Capítulo 29
2407palavras
2023-02-05 08:18
Ryeon ainda estava alheio na cozinha quando viu a porta abrir-se.
Seus cabelos estavam ainda molhados e escorridos sob a testa, e suas roupas soltas e simples lhe deixava à vontade.
Sorriu ao ver Lucy adentrar e retirar seus sapatos, aproximando-se de modo sorrateiro, mas focou em seu rosto que, mesmo sorridente, demonstrava uma enorme tristeza.
ㅡ O que faz? ㅡ a garota perguntou aproximando-se.
ㅡ Estou fazendo um lanche para nós dois. ㅡ disse e mostrou os pães que separava. ㅡ que maionese no seu?
ㅡ Uhum. ㅡ respondeu simples, sentando-se numa das cadeiras da mesa que havia ali. ㅡ sua mãe ainda não chegou?
ㅡ Não, disse que ainda está no mercado.
Lucy apenas assentiu, apoiando o queixo sobre a mão e observando Ryeon no preparo dos sanduíches.
ㅡ o que aconteceu no cartório? ㅡ ele perguntou ainda de costas.
ㅡ Não aconteceu nada... Na verdade, nada do que eu esperei que acontecesse.
ㅡ Por que deu errado? ㅡ perguntou sentando-se também e entregando o sanduíche a ela.
ㅡ porque sou menor de idade, e a bosta da lei não permite que eu mude meu nome e gênero nos documentos assim.
ㅡ Nem com o tio Jungso autorizando?
ㅡ Nem assim... ㅡ suspirou. ㅡ Eu não sei o que fazer de Ryeon.
ㅡ Não se desespere ainda, tem que haver um jeito.
ㅡ Não tem... E sequer sei agora o que farei. A nota da prova sai semana que vem, as inscrições para a faculdade é logo na primeira semana do ano que vem, ainda terei dezoito até lá, então caso eu me inscreva, ainda será como Woojin.
ㅡ Mas o que te preocupa é que te chamem assim lá? Acho que se você explicar, eles vão te respeitar e te chamar por Lucy.
ㅡ Não é isso Ryeon, é que se eu for como Woojin, como homem, eu terei que ficar no dormitório masculino, junto a garotos que provavelmente não respeitarão meu gênero e me farão de chacota. Eu não quero que Seul seja só uma continuação do preconceito que sofro em Busan, eu pensei em algo completamente diferente...
ㅡ Mas então, o que fará?
ㅡ Eu não sei, sinceramente, não sei. Me sinto perdida.
ㅡ Vamos pensar em algo, ok? ㅡ tocou o dorso da mão dela e sorriu. ㅡ agora vamos comer e depois podemos subir para o quarto e assistir a algum filme repetido.
Ela sorriu e deu a primeira mordida em seu sanduíche, vendo Ryeon fazer o mesmo em seguida. E mesmo com o silêncio que se estendeu entre os dois enquanto comiam juntos, as coisas pareciam normais por um curto período de tempo.
Rosé chegou à casa recheada de sacolas, surpreendendo-se ao encontrar a garota lá e sorriu agradecida ao vê-la se erguer para lhe ajudar.
ㅡ Não sabia que estaria aqui. ㅡ a mulher disse ao adentrar a cozinha junto a algumas sacolas. ㅡ Ryeon não me avisou.
ㅡ Não era planejado. ㅡ explicou Lucy, deixando algumas sacolas sobre o balcão. ㅡ Espero não estar incomodando.
ㅡ Ah, que isso. ㅡ abanou as mãos. ㅡ você não me incomoda nunca, anjo. Gosto de te ter por aqui, Ryeon sempre fica desnorteado, é engraçado.
ㅡ Estou te ouvindo mamãe. ㅡ falou o garoto trazendo o restante das sacolas.
ㅡ E quem liga, não é? ㅡ sorriu olhando para Lucy e viu a garota sorrir ao encolher os ombros. ㅡ mas, você está bem? ㅡ perguntou-a.
ㅡ Estou sim.
ㅡ Soube que estudou bastante para a prova final e que pretende ir a Seul, certo?
