Capítulo 14
2117palavras
2023-04-02 10:01
Antônio
Eu peguei no sono perto das 5h da manhã, quando não havia qualquer ruido além dos cantos da noite. Minha mente buscou soluções até finalmente se cansar e silenciar para que o sono me invadisse e levasse todas as minhas dúvidas.
Acordei com o sol se infiltrando pelas janelas que deixei aberta para admirar a lua durante a noite. Eu mal conseguia me lembrar qual tinha sido a última vez que eu tive a oportunidade de contemplar o céu noturno, mesmo que naquela noite não houvesse qualquer estrela.
Fiz toda a minha higiene e me preparei para passar mais um dia enfurnado dentro daquele quarto, contudo quando olhei no espelho as marcas vermelhas tinham desaparecido, deixando apenas as pequenas linhas de machucados em processo de cicatrização, algo bem melhor do que o do dia anterior.
Resolvi que ficaria em casa, mas não trancado dentro do quarto, eu precisava colocar os pontos nos is e descobrir as intenções de Arthur e quão receptiva Rose estava. Meu estomago se embrulhava só de pensar nisso.
Desci as escadas e já ouvi o balbuciar do meu filho que começava a engatinhar pela casa, deixando todos os funcionários em alerta para qualquer perigo.
— Pequeno conde, volte aqui, aí não é lugar de mexer — ouvi a voz melodiosa de Janice tentando controlá-lo.
— Ele tem o gênio do pai, não vai te ouvir — sorri de lado com o comentário barra alfinetada que Rose proferiu — O melhor a fazer é mostrar coisas que sejam mais interessantes do que o que ele descobriu.
— E isso funciona?
—Quase sempre — elas ainda não tinham percebido minha presença.
— Até com o senhor Antônio?
— O que quer dizer? — o semblante de Rose ficou tenso.
— Nada, esquece foi apenas uma pergunta idiota. — Eu percebi que ela não esqueceria daquilo, era tão turrona quanto eu.
— Bom dia — falei para acabar com aquela conversa, as duas se assustaram e Otávio veio parecendo um motorzinho em minha direção. O peguei no colo dando um beijo em seu rosto e o abraçando. Parecia que fazia semanas que eu não o via.
— Como está meu pequeno conde? — fiz cocegas em sua barriga e ele gargalhou arrancado risada de todos os da sala.
— Seu café já está posto, senhor — Janice se pronunciou e saiu da sala o mais rápido que pode.
— Obrigado — falei quando ela já passava pelo portal de entrada.
— O quanto ouviu? — Ela era esperta demais.
— Não sei do que está falando — me sentei no sofá ainda com Otávio no colo.
— Tenho quase certeza de que sabe sim — sorri de canto, mas continuei sem falar nada.
— Rose, não se preocupe, eu não sei do que vocês estavam falando, mas tenho certeza de que não seriam coisas ruins a meu respeito, ou seriam?
—Não, claro que não. Que pensamento absurdo — ela se afastou — Como pode pensar isso? — sua indignação a deixava ainda mais bonita.
— Não estou pensando nada, somente esclarecendo a situação.
— Certo — ela fez menção de sair da sala.
— Tome café comigo — falei me levantando e me aproximando dela.
— Continua precisando de companhia? — havia um sorriso novo ali e eu não sabia identificar se era uma coisa boa para mim.
— Precisando não, apreciando, com certeza! — ela ficou vermelha no mesmo instante e eu gostei de provocar essa reação.
— Otávio ainda não comeu nada, vou aproveitar e dar algo para ele — ela se retirou as pressas da sala e eu sorri como se tivesse ganho alguma coisa.
"Estou muito ferrado!"
Rose
O que eu podia pensar sobre tudo isso? Antônio sempre chamou minha atenção, mas depois de ontem as coisas parecem mais tensas, no bom sentido, parece que há uma compreensão da existência um do outro. Algo que eu já tinha notado, mas aparentemente ele notou somente agora.
Fui até a cozinha buscar um prato limpo e talheres para dar uma banana amassada para Otávio.
