Capítulo 36
1673palavras
2023-02-05 08:22
Após fugir de casa e passar a madrugada inteira com meus amigos, Lucy sentiu que podia ser cada dia mais livre, bastava persistir nos seus ideais e mesmo com todos os obstáculos, ela conseguiria.
Quando voltou para a casa e se arriscou outra vez pela corda improvisada de lençóis, ela agradeceu ao universo por não ter causado nenhum acidente e por ter chegado em casa antes de seus pais acordarem. Ela apenas retirou toda a roupa que usava e se jogou sobre a cama. Estava exausta e acabou dormindo apenas alguns minutos depois.
Seu pai foi quem a acordou, com batidas incessantes em sua porta para avisar que o almoço estava pronto. Ele até mesmo se preocupou, perguntando se a garota se sentia bem ou se estava doente, já que nunca acordava depois de uma da tarde.
Lucy o tranquilizou com palavras curtas e apenas lavou o rosto e escovou os dentes. Desceu as escadas ainda sonolenta e encontrou sua mãe organizando os pratos sobre a mesa.
ㅡ Yeo disse que Kimi conseguiu passar nas provas com setenta e três por cento... Ela estava muito feliz. Você já pegou o seu resultado?
Era até assustador vê-la falando com a garota como sempre falou antes de saber quem de fato ela era. Seus olhos repousaram sobre Lucy e não exalavam seu preconceito, era apenas um olhar de mãe para sua filha.
A garota assentiu para a pergunta.
ㅡ Consegui passar com noventa e sete por cento... ㅡ falou sorrindo contida, envergonhada. E seu estado só piorou mais quando ambos os seus pais lhe olharam desacreditados.
ㅡ Fala sério? ㅡ Sun-ha perguntou-lhe. Lucy assentiu novamente, a mulher olhou para Jungso. ㅡ Você tem certeza?
ㅡ Eu estudei muito mãe... ㅡ ela falou. Era tão difícil acreditar que seus esforços haviam tido resultado?
ㅡ Meu deus, anjinho, parabéns. ㅡ Jungso logo falou, abraçando forte a filha.
Lucy riu, sentindo seu corpo magro ser esmagado com força e viu sua mãe sorrir.
Ela estava sorrindo para a garota?
ㅡ Parabéns. ㅡ Sun-ha falou ainda a olhando. ㅡ outra vez.
ㅡ Eu juro que quero chorar. ㅡ Jungso falou, soltando-a do abraço, mas segurando seus ombros para olhá-la nos olhos. ㅡ eu sou o pai mais orgulhoso do mundo.
A garota sentiu-se bem ao ter ambos lhe dando atenção e parabenizando-a. Ela realmente se sentia feliz por não ser uma completa decepção. Ao menos nos estudos havia se saído bem.
ㅡ Eu vou contar isso a Yeo. ㅡ Sun-ha falou buscando o celular.
Lucy e Jungso olharam a mulher se afastar e sorriram juntos quando ela fez a ligação para a vizinha.
ㅡ Ela está muito orgulhosa. ㅡ Jungso falou. ㅡ Nós estamos.
ㅡ Ao menos eu não sou uma completa decepção, não é? ㅡ Lucy sorriu, mas seu sorriso era triste.
ㅡ Você nunca foi uma decepção. Mas me diga, o que fará agora?
ㅡ A inscrição para a faculdade? ㅡ ela perguntou, não tão confiante.
ㅡ Ótimo, precisará da nossa ajuda para algo? E os materiais, como fazemos? Ah, e também há moradia, não é? Você precisa pagar alguma taxa ou a universidade oferece dormitório?
ㅡ Calma pai. ㅡ ela riu, se divertindo com as diversas perguntas. ㅡ eu nem sei se eles vão me aceitar. Sequer sei se consigo a bolsa cem por cento, há muita concorrência e eu não conseguiria pagar por uma parcial...
ㅡ Ah, você está brincando? É óbvio que vão te aceitar, seria muita burrice não aceitar, não acha? E sobre dinheiro, você sabe que isso não é só seu problema, nós vamos te ajudar sempre. E também, eu e sua mãe começamos a guardar alguns trocados quando você fez doze anos... Não é muito, infelizmente, mas é seu.
ㅡ Meu? ㅡ a garota abriu os olhos.
ㅡ Sim, para a faculdade. Eu vou transferir tudo quando você for para Seul, mas precisaremos abrir uma conta para você antes. Nós vamos ao banco semana que vem e-
Lucy não deixou o homem terminar, abraçou-o com força e sorriu ainda mais.
ㅡ Você é o melhor pai do mundo!
Jungso a primeiro momento apenas permaneceu quieto, não esperava o abraço. Mas ele sorriu quando ouviu o dito da filha e abraçou-a outra vez forte.
ㅡ Você é a melhor filha do mundo! ㅡ ele falou.
Ambos riram juntos e se separaram quando Sun-ha retornou, sorrindo ainda mais.
ㅡ Ela nem acreditou! Eu disse sua nota e ela perguntou se era mesmo real!
ㅡ Agora irá ficar se exibindo com a nota? ㅡ Jungso perguntou, olhando para a esposa com ar de riso.
ㅡ Claro que vou, é parte nossa que que Lu... Wooj... ㅡ a mulher parou olhando para Lucy e suspirou. ㅡ Que essa nota seja alta assim. Nós ensinamos bem, não foi?
Lucy assentiu. Não que sempre teve seus pais para lhe ajudar nas atividades escolares, ela realmente se esforçou muito sozinha, principalmente no último ano, mas sabia o esforço que ambos faziam para lhe dar tudo e somente isso já tinha muito valor em ela poder ter um ambiente bom para estudos.
