Capítulo 90
1333palavras
2023-01-31 18:40
Olhei bem nos olhos dela e lhe beijei a fronte. Entrelacei os meus dedos nos seus. Eu tremia, Charlote também e pela primeira vez o sermão do padre não foi chato e nem longo. Quando percebi, já lhe fazia minhas juras de amor e colocava o anel em seu dedo, dizendo sim a esse amor que nem o tempo conseguiu destruir.
Eu estava casado com a mulher da minha vida.
A felicidade era a boléu, e contagiava a todos. Logo o sol se pôs, aos olhares apaixonado meu e de Charlote.
— Como você está linda, meu Deus do céu – eu me derretia todo – eu sou o cabra mais sortudo de todo o Pernambuco até os confins da terra.
— Exagerado – ela sorria para mim – saiu melhor do que eu imaginei.
— O que? – eu estava abilolado.
— Deixa de leseira, Allan – ela ria – estou falando da festa.
— A pois – eu passei os olhos por cada canto – nossas mães fazem uma bela dupla. Podiam até pensar em abrir um negócio nesse ramo.
— É uma boa ideia – concordou, mas não desgrudava de mim.
Mas fomos interrompidos pelos rapazes, que já seguravam taças de vinho nas mãos.
— Oxente! – eu larguei a Charlote e sair pegando taça por taça da mão de cada um deles – avalie só a falta de juízo desses meninos.
— Deixe de ser estraga prazeres, Allan – Mateus não gostou – hoje é dia de festa, deixa a gente aproveitar.
— Bicado? – eu perguntei – nem se recuperaram da ressaca de ontem e já querem encher a cara de novo?
— Deixe de ser cabuloso – Fábio tomou uma das taças da minha mão – você agora é um homem casado, deveria já começar a lua de mel.
— E você deveria aproveitar a noite e ir chamegar com a Betânia.
A expressão do Fábio se fechou como um dia nublado. Ele me devolveu a taça e saiu soltando fumaça pelas ventas, com o meu comentário.
— Esses dois ainda vão se casar – Mateu e Bentinho riam – e eu quero ser o padrinho.
— Se Betânia escuta você falar uma asneira dessas – Charlote também havia achado graça – ela é bem capaz de matá-lo.
— A tamborete de Zona?
Fazíamos piadas com a Betânia sem que ela estivesse lá para se defender.
— Ei, Allan – Bentinho voltou a falar – que dia é a viagem para São Paulo?
Eu olhei para ele, depois olhei para Charlote que imediatamente ficou borocoxô com aquele assunto. Eu entendia a ansiedade de Bentinho em querer ir o mais rápido possível para São Paulo, e até havia me esquecido de avisá-lo, mas talvez aquele não fosse o momento certo para conversar sobre aquilo.
— Eu me esqueci mesmo de te falar, Bentinho – olhei sem graça para Charlote – Seu Agenor precisa que você vá imediatamente para São Paulo. E de mala e cuia.
— Jesus Amado – ele sorria e pulava de alegria – já posso ir amanhã mesmo se eu quiser?
— Com toda a certeza.
Mas Charlote não pareceu gostar nada daquela notícia. Seus olhos se inundaram e segundos depois ela estava chorando.
— Ah, Charlote, não fique assim – lamentou Bentinho.
— Estou chorando de felicidade – ela disse.
Mas assim como eu, Bentinho sabia que aquilo não era verdade. Ele a abraçou em silêncio sem dizer mais nada.
No dia seguinte ao nosso casamento, Bentinho estava de malas feitas, pronto para partir. Foi uma choradeira danada dentro de casa.
— Se cuide, meu filho – dona Lúcia dizia – e não deixe de me dar notícias.
— Não se preocupe, Lúcia – Mainha tentava consolá-la – Bentinho será bem cuidado pelas empresas do seu Agenor. São pessoas confiáveis.
— Eu sei, Francisca, eu sei.
