Capítulo 91
929palavras
2023-02-01 07:45
Bentinho
Muito antes da sorte bater na minha porta, a minha vida era sem graça e completamente parada. Lembro da minha infância, onde eu Jacob passamos o dia quase inteiro rodando pelas praias de Fernando de Noronha. Gostávamos de observar o Allan surfando, ele era ruim que só, mas ele tinha pinta de galã e as boyzinhas de Noronha caiam de amores por ele. Jacob era o fã número um dele. Admirava o Allan mais do que qualquer outro, mas aí ele foi se perdendo, arrumando novos amigos e quando percebemos já era um pouco tarde para o meu irmão.
Quem dera se Jacob tivesse seguido os mesmos passos que o Allan. Talvez se o Allan não tivesse ido embora tão cedo do arquipélago, Jacob ainda estivesse vivo e trilhando caminhos parecidos com os meus. Mas quem é que pode prever o futuro, não é mesmo? Eu mesmo nunca imaginei que um dia iria embora de Fernando de Noronha para morar em São Paulo.
Mas antes de contar sobre a minha chegada a São Paulo, quero relembrar alguns momentos que tive com o meu irmão. Eu tentei salvar o Jacob, por várias vezes. Eu não aguentava ver o painho sofrer tanto por causa dele. Mas ele era cabeça dura, estava decidido a mudar de vida e pagaria o preço que fosse preciso para conseguir.
— Você mora no lugar mais desejado do Brasil – eu gesticulava – tem um pai que daria a própria vida para salvar você. Uma família que te ama, Jacob.
— Mas não tenho dinheiro – reclamava – de que adianta morar em Fernando de Noronha e ser pobre?
— Oxente! – não concordava com ele – você não é pobre.
— Então espere só para ver – justificava – daqui há alguns anos painho vai ter que vender a casa para algum ricaço para não ter que morrer de fome.
Eu discordava totalmente dele, e depois que ele morreu eu tive certeza de que Jacob estava completamente enganado. Mas a ganância faz as pessoas serem ingratas com o restante das coisas. Jacob nunca conseguiu enxergar a bênção que era a vida dele ou tivesse percebido tarde demais.
Eu lembro de ter tentado incentivar o próprio Allan a ficar mais próximo dele, para que assim, meu irmão se firmasse mais nos estudos, mas o Allan andava ocupado demais, era um rapaz esforçado com os estudos e logo a vida deu seu jeito de levar o boy mais popular do arquipélago para bem longe.
— Você não está interessado na jabulani, não é?
Era assim que Jacob se referia a Charlote. Eu olhei para ele arretado com o comentário, mas o Allan me impediu de dizer a ele umas boas verdades.
— Não deveria falar assim da sua irmã – Allan era sempre muito calmo e atencioso com o treloso do meu irmão – a Charlote é uma menina incrível e você deveria apoiá-la mais.
— A única coisa que a minha irmã precisa é emagrecer – ele ria todas as vezes que se referia a Charlote – nem deveríamos estar aqui conversando sobre a gorda, deveríamos estar na praia caçando boyzinhas.
— Precisa mudar esse seu jeito, Jacob.
Mas Jacob não mudou. Ele nunca foi próximo de Charlote, nunca fez questão de criar um vínculo com a própria irmã. Os preconceitos mais cruéis que ela sofreu vieram de dentro da nossa casa, da boca do nosso próprio irmão. Ele a tratava como uma coisa qualquer, um motivo de diversão. E Charlote, bem, ela nunca revidava, nunca se defendia. Calava-se, se trancava no quarto e chorava até não poder mais. Nem mesmo quando ela emagreceu, Jacob parou com as provocações. Ainda assim, tão maltratada por ele, se Charlote pudesse ter salvado Jacob, levando o tiro no lugar dele, ela faria, porque não havia moça do coração mais nobre do que Charlote, e Jacob não soube aproveitar tal privilégio.
Depois que o Allan foi embora, as coisas só pioraram. Os boatos do envolvimento dele com as drogas, o desespero de painho, o sofrimento de Mainha. Quantas vezes eu quis trocar de lugar com Jacob, para talvez fazer as coisas serem diferentes, mas eu não podia. As escolhas dele não eram as minhas.
Depois que ele morreu, eu convenci a mim mesmo que eu daria o orgulho que Jacob se negara a dar aos nossos pais. Eu seria o filho que Jacob nunca foi. Fiz um curso de administração e subi de posto na lojinha onde eu trabalhava. Mesmo que a vida em Noronha fosse o sonho de muitas pessoas por aí, eu queria mais. Meu lugar já não era mais ali. Eu precisava voar.
Antes de partir para São Paulo, eu fui visitar Jacob pela última vez. Agachei em frente a lápide dele e chorei baixinho.
“Como eu queria que você estivesse aqui, meu irmão, só para ver como tudo está mudado em Noronha. O Allan voltou só para se casar com a Charlote. E que casamento mais lindo foi aquele. Seu Chico finalmente teve paz. Que você me perdoe pelo que vou dizer, mas depois que você partiu, painho vive bem melhor, sem preocupações ou dores de cabeça. Lamento que tenha sido assim. Lamento que você não tenha me escutado ou obedecido as ordens de seu Chico, e espero que hoje você esteja em um lugar melhor. Só vim aqui para me despedir, porque estou indo embora para São Paulo. Era para ser você no meu lugar, porque sempre foi o mais inteligente. Que pena meu irmão, que você não está mais aqui. Eu lamento profundamente.”