Capítulo 94
933palavras
2023-02-02 18:10
Lua de mel deveria durar para sempre.
Aquela era a primeira vez que Charlote viajava para fora do Brasil. E tinha um motivo muito especial para ela ter escolhido Portugal. Charlote amava a história de como o Brasil havia sido descoberto pelos portugueses, do tempo imperial e de tudo que envolvesse a cultura portuguesa em nossos pais. Ela tinha planos de um dia poder comprar essas fazendas antigas, onde duques, barões, e baronesas viveram. O brilho no olhar dela visitando os pontos turísticos de Portugal, juntando a nossa história com as histórias deles, fazia Charlote suspirar. Acho que nunca a vi tão animada como daquele jeito, que vinte dias passaram rápido demais.
Quando pisamos os pés em Fernando de Noronha novamente, vieram também as preocupações. Como eu contaria para Mainha e Painho que eu queria adotar uma adolescente de quinze anos, ainda mais morando no mesmo quintal que eles.

A pois, eu e Charlote iríamos morar provisoriamente na casa que ficava nos fundos do quintal de Mainha. Nossa pressa em casar foi tão grande que nem tivemos tempo de arrumar uma casa só nossa, para comprar. Sabíamos que em Fernando de Noronha, para comprar qualquer imóvel seria necessário esperar em uma fila que demorava anos. Pois bem, eu precisava convencer a minha mulher a se mudar dali, irmos para outro estado, onde pudéssemos comprar uma casa e viver nossas vidas. Mas Charlote era apegada demais a Fernando de Noronha, seria uma tarefa quase impossível tirá-la dali.
Chegamos, matamos as saudades de todos, e enquanto desfazemos as nossas malas eu comecei:
— Precisamos resolver essa questão da Morgana – eu disse.
Ela parou o que estava fazendo e me lançou um olhar cansado e nada disposto a ter aquela conversa.
— Precisamos mesmo? – resmungou – mas que diacho, Allan, a gente mal chegou de viagem e você já quer me enfiar em outra confusão.
— Eu te dei o tempo que você precisava para pensar sobre isso – me sentei, fazendo um gesto para que ela se sentasse também – precisamos resolver isso, agora.

— O que você quer que eu faça? – perguntou, enquanto sentava-se ao meu lado.
— Quero ouvir a sua decisão.
Esperei ela responder. Ela não pensava, apenas procurava as palavras certas para me dizer.
— Eu acho tudo isso uma loucura – começou, mas parecia já decidida – porém, eu estou disposta a arriscar tudo, até mesmo a minha sanidade, para me aventurar nisso, com você.

Eu sorri para ela.
— Eu aceito cuidar da Morgana, com você – sorriu, firme em suas palavras.
— Você nunca me decepciona – a abracei – obrigado.
— Você sabe que não será igual adotar uma criança de um ano, não é?
— Eu sei dos perigos – ele riu – mas eu não conseguiria viver em paz se não cumprisse o que prometi ao Bernardo e à própria Emília.
— Eu entendo – ela abaixou o olhar – mas eu faço isso pela Morgana. Ela merece uma segunda chance.
Então nos calamos por alguns segundos. Charlote voltou a se levantar e tirar as roupas da mala.
— Quando faremos isso? – ela me perguntou.
— Depois que conversarmos com a nossa família.
— Eu temo mais por essa conversa, do que propriamente adotar a Morgana.
Eu ri, mas me tremi por dentro. Charlote tinha razão, quando Mainha soubesse dos nossos planos, a zorra estaria armada dentro de casa. Seria uma confusão daquelas.
— Vamos marcar um jantar em família hoje a noite. – eu disse.
— Mas assim, tão depressa?
— A gente já esperou demais, Charlote – eu tentava convencê-la – vamos fazer logo isso.
— Está certo – concordou – vou lá na casa de Mainha combinar tudo com ela. Vai ser bom ter a casa cheia novamente.
— Ela deve estar sentindo falta do Bentinho.
— Oxente! – tirou a última peça da mala, dobrou e voltou a guardar no armário – painho me disse que ela chora todos os dias.
— A pois – comentei – ela se acostuma.
Depois disso Charlote saiu em direção a casa de dona Lúcia e eu aproveitei para ligar para o Bentinho e saber como as coisas estavam por lá. Tudo o que eu havia evitado durante o tempo em que voltei para Noronha aconteceu naquela manhã. Eu dei de cara com a Roberta, quer dizer, Bentinho nos colocou frente a frente, separados por quilômetros de distância. Aquela foi a conversa mais difícil que tive com alguém desde que voltei para a minha terra natal. Ver e saber que Roberta sofria por minha causa, partiu meu coração. Ela era sem sombras de dúvidas, uma das pessoas que mais marcaram a minha vida. Eu havia aprendido tanto com aquela mulher. Tudo que eu sabia sobre projetos empresariais, havia sido ela que me ensinara. Se hoje eu sou o que sou, muito se deve ao empenho de Roberta em me ensinar. Mas ela era uma mulher incrivelmente compreensiva e de um bom coração. Me perdoou pela covardia e pelo medo que eu sentia de encará-la pela última vez. E aquela realmente havia sido a nossa última conversa. Eu nunca mais tive notícias da Roberta e ela ficou só nas minhas boas lembranças.
Tem pessoas que é necessário deixarmos para trás. É triste, mas totalmente inevitável. Roberta foi uma delas. Por muitas vezes, durante a minha vida, eu pensei nela. Questionava-me como estaria sua vida, se havia casado, se tinha filhos, se estava feliz, mas, ainda assim, nunca ousei ir atrás para saber. Era melhor assim, cada um seguir seu rumo, em paz.