ㅡ É... Eu planejei isto, mas...
ㅡ Mas? ㅡ perguntou curiosa, encostando-se ao balcão.
ㅡ Não sei se irei mais.
ㅡ O quê? ㅡ indagou Ryeon, surpreso. ㅡ Você não vai desistir do seu sonho.
ㅡ Você sabe que tudo mudou agora. ㅡ ela disse olhando-o e tornando a fazer seu típico bico.
ㅡ Aconteceu algo com você? ㅡ Rosé perguntou preocupada e atentou-se ao suspiro longo que ela liberou. ㅡ sente-se, me conte o que te deixa assim.
Ryeon viu quando a mãe tocou sutilmente a mão da garota e viu-a ceder rápido, indo outra vez para a mesa e sentando-se junto a sua progenitora.
ㅡ Tudo está muito ruim, unnie. ㅡ Lucy começou a falar. ㅡ Eu não consigo fazer nada do que quero e tudo está passando tão depressa, eu sinto como se estivesse afundando dentro de mim mesma, e isso é muito, muito ruim.
Rosé ouviu atentamente e não soltou a mão da garota uma só vez, mas uma coisa lhe fazia confundir-se, então foi inevitável não seguir com a pergunta.
ㅡ Anjo, por que sempre se refere a si mesma no feminino?
Lucy piscou atenta a mulher e franziu o cenho, desviando os olhos para Ryeon.
ㅡ Você não a contou?
Ryeon negou.
ㅡ Não sabia se devia, é um assunto seu, não quis te deixar desconfortável com algo, mas tive muita vontade. ㅡ sorriu contido.
Lucy outra vez suspirou e voltou a olhar para a mulher. Estranhamente ela se sentia à vontade com roseanne, e assim ela simplesmente disse:
ㅡ Eu sou uma garota.
Rosé outra vez ouviu aquilo de modo quieto e atento. Demorou alguns segundos para entender o dito, mas no fim sorriu.
ㅡ Uma garota. ㅡ disse confirmando. ㅡ que legal.
Lucy estranhou a reação, sua mãe jamais reagiria daquele jeito.
Na verdade, talvez nenhuma mãe do bairro reagisse daquele jeito.
ㅡ Mas ok, você é uma garota e se sente afundando por causa disso? ㅡ tornou a perguntar.
ㅡ Sim... E hoje eu fui junto a meu pai no cartório, tentar iniciar o processo para minha mudança social, mas eles disseram que não podem me ajudar até que eu seja maior de idade.
ㅡ Poxa, isso é triste. ㅡ lamentou. ㅡ Imagino como seu pai esteja, ele é tão apegado a você. Sabe, ele também não me contou sobre você ser uma garota, mas no dia em que ele veio trazer a fantasia de Ryeon, ele me disse como estava orgulhoso por você e até mesmo me disse que está se sentindo mais perto de você.
ㅡ Papai é o meu anjo, senhora Park... Ele me aceitou assim.
ㅡ É porque ele te ama. ㅡ sorriu. ㅡ mas e sua mãe?
ㅡ Aff. ㅡ Ryeon não conseguiu se conter.
Rosé olhou para o filho e franziu o cenho ao vê-lo com aquela reação.
ㅡ Mamãe me odeia. Ela vive me chamando de erro ou dizendo que tenho demônios dentro de mim.
ㅡ Que absurdo!
ㅡ Para ela eu sou um garoto sujo. Mas eu não tive a escolha de ser assim, eu simplesmente nasci assim.
ㅡ Eu te entendo completamente querida, eu sou mãe e aprendi a entender que meu filho é dono das próprias escolhas e que independente de como ele seja, porque não temos a escolha de sermos quem somos, ele sempre será meu filho, e o papel de uma mãe é ensinar e acima de tudo amar.
ㅡ Eu queria muito que ela me entendesse.
ㅡ Oh meu anjo. ㅡ Roseanne não aguentou seus impulsos e apenas tomou Lucy em seus braços. A garota encolheu-se ainda mais, mas repousou sobre o colo da mulher.
Era como receber o abraço de mãe.
