Capítulo 19
2140palavras
2023-04-07 10:00
Antônio
Eu não queria me afastar dela, meu nível de proteção e querer bem estavam muito altos, mas eu precisava tirar a limpo tudo o que eu podia sobre os passos de Margareth antes de sua morte. Eu amava minha mulher e amava tudo que ela me deu em nossos 8 anos de casado. Contudo Rose agora estava presente em minha vida e mesmo eu sabendo que não poderia quebrar a promessa que eu tinha feito a minha esposa, eu queria mais contato, pois fazia bem não só a mim como também a Otávio e tenho certeza de que Margareth iria querer isso, nos ver felizes e bem.
Fui até a cozinha e Luana me indicou que Janice estava na ala dos fundos da casa onde eles deixavam seus pertences quando vinham trabalhar, somente Rose tinha permissão para residir em minha casa.
Caminhei até lá pensando como poderia extrair o máximo de informação. Não era uma conversa fácil, afinal eu a estava mandando embora e ela tinha um sentimento de posse por mim e pelas minhas coisas, eu teria que ser educado e tentar não forçar demais para que ela me dissesse de boa vontade.
Bati na porta que estava aberta para alertá-la de minha presença. Janice estava agachada colocando as últimas coisas em sua bolsa.
— Gostaria de lhe perguntar mais uma coisa — falei em tom baixo para não assustá-la. Ela se virou e percebi que seus olhos estavam úmidos.
— Percebeu que cometeu um erro? — Ela se levantou me encarando — Que aquela mulher dissimulada não é tão inocente quanto você imagina? — Ela continuava achando que Rose é que estava errada, que suas atitudes era corretas. Pobre mulher.
— Não vim falar sobre ela e sim sobre Margareth — eu tentei manter uma postura calma e pacifica, mesmo que por dentro eu quisesse passar como um trator por cima dela e arrancar todas as informações que eu queria a força.
— Agora você quer saber sobre minha senhora? Por que não prestou atenção no que eu disse a poucos minutos atrás?
— Eu prestei por isso vim falar com você.
— Não quer que Rosely escute, é isso? — Fiz que sim, mesmo que não fosse verdade, eu precisava que ela confiasse em mim. — Entendo — ela se aproximou de uma forma diferente — Você só estava jogando comigo lá dentro, não quer realmente que eu saia dessa casa. — Ela estava muito enganada, mas minhas reações foram para que ela acreditasse no que estava falando. Cheguei mais perto e a encarei sério, seu sorriso se alargou ainda mais. — Eu sabia que perceberia que eu sou a mulher certa para você. Minha senhora, me treinou para saber atender a todas as suas necessidades.
— Todas? — Me surpreendi ainda mais.
— Todas é modo de dizer, senhor — ela ficou vermelha — Mas ela me disse quais são seus gostos, como gosta das coisas organizadas, como prefere suas comidas e como instruir cada funcionário para lhe atender da melhor forma possível. Ela me disse como queria que o menino fosse educado e que eu deveria ficar responsável por ele até que se tornasse homem que ela esperava. Disse também que quando ele estivesse com 12 anos o senhor deveria mandá-lo para ser criado pelos pais dela, já que ela não acredita que ele possa ter a educação necessária nesta cidade.
— E ela te deixou o contato dos pais dela? — Já estava aflito com essa informação. Eu nunca iria deixar que ninguém retirasse Otávio de mim.
— Não, ela me disse que o senhor sabe como localizá-los e que faria sempre o melhor para o seu filho. Se estou certa, no quarto de vocês existe alguma carta explicando tudo. — Ela passou a mão por minha camisa e dei um passo para trás — Eu não sei como o senhor não a encontrou ainda.
— Eu não mexi nas coisas de Margareth desde que ela me deixou.
— Entendo — novamente ela tentou se aproximar e eu quis fugir, mas precisava terminar essa conversa.
— Bom, acho que isso é tudo que eu precisava saber. — me afastei novamente — Muito obrigado pelos serviços prestados a mim e a minha família.
