Capítulo 95
1358palavras
2023-02-03 08:00
Quando a noite foi chegando aquele dia, junto com ele veio também o desespero e a ansiedade. Eu decorei um discurso todo bonitinho de como diria aos nossos pais que adotaremos a Morgana. Não era para ser o fim do mundo, mas tínhamos um respeito muito grande pela opinião da nossa família, e decepcioná-lo era a última coisa que eu queria na vida.
Como sempre, dona Lúcia se juntou a Mainha e um jantar que era para ser simples, se tornou quase um evento. Só não superou o meu casamento com Charlote, mas de fato, tudo estava lindo. Que pena que eu estragaria toda a linda comemoração com uma notícia bem desagradável.
Que diacho! Eu não relaxava nem com o café do seu Chico, visse. Minhas pernas tremiam, minhas mãos suavam e eu não via a hora de encher o meu bucho para acabar de vez com aqueles tremeliques que davam o meu estômago. Sentamos todos à mesa. Dona Lúcia nem parecia a mulher chorona que todos descreviam. Seu Chico estava leve, parecia até que tinha tirado um peso enorme das costas depois que Bentinho havia ido embora, não que Bentinho dava trabalho a ele, mas ter os filhos bem-criados e com um futuro brilhante pela frente, realmente deve ser um grande alívio. Mainha estava faladeira como sempre, e painho comia a boléu. Ele era o único que sabia aproveitar bem esses eventos, comia como se não houvesse amanhã.

— Tem conversado com Bentinho, Allan? – dona Lúcia perguntou, ansiosa por notícias do filho.
— Falei com ele hoje pela manhã. – Respondi.
— Oxente! – Charlote me olhou azoretada – falou com ele?
A pois, eu tinha me esquecido de contar isso a ela.
— Sim – respondi, tomando um gole de suco, que sai rasgando a minha garganta – eu me esqueci de contar.
— E como ele está? – perguntou dona Lúcia empolgada – eu não consigo falar com ele, sabe como é, não me acostumei com essas coisas de tecnologia.

— Já disse para Lúcia que ela precisa comprar um celular – Mainha se meteu – principalmente agora que o filho está morando em outro estado.
— Eu verei isso, Francisca – de repente a conversa se concentrou entre elas duas – mas isso não é impedimento para eu falar com o Bentinho. Temos o celular do Chico.
— E não ligou ainda para ele, por que mulher? – Mainha questionava.
— Porque não quero deixá-lo mais aperreado – dona Lúcia justificou.

