo o Park oferecendo sua camisa de mangas cumpridas para que ela vestisse, a garota apenas negou e disse que queria chegar logo em casa.
A noite de sua vida havia sido estragada por um louco, e tudo o que ela queria era tomar um banho e tentar livrar-se da sensação do toque sujo de Sungwon sobre seu corpo.
ㅡ ficará bem? ㅡ Ryeon perguntou quando pararam de frente com a residência dos Jeon's.
Lucy não sabia, mas assentiu mesmo assim. Ela deixou um sorriso vago aparecer e acenou para Ryeon antes de entrar. Ela ainda andava encolhida e afastou-se sem sequer deixar um abraço ou um beijo no Park, o que fez mais uma vez o garoto achar que a visão que a garota tinha agora sobre si era de um monstro descontrolado.

A garota buscou suas chaves e viu seu pai dormindo no sofá. Estranhou, é óbvio, seu pai só dormia ali quando discutia com Sun-ha, mas pensou que fosse por outro motivo, então apenas tentou subir as escadas sem fazer muitos barulhos e adentrou seu quarto.
Assim que entrou no cômodo, fechou a porta e respirou fundo. Estava cansada. Caminhou até a janela de seu quarto para fechá-la e assim impedir que a luz do sol atrapalhasse a soneca que ela pretendia tirar, e viu Ryeon ainda ali, parado.
O garoto tinha os olhos perdidos, olhava fixamente para o nada. Lucy pensou se Ryeon ainda teria algo para falar consigo ou se ele estava com raiva de si por estragar tudo. Mas o garoto pareceu interromper seus pensamentos quando se virou e começou a andar. A casa do Park ficava para a direita, mas o garoto seguiu para o lado contrário. Lucy não entendeu para onde ele estaria indo, mas apenas respirou fundo mais uma vez e fechou a janela, deixando o quarto com pouca luz.
O espelho que havia ali ao lado lhe chamou atenção. Ainda vestia o vestido e ele estava realmente lindo em seu corpo. Lucy poderia sorrir como sorriu na noite anterior quando se viu vestida com a peça, mas seus olhos notaram as manchas arroxeadas em seus braços e logo ela sentiu mais uma vez os dedos de Sungwon lhe apertando ali outra vez.

Ela não aguentou olhar-se demais. Sentia-se enjoada ainda. Então resolveu ficar de costas para o espelho quando retirou o vestido e separou a peça num canto onde não danificasse e que lhe fizesse lembrar de que teria que levá-lo à lavanderia antes de entregar.
A garota estava despida no centro de seu quarto e sua mente ainda pesava. Foi até seu banheiro, outra vez desviando do espelho que também tinha ali e adentrou o chuveiro arrepiando-se com a água fria.
Seus cabelos molhavam e seus dedos retiravam a maquiagem sobre as pálpebras. Ela sabia que aquela não era a maneira correta de removê-la, mas só queria fazer tudo de maneira prática e rápida e depois se afundar em sua cama.
Os cílios postiços logo se desprenderam e a cor escura do delineador junto ao rímel desceram por suas bochechas. As palmas de sua mão estavam tonalizadas com a cor preta, fazendo Lucy bufar e esfregar mais forte, livrando-se com brutalidade daquilo.
Ela não se deu o prazer de sorrir. Apenas se limpou e se enxugou rapidamente, vestindo uma calça longa de pijama e um moletom, cobrindo suas marcas e tentando de toda forma não lembrá-las.
Deitada no centro de sua cama, Lucy cobriu-se até a medida dos olhos e fechou-os com força, pedindo ao universo que lhe permitisse dormir e quem sabe esquecer tudo o que já havia passado.
[...]
Ryeon ainda caminhava com sua roupa chamativa. Havia aberto os três primeiros botões da camisa social que vestia e erguido suas mangas. Seus cabelos laranjas estavam suados, mechas grudavam em sua testa e ele sempre tentava empurrá-las para trás numa tentativa de melhorar sua aparência.
O garoto já estava andando a uma hora, com certeza já passava das oito quando ele chegou onde queria.
Estava no mar, mas estava longe demais da parte "habitável". Tinha muitas pedras ali, o que fez Ryeon subir numa que possivelmente media cerca de dois metros.
Ele sentou na ponta do lugar e olhou o mar agitado ali. Não tinha mesmo pessoa alguma no local e isso fez com que ele entendesse o porquê de seu pai ter escolhido aquele lugar a cerca de oito anos atrás.