ㅡ Ela vai entender, cedo ou tarde, ela terá que entender.
O receptivo calor do corpo da mulher fez bem a Lucy. Ela sorriu quando se afastaram e sentiu Rosé afagar sua bochecha.
ㅡ E você é linda demais para ficar tristinha.
Ryeon olhava-as no canto, tão quieto que chegava a ser imperceptível enquanto o assunto rolava. Ele sorria a todas às vezes em que sua mãe dizia palavras doces para Lucy e sentia-se molenga quando a garota sorriu confortável de volta para a mulher.
Era incrível como as duas mulheres que supriam seu coração de sentimentos bons davam-se bem.
ㅡ Agora preciso fazer o jantar. ㅡ avisou Rosé. ㅡ Você ficará conosco, não é?
ㅡ Seria um prazer senhora park. ㅡ sorriu.
ㅡ Me chame de Rosé ou unnie, não precisamos de formalidades aqui.
ㅡ Tudo bem unnie.
ㅡ Agora vão, sei que com certeza querem assistir àqueles filmes velhos e repetidos e também dar alguns beijinhos.
ㅡ Mãe! ㅡ Ryeon logo protestou.
ㅡ O quê? Acha que sou cega? Eu percebo tudo, querido.
O garoto negou, mas Lucy riu achando engraçado a forma em como tudo era mais leve com a mulher.
Subiram para o andar dos quartos e Lucy admirou-se ao adentrar o de Ryeon e ver como tudo estava parcialmente organizado.
ㅡ Que assistir ao o quê? ㅡ ele perguntou sentando-se na cama.
Lu fez o mesmo, parando ao lado dele, e olhando-o nos olhos, ela suspirou.
ㅡ Você pode me abraçar?
Ryeon sorriu de leve e assentiu, aproximando-se dela e deixando um pequeno selar em seus lábios, apenas para em seguida abraçá-la com conforto.
Outra vez a garota respirou fundo, fechando os olhos e envolvendo Ryeon em seus braços também. Ficaram daquela maneira por segundos, até que Ryeon soltou-a e se arrastou para a cama, deitando com a cabeça sobre o travesseiro e abrindo os braços, convidando-a para repousar ali.
E Lucy não protestou o pedido, apenas se arrastou pela cama também e acomodou-se dentro dos braços de Ryeon, envolvendo sua cintura enquanto o garoto envolvia seu pescoço.
Ela repousou a cabeça sobre o peito dele e pôde ouvir as calmas batidas em que seu coração dava.
Fechou os olhos e sentiu Ryeon subir apenas uma mão para afagar seus cabelos. O toque era calmo, sutil e leve, fazia-a esquecer dos problemas que lhe rodeavam, e como se nada no mundo fosse contra a sua identidade naquele momento, ela repousou.
Ryeon sentiu o respirar calmo e observou o rosto bonito e inerte. Acomodou-se melhor ao lado dela e fechou também seus olhos, imaginando um mundo melhor onde aquela dor fosse proibida de ser sentida.
Dormiram abraçados enquanto o sol adentrava a janela e os iluminavam.
Estavam tão em paz que apenas aquilo foi necessário para afastar todo o mal em torno e fazer-lhes aquietar as almas.
E foram minutos naquela habitual bolha, sendo acordados apenas quando Rosé subiu ao quarto e bateu devagar sobre a porta, acordando-os com a noite que já havia caído e com o jantar que já estava sobre a mesa.
ㅡ Você pode ficar aqui essa noite se quiser. ㅡ disse a mulher, vendo Lucy esfregar os olhos cansados.
ㅡ Agradeço o convite unnie, mas mamãe jamais permitiria.
Ryeon bocejou e esticou o corpo. Sentia-se estranhamente descansado, e observou os cabelos bagunçados da garota ao lado e como até assim eles a deixavam adorável.
ㅡ Irei buscar uma escova de dentes nova para você e você pode descer para comer conosco, tudo bem?
Lucy assentiu ainda com os olhos pesados e viu a mulher ir. Ryeon se ergueu e também com os olhos pesados, caminhou até seu banheiro.