— O senhor Antônio parece melhor hoje — Janice me disse assim que passei — O que será que aconteceu para essa recuperação milagrosa? — seu olhar era avaliativo, como se buscasse respostas não ditas.
— Não seja intrometida — Bianca me defendeu da acusação velada da mais velha. — Vá cuidar do seu serviço, se o senhor Antônio te escuta falando tais sandices, te manda embora no primeiro instante.
— Se é que ele já não ouviu — falei tento certeza de que ele ouviu o comentário dela na sala.
— Eu não estou falando nada demais. — Deu de ombros saindo da mesa — Quando minha senhora era viva, ele não era tão aberto aos funcionários como é com a Rose. Só acho estranho ele ficar ruim e de repente se recuperar.
— Vá cuidar da sua vida, Janice — falei séria — Se continuar a falar coisas que não são verdadeiras sobre a minha pessoa, irei tomar atitudes mais drásticas.
— Já se acha a dona da casa — saiu bufando e eu fiquei chocada com a sua reação. Ela sempre tinha sido tão simpática e colaborativa, era estranho vê-la dessa forma.
— Não ligue para ela — Bianca se aproximou — Ela sempre teve uma queda por ele — olhei chocada para ela — Todas percebemos que ele te trata de maneira diferente e entendemos que é pela relação que você tem com Otávio e pelo grau de parentesco com o irmão dele, porém ela acha que tem algo mais. — Neguei com a cabeça — Eu sei, não se preocupe, Janice irá entender também. E você tem um pretendente bem interessado também — ela deu uma piscada e olhei de relance as flores.
— Não quero esse tipo de conversa aqui, posso até perder meu emprego se ele escutar e me mandará embora com razão.
— Ninguém está falando sobre isso, posso te garantir.
— Após o café vou conversar com Janice, ela tem que parar com essas bobagens.
— Eu não faria isso hoje, deixe que se acalme antes, é melhor.
A olhei de relance, elas trabalhavam juntas desde que Antônio e a esposa se mudaram para Antunes, deveria saber mais sobre ela do que eu.
— Tudo bem, mas se ela continuar a espalhar boatos maldosos vou tomar providencias.
— Sim, senhorita — sai com o prato na mão e já encontrei Antônio e Otávio sentados a mesa. O pequeno sorriu quando me viu e bateu a colher que estava na mão na mesa chamando toda minha atenção.
— Tem alguém impaciente aqui. Está tudo certo na cozinha, talvez eu possa ter ouvido alguma coisa. — Meu semblante deve ter ajudado denunciado minha irritação e incomodo.
— Sim, senhor — ouvi seu bufar.
— Voltamos ao senhor. Achei que depois da conversa de ontem, você tinha me visto como uma pessoa que pode tratar informalmente.
— Não quero que os funcionários entendam errado — eles já estão entendendo sem que eu faça nada.
— Sabe que não precisa se preocupar com isso.
— Não preciso, tem certeza? — eu estava irritada com Janice. Peguei Otávio de seus braços e me sentei com ele na cadeira ao seu lado. Amassei uma banana e o bebê começou a colocar os dedinhos no prato. — Não, não, pequeno. — Afastei o prato o que o deixou bravo querendo começar a chorar — É assim que se come bebê, com a colher — fiz um aviãozinho em sua direção e ele virou o rosto. — Ah Otávio, não faça assim, a titia fica tão triste — percebi como Antônio nos olhava intrigado.
— Quer que eu o segure para facilitar? Quem sabe assim ele se distrai. — ele se ofereceu dando de ombros e eu neguei.
— Às vezes é mais fácil deixar que ele faça a bagunça e depois só limpar, mas estou tentando ter um limite, por que ele sabe muito bem como fazer um caos.
— Ele sabe o que quer.
— Com certeza sabe. — Sorri olhando para o pequeno que agora tentava levar a colher a boca derrubando uma boa parte de volta ao prato e na toalha da mesa. — Janice irá ficar doida quando vir isso — falei sem pensar.
—Ela não tem por quê.