Ji-chul... Seu pai.
O homem havia escolhido aquele lugar para ser seu último a estar.
Pena que nada funcionou como ele queria.
Park lembrava-se de como seus pais haviam brigado na noite anterior e como sua mãe, após ter sido agredida, teve voz o suficiente para ligar para a polícia e denunciá-lo. Mesmo sabendo que o pequeno garoto já havia feito aquilo, enquanto ouvia-os gritando, e via a faca que Ji-chul tinha nas mãos, cintilar, apontada para o peito de Roseanne.
Quando a polícia chegou, o Park mais velho fugiu, é claro. E passou a noite toda fora, tendo a ideia de se suicidar naquela praia ao amanhecer, pulando da pedra mais alta e talvez quebrando o pescoço ou coisa assim. Mas o homem falhou. Talvez não tivesse escolhido um lugar alto o suficiente, ou talvez nem quisesse mesmo morrer. Ele apenas foi encontrado desmaiado na água e isso não trouxe sequer preocupação a Ryeon.
O garoto não saberia explicar nos dias atuais o sentimento que tinha dentro de si quando recebeu a notícia do fato. Roseanne chorou, a mulher era boa demais para odiar o próprio agressor na medida de comemorar sua quase morte, mas Ryeon apenas ficou neutro, sem sentir ou demonstrar algo.
Depois de tudo o homem acabou preso, mas apenas alguns meses foi o que ele cumpriu. Ryeon e sua mãe se mudaram para a casa que hoje vivem e Ji-chul saiu de suas vidas quase que por completo. O homem ainda mandava uma pensão que Ryeon não era orgulhoso o suficiente para recusá-la, via como o dinheiro ainda ajudava dentro de casa. Mas ele ficou feliz por sua mãe se livrar e cortar completamente os laços com o homem, desse modo, afastando-o também.
O park também sentiu-se feliz com a mudança, foi quando pôde conhecer Lucy e todos os outros. Foi assim que entrou para a nova escola e foi assim que ele teve todas as oportunidades que bagunçou sua vida de uma maneira boa.
Mas ali, sentado na porta daquela pedra e olhando a forma bruta em como a água estava, Ryeon pensava o que de fato havia levado seu pai para ali.
Será que ele queria mesmo morrer? Ele era como um monstro, mas será que ele se sentia como tal e isso lhe fez tomar a decisão? Por que era assim que Ryeon se sentia após enfim perceber o modo exagerado em como bateu em Sungwon.
Ok, o garoto errou, tocou em uma garota sem o consentimento e claramente tinha pensamentos ruins e perturbados com ela e Park apenas quis protegê-la, mas e se Park fosse como o homem e um dia agredisse daquele jeito em uma outra pessoa sem motivo algum?
O garoto pensava que se ele se descontrolasse como fez na formatura, seria o fruto sujo de Ji-chul.
Ryeon não queria aquilo.
O garoto bufou e passou os dedos pelos cabelos, jogando-os outra vez com força para trás e desviando os olhos para o celular que começava a tocar em seu bolso.
ㅡ Onde você está? ㅡ era a voz de Rosé.
Ryeon não poderia contar que estava ali, havia prometido à sua mãe que jamais chegaria ali depois de tudo o que aconteceu.
ㅡ Já estou voltando.
ㅡ Você me mata de preocupação... Venha logo, farei algo para que coma antes de dormir.
ㅡ A senhora não irá trabalhar?
ㅡ Irei, mas não irei te deixar com fome.
ㅡ Não precisa se preocupar, mãe...
ㅡ Não é preocupação, é cuidado. Ande, venha para a casa, anjinho. E ó, deixarei um bilhete sobre a mesa com o endereço da lanchonete que te falei, o gerente pediu para que você fosse hoje lá, tudo bem?
ㅡ Mesmo? ㅡ Ryeon abriu os olhos e um sorriso.
ㅡ Sim, eu fiz uma propaganda muito boa de você, então tente dormir um pouco e quando chegar a hora, passe perfume e escove os dentes.
Ryeon riu baixo. ㅡ Sussa, eu não vou decepcionar.
Ele tinha certeza que a mulher havia revirado os olhos do outro lado da linha, mas também tinha a certeza de que ela estava sorrindo como ele estava. Ryeon encerrou a ligação, olhando para o mar outra vez e tendo apenas uma concepção:
Faria de tudo para não ser igual a Ji-chul.