Capítulo 20
2143palavras
2023-04-08 10:07
Rose
Sai do quarto para que ele tivesse a privacidade necessária para sentir tudo o que precisava, não seria fácil para ele confrontar um momento como esse. Eu queria poder fazer alguma coisa para ajudá-lo com isso, mas eu mesma não conseguia resolver meus medos internos.
Dei uma passada no quarto para verificar Otávio que dormia como um anjo, desci as escadas em direção a cozinha e me deparei com Bianca e Luana terminando de fazer as coisas para o jantar.
— Que dia mais louco — elas se viraram ao ouvir minha voz.
— Louco é pouco, foi uma confusão geral — as duas pararam o que estavam fazendo e vieram em minha direção me dar um abraço.
— Não foi certo o que ela fez — Bianca falou — Ela tentou de todas as formas te tirar do sério, te fazer ser culpada. Eu nunca a vi tão surtada com algo.
— Ela achava mesmo que o patrão se interessaria por ela, coitada — Luana falou voltando para as suas saladas.
— Eu não a culpo, a senhora falou coisas que a deixaram confusa, ela interpretou da forma que achou melhor para si.
— A senhora Margareth era manipuladora, que Deus a tenha — Bianca se afastou voltando ao seu trabalho. Me sentei a mesa para ouvir um relato que nunca pensei estar interessada.
— Para cada uma de nós ela dizia uma coisa. Todos tinham que gostar dela — olhei para Luana sem entender.
— E não é mais fácil ser amigável com todos?
— Não para ela, ela achava que todos eram interesseiros, então nos tratava assim.
— Isso não é vida. — Bianca concordou. — Mas o senhor Antônio sabia de tudo isso?
— Se sabia fazia vista grossa, ela sempre sabia como ludibriá-lo. Janice a ajudava a esconder suas falhas. Ela chegou assim que eles se mudaram para cá, não sabemos ao certo, mas ela sempre fez questão de deixar claro que tinha um trato com a senhora.
— Eu não sabia disso, por que não me disseram? — eu estava assustada com a quantidade de informações.
— Você sempre foi muito reservada, Rose, sempre soubemos que você não tinha interesse nenhum em fofocar da vida dos patrões, afinal sua irmã da esposa de um deles.
— Não existe essa história... — falei revoltada.
— Mas é claro que existe, você e sua irmã são as primeiras que nos tratam bem, tirando a família do senhor Antônio, todos os outros nos tratam como reles serviçais.
— Isso não é questão de quem somos ou não, é questão de como somos educados. Minha mãe sempre fez questão de nos ensinar a respeitar a todos como iguais, como Deus deixou na palavra.
— Isso são poucos que fazem, querida. Nem sei como o filho do duque se interessou tanto por você, pois a mãe e as irmãs a olharam de baixo acima, ou não percebeu.
— Sim, mas...
— Mas se prepare para enfrentar aquela família, porque eles são como todos os riquinhos que conhecemos.
— Se não bastasse o que Antônio está falando sobre ele, agora vocês. Estou ficando assustada.
— Hummmm Antônio — Bianca cantarolou.
— Ué, ele me pediu para chamá-lo assim. Não façam essas caras. — As duas riam e cochichavam entre si. — Estou falando sério.
— Está bem, vamos parar, mas que ele te olha diferente, ele olha — Bianca falou chegando mais perto de mim. — Ele nunca disse nada?
— Sobre?
— Sobre querer se casar de novo, ou algo assim, algo que te dê esperanças?
— Não! Não seja boba, vocês estão vendo coisas onde não tem. E não quero que espalhem essas coisas, olha só a loucura que virou minha vida com a doida da Janice, por uma coisa que nem existe — bom, o beijo era bem real.
— Pode não existir ainda, mas quem sabe no futuro. — As duas riram baixinho e me levantei.
—Acabem logo com isso aí, vou arrumar a mesa e avisar o senhor Antônio que o jantar está quase pronto. — Bianca e Luana riram ainda mais e acabei rindo junto. Eu não podia negar que dentro de mim uma pequena chama queria se alastrar por todo meu peito. O toque dos nossos lábios ainda estava vivo.