Escovaram os dentes e desceram juntos, encontrando a mesa completamente impecável, com direito a velas e arranjos com flores.
ㅡ Estamos comemorando algo? ㅡ perguntou Ryeon, sentando-se e vendo Lucy sentar ao seu lado.
ㅡ Nada em específico. ㅡ respondeu Rosé, também sentando-se e olhando os adolescentes. ㅡ Apenas senti vontade de fazer algo especial hoje.
Ryeon olhou Lucy, mas deu de ombros. Viu sua mãe cortar o enorme pedaço de carne no centro da mesa e animou-se ao erguer o prato.
Lucy fez o mesmo, um tanto mais acanhada, mas serviu-se da carne e em seguida dos legumes e vegetais.
Para a mulher mais velha havia vinho sobre a mesa, e mesmo que Ryeon implorasse para tomar um pouco também, ela apenas lhes ofereceu suco.
Jantaram em meio a conversas e até risos, e quando o relógio já marcava quase dez da noite, Roseanne pediu para que Ryeon acompanhasse a garota de volta para a casa.
E ele o fez, segurando-a firme pela mão, seus dedos escorregavam por entre os dela num carinho leve.
ㅡ Você sabe que as pessoas já comentam sobre isso, não é? ㅡ sussurrou Lucy, erguendo minimamente as mãos unidas. ㅡ a senhora Xing foi lá em casa depois daquele dia que nos viu assim...
ㅡ A senhora Xing é uma fofoqueira, isso nem me surpreende, mas te incomoda?
ㅡ Na verdade, não. ㅡ sorriu olhando além. ㅡ estou tão cansada da vida escondida que tive que ser a pauta da fofoca alheia somente por andar de mãos dadas com você não me magoa mais.
ㅡ Podemos fazer isso sempre, então, estou à disposição. ㅡ disse Ryeon, piscando para ela.
ㅡ Bobo...
Lucy sentiu o vento gelado bater contra seu corpo, mas não sentiu que aquilo era ruim. Estava na rua, andando livremente de mãos dadas com Ryeon, somente isso já era melhor do que estar trancafiada em seu quarto porque sequer conseguia andar livremente por a casa sem ouvir besteiras da própria mãe.
ㅡ Você quer sair comigo depois? ㅡ Ryeon perguntou quando pararam de frente com o jardim da casa dos Jeon's.
ㅡ Para onde?
ㅡ Podemos ir à casa de jogos outra vez, você se divertiu tanto aquele dia...
ㅡ Me diverti mesmo. ㅡ sorriu. ㅡ você e Kuan não paravam de se alfinetar.
ㅡ Kuan é quem começa, eu só me defendo. Mas se quiser, podemos ir para qualquer outro lugar.
ㅡ Até a praia? ㅡ ela perguntou curiosa. ㅡ estive pensando, eu realmente queria ir à praia, mesmo que eu não vá usar roupas de banho ou me atrever a entrar na água.
ㅡ Podemos andar pela areia.
ㅡ Seria realmente bom, eu quero aproveitar o que essa cidade tem de melhor para aproveitar, já que caso eu aceite o meu próximo desafio, eu não terei tanto tempo para me divertir.
ㅡ Fala isso agora, tenho certeza que assim que chegar lá você fará diversos amigos.
ㅡ Eu queria os meus amigos...
Ryeon observou-a e sorriu ao ver o semblante dengoso que carregava. Os olhinhos dela ficavam ainda maiores e seu rotineiro bico sempre aparecia. Ele se aproximou ainda sorrindo e a abraçou, mesmo que soubesse que com certeza alguma vizinha estivesse olhando-os naquele momento.
ㅡ Então, quer ir à praia para andar de mãos dadas pela areia comigo? ㅡ perguntou.
E Lucy assentiu, encolhida dentro dos braços dele.
ㅡ Eu adoraria.
E ele aproveitou a proximidade e selou-a de modo apressado, despedindo-se da garota e perdendo-se só mais um pouco quando viu seu sorriso de pertinho.
ㅡ Então até mais. ㅡ ele falou.