— Mas eu achei...
— Vou avisar meu advogado de que você irá entrar em contato com ele para acertar tudo que lhe é de direito. — mesmo que não existisse muitas coisas a respeito, eu sempre fui muito correto quanto a isso e fazia contrato com todos os meus funcionários.
— VOCÊ ESTÁ REALMENTE ESCOLHENDO AQUELA VACA? — ela veio para cima de mim e segurei suas mãos — Eu sou a mulher certa para você, EU!
— Você não faz o meu tipo, Janice, sinto muito. E só para constar, minha esposa te treinou para ser a governanta da minha casa e não minha nova esposa. — Ela ficou em choque e eu vi seu olhar de decepção, como se tivesse sido traída.
— Governanta? Não, não era isso...
— Sim, você foi treinada para cobrar dos funcionários tudo o que qualquer governanta deveria saber. Como arrumar cada coisa para o patrão e como treinar as babás. Minha esposa me fez jurar que eu nunca mais me casaria.
— Nunca?
— Nunca!
Sai de lá atordoado com as informações, eu realmente estava assustado com o que tinha escutado e queria correr para o meu antigo quarto e procurar a maldita carta. Todos os dias eu me surpreendia cada vez mais com a sagacidade de Margareth.
Subi as escadas correndo e dei de frente com Rose que acabava de sair do quarto que ela dividia com Otávio.
— Está tudo bem? — Ela perguntou assim que parei em sua frente.
— Vem, quero que me ajude a encontrar uma coisa que Margareth escondeu. — A peguei pela mão e a levei até o quarto que eu dividia com minha esposa.
Esse pequeno contato me fez ter uma necessidade de querer outros, eu sentia falta de abraços, de beijos e carinhos. Somente agora eu percebia o quanto eu me sentia sozinho, o quanto eu me isolei do mundo após a morte de minha esposa.
— O que exatamente, pode me dizer? — Sua mão ainda estava na minha enquanto eu analisava o quarto.
— Janice disse que Margareth deixou uma carta em suas coisas e depois que ela faleceu eu não mexi em mais nada, não tive coragem — ela se aproximou de mim.
— Eu sei como é isso. — ela entendia melhor do que ninguém — Nós não queríamos nos desfazer de nada de nossa mãe, mas meu pai jogou tudo fora assim que retornou para casa, era como se um pedaço nosso estivesse sido jogado junto. — A puxei para meus braços. Era impulsivo, eu sei, mas eu precisava. Pela primeira vez, em muito tempo, eu estava com medo do que eu iria descobrir.
— Vai ficar tudo bem, Antônio — ela falou circulando seus braços em minha cintura — Vai ficar tudo bem — nem eu sabia o tanto que eu precisava daquilo.
Rose
Aquele contato era íntimo demais para a sociedade, mas para mim era um buraco que se fechava em meu peito. Algo que faltava e de alguma forma agora fazia sentido.
"Eu não posso me acostumar com isso"
Ficamos alguns minutos assim, tentando apenas curar as feridas um do outro, como se o tempo pertencesse somente a nós. Eu não queria nunca mais ter que sair daquele abrigo, eu me sentia em paz e segura. Me sentia mais viva do que qualquer outro dia. Seu cheiro se impregnava em meu nariz, me levando para um campo amadeirado e tranquilo, tudo que eu precisava para minha alma cansada e quebrada.
— Eu não sei se tenho coragem de mexer em alguma coisa.
— Eu faço isso para você — levantei minha cabeça encarando seus olhos negros, que pareciam tão triste. — Só me diga onde procurar — ele beijou minha testa e voltei a deitar minha cabeça em seu peito. Parecia um sonho, nunca imaginei que ele pudesse sentir qualquer coisa parecida com o que eu sentia e isso era assustador. Só não era pior do que a dor que eu via em seus olhos quando pensava em voltar para o quarto que dividia com a esposa.
Além de todas essas questões que ainda não estavam resolvidas dentro de mim ainda tinha a questão de eu ser tão pequena comparada a ele e mesmo assim parecia que ele tinha sido feito para minha medida.