— Hoje ela tem... — pensei alto e vi que seu olhar se fixou em mim.
— O que quer dizer?
— Nada, esqueça. Estou apenas pensando alto.
— Está acontecendo algo que não me contou, Rose?
— Não, claro que não — me mexi desconfortável — É só que manchas de banana tendem a ser difícil de sair, mas nada que precise se preocupar. Se for o caso, eu mesmo lavo.
— Eu a pago para lavar? — sua voz um pouco mais grossa fez meus pelos se eriçarem.
— Não, senhor.
— Então não faça mais que o seu trabalho, já acho que está sobrecarregada. Otávio não parece estar facilitando para você.
— Eu não me importo — dei de ombros limpando suas mãos e boca assim que ele acabou de comer, já pedindo para ir para o chão.
— Mas eu sim, você sabe do que meu irmão é capaz se te encontrar morta de cansaço? — sorri me lembrando das recomendações de Álvaro.
— Não sabia que tinha medo dele. — ri de sua cara, agora poderíamos comer "tranquilos".
— E não tenho, mas é muito mais fácil não cutucar a peça. — Ri de sua piscadela. — André é quem me preocupa.
— Ele não tem ido a fábrica?
— Tem, mas ele está numa fase complicada.
— Está assim desde que eu o conheço — percebi que tinha falado demais e coloquei a mão na boca — Me desculpe, fui indelicada.
— Não se preocupe. Ele realmente está em seu pior momento. — Seus olhos se tornaram tristes — Eu queria ajudar, mas ele é fechado, não se abre com ninguém. Não sabemos o que acontece em sua casa e isso dificulta a nossa relação. Tanto no trabalho quanto como irmãos.
— Irmãos nunca são fáceis, eles vieram com uma válvula de problemas embutidos. Somente os mais velhos tem o poder de resolver, mas eles demoram a perceber. — Ele gargalhou com a minha fala e fiquei envergonhada, eram poucas as pessoas que conseguiam esse feito e comigo começou a se tornar rotineiro.
— Ótima colocação. Nunca tinha pensado dessa forma, mas é exatamente isso. No final das contas eles sempre recorrem a nós quando as coisas saem do controle.
— Com licença? — Janice entrava pela porta com mais um buquê — A senhorita recebeu mais uma — percebi alfinetada.
— Pode levar para a cozinha, Janice, por favor — falei não querendo olhar par Antônio nesse momento.
— Você gosta tanto assim de flores? — ele me questionou e fui obrigada a encará-lo. Janice saiu da sala silenciosamente, mas eu tinha a impressão de que ela jogaria aquele buquê em minha cara.
— Quer a verdade?
— Claro — ele se inclinou um pouco mais em minha direção.
— Eu não gosto não. Não dessa forma — ele levantou a sobrancelha — Gosto mais delas em jardins, povoadas por insetos e plantadas em solo. — Ele voltou a se encostar na cadeira — Assim como o jardim da casa, onde eu posso ver a beleza delas dia a dia. Não mortas em um vaso com data certa para irem para o lixo.
— Você é surpreendente.
— É só uma questão de bom senso Antônio. Do que vale gastar dinheiro com algo que não durará? Eu só não sei como dizer isso a ele. — Agora sim uma ruguinha irritada apareceu em sua testa.
— Tem falado com Arthur?
— Ele veio até aqui ontem —falei em um sussurro.
— Ontem? O que ele queria? — sua voz estava mais alta e seus olho estreitos.
— Me chamar para tomar um sorvete com ele.
— E o que disse? — sua arrogância começava a aparecer e já previa as brigas começarem.
— Que iria pensar.
— E precisa pensar sobre ele? — ele estava muito irritado nesse momento — Eu já não te dei vários indícios de que ele não é uma pessoa boa para você.
— E quem é uma pessoa boa para mim? — questionei me irritando da mesma forma e o encarando sem desviar de seus olhos por nenhum minuto.
— Não sei, mas ele não é — ele se levantou alterado da mesa e me deixou ali arrependida por ter tocado no assunto. Se bem que acho que Janice fez de propósito.