ㅡ Bom, vamos almoçar. ㅡ Jungso falou, fazendo ambas caminharem até a mesa. Ele buscou a comida, repousando-a no centro da mesa e buscou os pratos para servir.
Lucy sentou-se e estranhamente se sentiu bem ali. Não teve mais falatórios sobre sua nota ou coisa assim, seus pais conversaram sobre coisas comuns do dia a dia, e ela realmente gostou de ouvir.
Quando terminou, pediu para lavar a louça.
Estava terminando de lavar um copo quando viu sua mãe parar o corpo ao lado do seu.
ㅡ Eu pensei no que seu pai falou. ㅡ Sun-ha disse. Lucy olhou-a, não entendendo o assunto de início. ㅡ sobre te presentear pelo esforço.
ㅡ Ah... não precisa.
ㅡ Talvez precise, você sabe como eu priorizo a educação, te ver tendo um bom resultado, de fato é bom. Então quando terminar aqui, vá até meu quarto, eu quero te entregar uma coisa.
Lucy não a respondeu, estava estática com a forma em que sua mãe havia lhe tratado. Viu-a subir as escadas e demorou a terminar de lavar a louça, pensando no que sua mãe estava fazendo para si. Mas ela não podia apenas manter sua curiosidade aflorada com pensamentos, então subiu devagar até o quarto de seus pais e respirou fundo antes de bater duas vezes na madeira da porta e abri-la.
Viu Sun-ha no canto da cama, com seu notebook bem a frente. A mulher usava seus óculos e ajeitou quando viu a filha adentrar o cômodo. A mulher fechou o notebook e se ergueu. Lucy parou os passos no centro do quarto e apenas viu a mulher se apressar para abrir o guarda-roupa e buscar uma caixinha de lá.
ㅡ Sente aqui. ㅡ Sun-ha pediu, apontando para a cama. Lucy sentou-se, vendo a mãe sentar a alguns centímetros de distância dela. ㅡ A gente anda tendo muita divergência aqui em casa, e isso claramente nos afetou em relação à mãe e filho.
Talvez seja porque eu não sou seu filho? Por você não me aceitar? Era o que Lucy pensava aquele momento, mas apenas assentiu olhando a mulher, não queria comentar algo que pudesse fazer com elas brigassem outra vez.
ㅡ E eu errei com você...
Lucy abriu subitamente seus olhos, engolindo em seco ao ouvir aquilo da outra. Sun-ha estava reconhecendo seus erros? A mulher havia ingerido bebida alcoólica? Mas só teve suco de laranja no almoço...
Lucy realmente se assustou.
ㅡ Digo, eu nunca bati em você. Nem quando você era menor. Mas... sabe, tudo isso. ㅡ Sun-ha olhou-a. Lucy sentiu que o "isso" na fala, era a sua identidade. ㅡ me deixou confusa, e muito, muito assustada.
A garota apenas ouvia, era incapaz de falar qualquer coisa naquele momento.
ㅡ E, um dia... minha mãe me entregou algo. Ela ganhou do seu avô quando se casaram, e ela me deu quando eu e seu pai tivemos você. ㅡ Sun-ha entregou a caixinha para Lucy, fazendo a garota encarar aquilo com curiosidade. ㅡ ela dizia que somente quando chegasse o momento em que eu sentisse que você estava se tornando adulto, eu te entregasse. E… Você está se tornando um adulto.
Lucy enfim abriu a caixinha, vendo que se tratava de um pequenino broche em formato de borboleta. Ele era num tom rosa, com sutis pedrinhas ao redor.
ㅡ Não é algo que eu pensei que iria um dia para suas mãos, eu sequer saberia se você aceitaria por se tratar de algo tão delicado. Eu realmente acreditei que um dia eu e seu pai teríamos uma outra criança e que ela seria uma menina. Eu a entregaria quando ela fosse para a faculdade, e te presentearia com algo diferente, mas isso nunca aconteceu.
ㅡ Eu... ㅡ Lucy falou, olhando-a dessa vez. ㅡ obrigada mãe.
Sun-ha sorriu contido, assentindo.
ㅡ Só... Me desculpe por ter te batido daquele jeito. Todas aquelas vezes.
A mulher suspirou de modo longo, e Lucy sentiu as palavras como verdadeiras. Os olhos de sua mãe brilhavam, mas ela não chorou. Então Lucy suspirou, olhando-a quando disse:
ㅡ Me desculpa te decepcionar. Eu só... sou assim. Eu não escolhi.
A mulher não disse nada, ela piscou seus olhos com pressa e se ergueu. Lucy sabia que Sun-ha estava controlando as lágrimas.
ㅡ Feche a porta quando sair, estou terminando algumas coisas importantes aqui, não quero barulhos me atrapalhando.
A garota se ergueu, vendo sua mãe de costas para si e apressou-se a limpar os olhos quando os sentiu úmidos. Lucy assentiu, virando-se e saindo com certa rapidez do cômodo.
Ela fechou a porta como a mãe havia pedido e correu para seu quarto. Fechou a porta do lugar também, deitando-se em sua cama logo em seguida.
Ela tinha a caixinha com o broche presa em suas mãos. Repousando-a na altura do peito, Lucy permitiu que suas lágrimas caíssem, sentindo a dor que talvez ela tivesse levado para todos, mas sentindo que também não tinha culpa nenhuma. Afinal, ela era apenas ela.