— Não sei mais se quero que saia daqui — sorri com sua confissão sentindo meu coração quase sair para fora do peito.
— Nem eu sei se quero sair — sorri quando ele me apertou ainda mais contra si.
— Eu não sei o que estamos fazendo, Rose, mas você vai ter que me dar algum tempo para ajustar tudo aqui dentro — o olhei novamente. Ele nunca seria inteiramente meu, talvez somente a nossa vontade de querer um ao outro não fosse o suficiente.
Confirmei com a cabeça e me afastei de vagar mesmo meu coração lutando bravamente dentro de meu peito para que eu continuasse em meu novo abrigo.
— Me diga o que precisa que eu procure — até a brisa leve que entrava pela cortina ficou fria e desagradável.
— É uma carta, eu sei que ela tinha um diário, talvez esteja dentro dele. — eu percebia que ele também tinha um duelo interno. — Rose... — não esperei que ele falasse nada, somente fui até o closet de sua esposa e entrei tentando me manter o mais longe possível dele para acalmar tudo que estava em colapso dentro de mim.
Ali era um lugar proibido a todos nós, até mesmo Janice não tinha autorização para mexer. Antônio preservava com muito carinho tudo o que remetia a Margareth e eu achava linda a sua atitude.
Algumas caixas estavam no chão empilhadas e resolvi que começaria por ali. Abria primeira que continha alguns chapéus, a fechei e coloquei de lado, abre a outra e tinha alguns papeis, passei por cima tentando ver se havia alguma carta, mas encontrei uma foto de casamento. O casamento deles.
Margareth era linda, com seu enorme cabelo em cascata cacheado. Seu sorriso era lindo e tranquilo, Antônio parecia tão feliz nesse dia, e só aí percebi que não havia mais esse brilho em seus olhos, o sorriso tranquilo ou a postura relaxada.
Ele vivia em estado de alerta, talvez a noite em que chegou embriagado foi somente a escapatória que ele encontrou para sair do mar de desilusões que o estava sugando.
— Queria poder ajudá-lo mais — sussurrei fazendo um carinho em sua foto.
Com certeza ele era o homem mais bonito que eu conhecia e o que carregava o maior peso também.
— Como estão as coisas aí? — Ele estava parado a porta e me virei para olhá-lo.
— Acho que deveria deixar essa foto em algum lugar — fui em sua direção e entreguei a ele — Será bom para você e para Otávio — ele a pegou com cuidado, como se fosse uma joia extremamente rara.
— Obrigado! — Ele se sentou a cama analisando a foto e fazendo um carinho nela e aquilo partiu meu coração.
Voltei para dentro do closet e continuei a abrir caixa por caixa, procurando qualquer coisa que se parecesse com um livro, até que na última caixa achei o que deveria ser os relatos de uma vida inteira.
Havia em torno de 10 pequenos cadernos dentro da caixa e no início de cada um uma data de quando se iniciou a escrita neles.
— Antônio? — O chamei voltando a porta. Ele ergueu a cabeça para me olhar e percebi que seus olhos estavam marejados.
— Eu fui muito feliz e não tinha ideia até a perder — sai do closet com a caixa, eu não poderia mexer, não tinha o direito de invadir a privacidade deles. — Eu queria poder voltar no tempo para aproveitar mais os pequenos momentos, estar mais presente na vida dela.
— Tenho certeza de que ela sabia disso, que ela sentia o amor que você sentia por ela.
— Será Rose? Será mesmo que eu não acabei com o nosso casamento?
— Não foi sua culpa o que aconteceu com ela — coloquei a caixa no chão e me sentei ao seu lado — Deus sabe de todas as coisas, Antônio. Não está em nossas mãos decidir o destino, nos só podemos viver cada minuto da melhor forma que pudermos e esperar para que seja o suficiente. — Passei minha mão em suas costas e vi uma lágrima rolar em seu rosto.
Ele estava tão quebrado quanto eu.
E pedaços quebrados não podem se completar.