Capítulo 88
1065palavras
2023-01-30 18:35
Mas aquela semana passou tão rápido que quando me dei conta já era o tão esperado dia. Eu ainda despertava, com um sorriso no rosto, os primeiros raios do dia, quando aquela confusão se instalou no meu quarto.
— Mais que diacho é isso? – eu dei um salto da cama, com os olhos arregalados, achando que algo muito ruim havia acontecido.
— Se avexe menina – dona Francisca estava agitada, qual dia desde quando eu e o Allan decidimos nos casar, que ela não estava? – se aprume porque temos que arrumar a noiva para o casório.

— Mas para que essa pressa toda?
Ela não me respondeu, agarrou pelos meus braços, me puxando, me deixando em pé toda zonza no meio do quarto. Betânia adentrou o ambiente logo em seguida, segurando uma caixa enorme, maior que ela, cheios de arranjo de flores.
— Vai ficar todo mundo aqui se preocupando com a Charlote? – largou a caixa no chão – e ninguém vai me ajudar na decoração da praia?
Ela estava arretada que só, e eu comecei a rir.
— Oxente! – dona Francisca colocava as duas mãos na cintura, enquanto olhava para ela – sem noiva não tem casamento. Chame Bentinho para te ajudar.
— Esse não era nosso combinado, dona Francisca – as duas eram parecidas no temperamento – e Bentinho está ajudando o Allan a se ajeitar.

— Não me avexe, menina – saiu me compelindo para fora do quarto, me levando para o lugar onde Mainha costurava.
A coitada da Betânia ficou lá, soltando fumaça pelas ventas sem ter a chance de contestar. A aflição delas tinha sua graça em alguns momentos, em outros fazia meu coração querer saltar pela boca.
Entre uma confusão e outra, eu não pude ficar muito tempo com o Allan durante toda aquela semana. Ele, atarefado com a parte financeira e eu com a decoração. Meu coração se acochou quando eu pensei que, dali a poucas horas estaria casada com ele, dividindo o mesmo teto, dormindo e acordando ao seu lado. Me afundei na imaginação dos momentos criados pela minha mente que até me esquecia da confusão que Mainha e dona Francisca faziam ao meu redor. Quando me dei conta, já estava vestida de noiva.
Ele tinha uma modelagem romântica. Decote em formato de U, com mangas curtas e bufantes. Seu comprimento era acima dos meus joelhos, entrelaçados nas costas. Tinha uma renda floral, branca, que cobria todo o vestido. Uma coroa de flores brancas na cabeça e um véu. Eu não usaria sapatos, caminhava descalça pela praia. Segurava um buquê de rosas, enquanto Mainha e dona Francisca acabavam de chorar ao meu lado.

— O Allan vai cair durinho quando te vê – enxugava as lágrimas.
— Oxente, mulher – Mainha dizia – quer que o rapaz morra antes da lua de mel?
— Deixe de leseira, Lúcia – continuava – estou dizendo que ele vai gostar demais. Você está linda, parece até uma princesa.
Eu tinha que concordar com ela. A gordinha, tão maltratada, humilhada por causa do seu peso, agora parecia uma princesa prestes a casar. Quem consegue parar alguém altamente decidido a vencer? Meus olhos já estavam marejados enquanto eu lembrava de toda a minha trajetória até ali. Se tinha alguém nesse mundo que merecia ser feliz, esse alguém era eu.
Então saímos do quarto de costura de Mainha e nos direcionamos até a sala. Painho estava lá, com uma revista nas mãos, cabeça baixa, folheando, ansioso que nem viu eu me aproximar. Parei ainda no corredor, com o coração saltitando. Eu sei que minha bochechas encarnaram quando nossos olhos se encontraram. Painho olhava para mim, ainda sentado com tanta admiração que nem percebeu a revista caindo de suas mãos. A boca entreaberta e um brilho de orgulho no olhar me fizeram querer chorar pela segunda vez naquele dia.
— O que acha, painho? – perguntei, enquanto um sorriso se formava nos meus lábios.
Ele se levantou. Vestia uma camisa social cinza claro. Tinha uma rosa enfiada em um bolso. Calça tão bem passada. Seus cabelos grisalhos tão bem penteados. Seus bigode tão bem cortados e seus olhos marejados faziam um contraste perfeito com o sorriso nos seus lábios.
— Virgem maria santíssima – falou com admiração, enquanto estendia as mãos até mim – como você está linda, Charlote.
Fazia tanto tempo que não via o painho assim, feliz, mesmo chorando, era um choro de felicidade. E ele não fez questão de esconder suas emoções. Mostrou para todos o quanto estava feliz com aquele momento.
— Se avexe Chico – Mainha estava virada no mói de coentro – estamos atrasados há mais de uma hora. Vamos deixar os convidados desidratados debaixo daquele sol de rachar.
— Oxente, Lúcia – ele me ofereceu um dos braços – que culpa eu tenho da sua leseira, mulher. Não me avexe não.
Enquanto ele me levava para fora, eu ria das desavenças entre eles. Sempre foi assim, nunca conseguiam resolver as coisas com calma, mas eu sabia que toda aquela confusão significava somente amor. No fundo eles estavam felizes e no final aproveitariam cada segundo daquele dia. Entramos no carro e seguimos em direção a praia do leão. Eu estava cada vez mais perto de viver o dia mais feliz da minha vida e me segurei para não chorar de novo.
Quando o carro estacionou, eu vi o Allan lá de longe. Seu cabelo encaracolado que brilhava sob a luz do sol. O mar agitado, tão imenso e azul. O céu sem nenhuma nuvem. A brisa que batia e sacudia meus cabelos. Tinha um caminho de pétalas de rosas brancas que me levariam até ele. Allan vestia camisa e shorts brancos. Tinha os pés descalços e um sorriso no rosto. Quantas vezes corremos juntos por essa praia. caçamos caramujos como se fosse uma competição. Contávamos histórias e compartilhamos segredos. Essa praia que assistiu tantos momentos só nosso, presenciar mais um, o mais importante de todos eles. A porta do carro foi aberta, o painho segurava a minha mão. Meus pés tocaram a areia por mais uma vez, enquanto lá no fundo alguém cantava take that – back for good
Allan sorriu quando me viu e também não evitou as lágrimas caírem. Seus olhos brilhavam e ansiavam pela minha chegada, enquanto eu caminhava para os braços do meu primeiro e único amor da minha vida.