Subi as escadas e fui até o quarto ver o bebê que ainda dormia, com certeza a noite seria longa, já que por conta da loucura do dia ele tinha saído de sua rotina. Aproveitei e fui tomar um banho e só então me lembrei o quanto estava arranhada, tanto no rosto quanto nos braços.
— A mulherzinha ordinária — reclamei. Busquei água quente para colocar na banheira que eu já tinha enchido pela metade com água.
Tirei minhas roupas e entrei pensando o quanto aquele dia tinha cobrado de mim, o quão forte eu tive que ser, mesmo querendo me esconder debaixo da cama e fugir de toda aquela confusão. Eu só queria um minuto de paz. Mas com certeza o universo tinha outros planos.
— AHHHHH — Ouvi Otávio chorar e me levantei correndo da água.
—Só um pouquinho meu amor — tentei falar o mais alto que conseguia, deixando um rastro de água para todo lado. — Não chore, eu estou aqui, já estou indo. — Mas seu choro continuava ainda maior e acelerei em me secar da forma que dava para me enrolar na toalha e sair do banheiro.
Abri a porta e o vi de pé com os olhos extremamente vermelhos e com a boquinha formando um U do contrário.
— Calma querido, eu estou aqui — o peguei e o abracei forte.
A porta do quarto foi aberta com pressa e me virei para ver Antônio parar na soleira da porta e fechá-la rapidamente.
— Me desculpe — ele gritou e eu quis cavar um buraco no chão de vergonha. Como eu o olharia agora?
Antônio
Passei a tarde imerso em uma quantidade de informações que eu jamais imaginei. Naqueles diários existia a vida de Margareth, tudo que ela sentia e pensava, tudo que ela viu e escolheu. Eu procurei algo ligado ao início das nossas vidas juntas e li o que ela pensou quando me conheceu, que foi ela que pediu ao pai que desfizesse o noivado com o filho do duque e que me apresentasse como um pretendente.
Ela sempre quis o melhor para nós, mas eu li que ela instruía os funcionários a ficarem de olho em mim, que em certa ocasião ela contratou um detetive particular para me seguir.
Ela se sentia sozinha e não me dizia nada, apenas fingia que estava bem, ali ela derramava todas suas angústias e medos. Me mostrava que mesmo eu tentando, não fui o suficiente para preencher o vazio e os estragos que havia em sua vida.
Eu fui um mero coadjuvante em sua vida. Aquilo me deixou ainda pior, não conhecer a mulher que eu amei tanto estava me matando por dentro.
Não sei por quanto tempo eu fiquei perdido naquele quarto, só resolvi abandonar aquele diário, quando ouvi Otávio chorar, no começo não me importei imaginando que Rose estivesse com ele, mas o choro se intensificou.
"Ela deve estar na cozinha"
Me levantei da cama e fui em direção ao quarto, assim que abri a porta fui obrigado a fechar no mesmo instante e me encostei contra a parede.
— ME DESCULPE! — gritei, mas isso não apagava a visão que eu tive.
Rose estava apenas de toalha com o bebê em seus braços. Seu cabelo estava em um coque deixando sua nuca a vista. Suas pernas torneadas e a pele tão branca que tive vontade de abrir a porta novamente e ir em sua direção.
— Eu não sou um animal — me recriminei descendo as escadas irritado. Quanto mais eu tentava manter minha mente clara, mais eu me afundava em confusão.
— Senhor o jantar já está pronto, posso servir? — Luana estava na sala de jantar me aguardando.
— Pode, mas vou aguardar Rose descer com Otávio. — Ela confirmou com a cabeça e me encostei no corrimão para esperar.
"Ela vai fazer de tudo para se afastar de mim agora".
Eu queria rir da minha desgraça, tudo só ia de mal a pior.
— Senhor? — ouvi sua voz e olhei para cima da escada, onde ela descia com meu filho nos braços. Seu vestido era claro, como o de todos os dias, mas agora meus olhos podiam imaginar o que ele cobria e isso com certeza iria me martirizar.