Charlote olhava para mim, apreensiva e eu tentava encontrar um breja qualquer naquela conversa para falar o que eu precisava.
— Eu e Charlote temos um comunicado para fazer – interrompi a discussão entre elas duas.
— Oxente – Mainha parecia animada – não me diga que Charlote já embuchou?
— Deixa de leseira mulher – painho se meteu, falando de boca cheia – não tem nem um mês que eles se casaram.
— Que diacho, Natalino – Mainha virou o mói de coentro – por que seria impossível? Esses dois vivem grudados para cima e para baixo. Podiam muito bem ter antecipado a lua de mel.
— Isso é verdade, Charlote? – dona Lúcia arregalou os olhos.
— Claro que não, Mainha – Charlote estava vermelha feito um pimentão – e eu não estou buchuda.
— O assunto é outro, Mainha – eu precisei parar para respirar – eu e a Charlote, decidimos adotar alguém.
— Oxente! – Mainha falava, me olhando como se quisesse ler meus pensamentos – porque adotar, se vocês podem ter os próprios filhos?
— Quem vocês vão adotar? – Dona Lúcia perguntou.
— Morgana – disse, enfim – a filha do Bernardo e da Emília.
Houve um silêncio, como se eu tivesse tampado a boca deles com uma fita. A expressão em seus rostos era de espanto, incredulidade. Charlote me olhou, calma e apertou uma das minhas mãos, como se me dissesse: eu estou aqui para o que der e vier.
— Mas que diabo de loucura é essa? – mainha falou, ela ainda não estava brava – isso só pode ser uma piada.
Então a expressão no rosto dela mudou completamente.
— Você não vai dizer nada, Natalino? - ela se levantou da mesa, arretada – está escutando o que seu filho está falando?
— Estou sim mulher – respondeu com muita calma, que até mesmo eu estranhei.
— Avalie só – agora mainha aumentava o tom da voz em cem decibéis – Allan fala que vai adotar uma adolescente problemática e você age como se nada tivesse acontecendo.
— Está exagerando, mainha – eu também me levantei – não é o fim do mundo.
— eu tenho que concordar com a Francisca – dona Lúcia falou – É arriscado demais adotar uma menina problemática que nem aquela.
— Mainha – Charlote falou – nós não estamos aqui para pedir a permissão de vocês. Estamos apenas comunicando nossa decisão.
— Então minha opinião como mãe não interessa? - mainha estava com a moléstia – essa menina vai arruinar a vida de vocês que nem fez com o casamento dos próprios pais.
— Deixe disso, Francisca – painho falou – eles dois sabem o que estão fazendo, visse. Cabemos a nos apoiar.
— Mas nem fodendo a tabaca de chola, eu aceito aquela menina como minha neta – depois ela voltou a se sentar. Dona Lúcia correu até a cozinha e ofereceu a ela uma garapa.
—Eu não concordo com a decisão de vocês – dona Lúcia dizia – mas também não vou interferir. Pode contar comigo para o que precisarem.
—Ficou todo mundo louco nessa casa – mainha levantou mais uma vez e saiu caminhando para fora e foi embora.
—Não se preocupe, meu filho – painho também se levantou, um pouco chateado por ter que deixar o prato de comida para trás – eu vou conversar com a sua mãe e logo as coisas se acalmam.
Eu olhei para a Charlote com o meu coração quase saindo pela boca, mas era de se esperar que mainha reagisse daquela forma. Ela então sorriu para mim, e o sorriso dela de alguma forma me dava força para continuar.
— E o senhor, painho – Charlote dirigiu a palavra ao seu Chico, que desde o começo mantivera em silêncio – o que o senhor tem a dizer sobre tudo isso.
—Nada, minha fia – ele falou – você já é uma mulher casada, responsável e capaz de cuidar de qualquer adolescente problemática ou não. Então faça o que o é o certo.
— Obrigada – Charlote sorriu, quase chorando – o apoio de vocês é muito importante.
—Pena que mainha não pensa o mesmo – lamentei.
—Não se avexe, Allan – dona Lúcia se dirigiu ate mim – dê um tempo a Francisca, logo ela se acostuma com essa ideia.
Eu quis acreditar que sim. Saímos da casa de Charlote sem que ninguém conseguisse jantar em paz. Toda a decoração, a comida, a felicidade, tudo isso ficou espalhado sobre a mesa, e no fim da noite o único sentimento predominante foi a angústia.
No dia seguinte eu e Charlote entramos em contato com o conselho tutelar e pedimos todas as informações para que a adoção de Morgana fosse feita o mais rápido possível. Como Bernardo ainda estava vivo e tinha, mesmo que provisória, a guarda da Morgana, ele autorizou que a tutela dela Morgana fosse passada para mim e para Charlote. O processo foi rápido e em menos de um ano eu e Charlote estávamos prontos para recebê-la em nossa casa. Nesse longo tempo de espera, meu relacionamento com mainha ficou bastante estranho. Ela tentava não tocar naquele assunto comigo, mas de vez em quando dona Francisca abria a boca para tentar me convencer de que eu estava cometendo o maior erro de toda a minha vida, e acabávamos brigando. Eu não queria que fosse assim, mas mainha não se conformava com a minha decisão. No fim, eu torcia para que ela estivesse errada e que Morgana logo se adaptaria, e sua vida se transformaria com a boa educação que eu e a Charlote ofereceríamos para ela.