Mas era como se alguém estivesse arrancando o coração dela para fora do peito. Seu Chico era o mais calmo. Depois da morte de Jacob, ele aprendera a se conformar mais facilmente. Não achava ruim que o filho saísse de casa para alcançar lugares mais altos, pelo contrário, torcia pelo sucesso do filho, como se o sucesso fosse o seu. Aquilo encorajou Bentinho e o deu confiança. Então ele se despediu de todos e eu e Charlote o levamos até o aeroporto de Noronha.
— Tem certeza de que ele está lá me esperando? – perguntou, antes de embarcar – sei lá, vai que tenha sido um engano e eu tenha que voltar.
— Oxente, cabra – eu apertei o seu ombro, enquanto sorria – não precisa ter medo. Seu Agenor está ciente e muito animado com a sua chegada a São Paulo. Roberta estará lá no aeroporto te esperando.
— Então vamos lá – respirou profundamente – e seja o que Deus quiser.
— Você está mais do que preparado para esse momento, meu amigo – disse – não há nada do que temer. Lembra de tudo o que te ensinei.
— Como me esqueceria?
Abracei ele pela última vez, orgulhoso em deixar as empresas do seu Agenor em ótimas mãos. Bentinho era um homem incrível, dedicado e inteligente. Alcançaria os lugares mais longes, bem mais rápido do que podia imaginar.
Então ele se voltou até Charlote. A expressão no rosto dela era de alegria, como se ela já tivesse se conformado em ver o irmão partir.
— Você vai falar comigo todos os dias, visse – apontou o dedo para ele, sorrindo – não faça o que o Allan fez quando chegou por lá.
— De jeito maneira – abraçou ela – nos falamos todos os dias.
— Não seja injusta, Charlote – sussurrei no ouvido dela – Bentinho não é o seu namorado para que você fique no pé dele.
— Avalie só – ela me encarou com aqueles olhos lindos que só ela tinha – não completou nem um dia de casado e já quer arrumar briga comigo?
Me calei, me segurando para não rir do jeito da minha mulher. Charlote deu o último abraço no irmão e observou ele partir. Mas dessa vez ela não chorou, pelo contrário, nunca havia visto tão radiante. No caminho de volta para casa ela me perguntou:
— Para onde nós iremos? – seu cabelo brilhava com os reflexos do sol.
— Portugal nos espera – sorri para ela.
— Quem decidiu isso?
— Oxente, Charlote – brinquei – não se faça de desentendida. Ontem mesmo, enquanto estava nos meus braços, você disse que passaríamos nossa lua de mel em Portugal.
— Não me lembro disso – sorriu, porque se lembrava sim – talvez porque eu estava perdida nos seus beijos.
— Estava mesmo – provoquei ela, mas ela não pareceu se importar – viajamos hoje mesmo.
— É um sonho – suspirou.
— Então aproveite – concluir – porque quando voltarmos, teremos muitas coisas a resolver.
Mas ela preferiu não pensar sobre aquilo e não tocou no assunto durante todo o percurso. Eu não queria ser o estraga prazeres da minha mulher e envolver ela nos problemas da adoção da Morgana. Mas eu pensava naquilo quase todos os dias. Por mais que Charlote não falasse, eu sabia que bem no fundo ela não queria adotar a Morgana. Ela tremia todas as vezes que eu tocava no assunto. Eu jamais a obrigaria a fazer algo contra a sua vontade, apenas para me agradar e abriria mão, caso fosse necessário, dessa loucura de cuidar de uma garota tão problemática como Morgana. Por Charlote eu faria qualquer coisa. Mas ainda assim eu me preocupo, que mesmo não sendo eu o seu tutor, precisaria arrumar alguém de confiança para cuidar dela. Eu prometi ao Bernardo que faria isso, e agora eu queria cumprir minhas promessas.
A noite chegou e com ela veio um avião e uma viagem a Portugal. Ficaríamos por lá pelos próximos vinte dias, longe de toda a confusão de Noronha e nos braços da mulher que eu amava.