— Estou te esperando para jantar — As bochechas dela se tornaram um vermelho vivo. — Me dê ele aqui, para descansar um pouco.
— Não me importo — mesmo assim insisti e ela me passou o bebê.
— Mas eu sim e tenho que passar mais tempo com ele. — Sorri para ela que devolveu um sorriso tímido.
— Vou a cozinha buscar o jantar dele — confirmei com a cabeça e me sentei na cabeceira da mesa com o pequeno.
— Você é um rapazinho de sorte, sabia? — Falei enquanto ele pegava tudo o que via pela frente sobre a mesa. — Otávio, isso machuca. Tome! — entreguei uma colher com a qual ele começou a bater no prato e na mesa e fui afastando tudo para longe dele.
— Dizem que a tendencia é piorar.
— Tem como? — a olhei em desespero, enquanto ria da minha cara.
— Ele ainda vai contrariar suas decisões.
— Não me lembro de minha mãe me dar escolhas.
— Os tempos estão mudando. Veja Bria, tem tanta personalidade com apenas 12 anos. Isso é assustador.
— Não me amedronte, Rose — ela riu baixo e eu a acompanhei. — Estou falando sério, desse jeito você me faz pensar em não ter mais nenhum filho. — O olhar dela parou no meu e me dei conta do que tinha acabado de falar. — Se eu...
— Não precisa se explicar — confirmei com a cabeça. O diário de Margareth ainda estava vivo em minha cabeça, nele ela dizia que queria ter 4 filhos, dois meninos e duas meninas, uma casa cheia assim como era a minha.
— Eu ainda estou digerindo tudo o que li — ela apenas concordou com a cabeça e deu a primeira colherada para Otávio e comeu e continuou brincando com a colher que eu tinha dado. — Me desculpe por agora pouco, eu o ouvi chorando e achei que não estivesse no quarto, eu... — seu rosto estava purpura.
— Está tudo bem — seu sussurro me fez perceber o quanto ela estava envergonhada.
— Não está não, prometo nunca mais repetir uma atitude como essa, mesmo que Otávio esteja derrubando o quarto — era isso que ele fazia com a mesa.
— Eu deveria ter trancado a porta, não achei que ele acordaria.
— Eu estou errado e não você. — Ela me olhou ainda tímida.
— Não se culpe por tudo que acontece, ambos temos culpa e já passou. Não se preocupe. — Ela voltou a dar colheradas para Otávio que nem via o que estava comendo de tão concentrado que estava em brincar com o talher — E você descobriu alguma coisa? — Ela evitou me olhar pelos próximos segundos.
— Um pouco sobre o nosso começo, sobre nosso casamento e sobre a vinda para cá. Mas acredito que esteja faltando um. Não tem nada sobre a nossa mudança para Antunes, nem sobre a gravidez.
— Pode ser que esse ela tenha colocado em outro lugar.
— Não devia estar acabado, acho que ela não imaginava que teria um problema com o parto.
— Provavelmente. — Ela ficou séria.
— O que foi? — ela me olhou e vi o medo passar por seus olhos.
— Está perto de Emma ter o bebê e eu tenho medo... medo de que aconteça alguma coisa com ela.
— Rose... — chamei sua atenção — Álvaro está bem ciente de tudo, ela está muito mais amparada do que Margareth esteve, nós não sabíamos de nenhuma complicação, apenas que ela se sentia fraca no final da gravidez e os médicos diziam que era normal.
— Eu sei, mas...
— Sua irmã está muito melhor do que Margareth esteve na mesma época gestacional, não precisa se preocupar, tudo ficará bem — fiz um carinho em seu rosto o amparando em minha palma. — Eu sei que você a ama, e o que eu puder ajudar, eu farei. — Ela me encarou o tempo todo e sorriu delicadamente.
— Obrigada Antônio, é muito importante para mim ter o seu apoio. — A vontade te tomar sua boca foi enorme, mas eu não tinha esse direito. A única coisa que eu podia fazer era tentar arranjar mais motivos para fica perto dela.