Capítulo 87
1583palavras
2023-01-30 08:10
Fui envolvida o dia inteiro com os preparativos do meu casamento. Dona Francisca, a mais animada, discutia com Mainha sobre a lista de convidados e pelos planos que as duas vinham fazendo, eu e o Allan teríamos que trabalhar por mais cem anos só para pagar aquilo tudo. Era tudo muito exagerado, que a meu ver não faria diferença nenhuma. Eu queria uma coisa simples, mas capaz de eternizar aquele momento. O mais importante, é que eu estaria casada com o homem que eu amava.
— Onde o Allan se enfiou? – dona Francisca estava tão agitada que estava gerando em mim uma crise de ansiedade – não é bom ele ficar andando por Noronha.
Como eu ia contar para ela que o Allan havia ido até a delegacia visitar o Bernardo? Tinha coisas que era melhor ocultar, para não deixar dona Francisca mais arretada.
Portanto, antes que eu pensasse em responder, Allan cruzou pela porta da cozinha, cabisbaixo, triste mesmo. Quem olhasse para ele saberia que havia chorado minutos antes.
— Oxente! – dona Francisca olhou bem nos olhos dele, preocupada – andou chorando de novo, Allan?
Ele me olhou apreensivo, depois olhou para a mãe dele e respondeu:
— A pois... – pareceu pensar, e pelo que eu conhecia do Allan ele não ia contar a verdade.
— Dona Francisca anda avexada com os preparativos do nosso casamento – disse, tentando mudar o foco da conversa, e assim, salvar a pele do Allan – o que acha de participar?
— Oxente! – ele riu se aproximando de mim – não precisa de tanta coisa assim, visse. Uma praia, um padre, eu e Charlote. Pronto, está perfeito.
— Concordo plenamente – eu sorri para ele.
— Deixe de leseira, Allan – dona Francisca discordou – nem pensar que o casamento do meu único filho vai ser feito de qualquer jeito.
— Não é para ser de qualquer jeito, Mainha – ele continuou – só estou dizendo que o simples me agradam, e que tenho bastante pressa de me casar logo.
— Avalie só, Francisca a pressa desses jovens de hoje em dia – Mainha se meteu – eu esperei um ano para me casar com o seu pai e foi a festa mais bonita de Recife todinha.
— E eu esperei quinze anos – concluiu. E todos eles olharam para mim em silêncio.
— Você tem razão, minha filha – dona Francisca se aproximou de mim e me deu um caloroso abraço – Já fizemos vocês esperarem demais, sendo assim, marquem logo a data desse casamento e seja como for, eu e a Lúcia estaremos preparadas.
— Obrigada – agradeci também a Deus por elas entenderem.
Então, agarrei a mão do Allan e o levei até a sala da minha casa e ele me contou como havia sido a conversa com Bernardo. Seus olhos marejados entregavam o quanto meu futuro marido era sensível à dor do outro. O quanto ele se importava e estava disposto a ir até as últimas consequências para ajudar o Bernardo. Eu não contestei, não naquele momento, porque o assunto Morgana, ainda era algo que me atormentava. Eu conhecia aquela menina o suficiente para saber que, caso eu decidisse adotá-la, estaria arrumando um problemão na minha vida.
Portanto deixamos o assunto de lado e decidimos focar no nosso momento. Fomos até a paróquia de Noronha e marcamos o casamento para daqui quinze dias. O número quinze havia se transformado em um número de sorte. E foi uma zorra dentro de casa quando Mainha soube que estaria tão próximo. Era compreensível a vontade delas em oferecer para a gente o melhor, mas eu e o Allan não nos importávamos com aquilo. Queríamos apenas nos casar.
A praia do Leão foi reservada. Quem não sonharia em realizar um casamento em uma das praias mais lindas de Fernando de Noronha? Era um sonho, simples como um pôr do sol, mas inesquecível como o arquipélago inteirinho.
Lembro da nossa casa ficar cheia de pessoas durante aqueles quinze dias. Conversas animadas, risos, planos, a casa preenchida de vida. Até mesmo a mãe da Betânia ofereceu-se para ajudar. Mainha costurava o meu vestido e quando fiz a primeira prova, ela chorou como criança.
— É a noiva mais linda que Noronha terá pelo resto da sua história – as lágrimas escorriam – quanto orgulho eu sinto de você, minha menina.
— Ah, Mainha – abracei ela – eu que tive a sorte de tê-la como minha mãe, visse. Agora pare de chorar, que os ajustes desse vestido não serão feitos sozinhos.
— A pois – sorriu – eu não vejo a hora de sentar-se em frente a essa máquina para costurar as roupas dos meus netos.
O sorriso desapareceu imediatamente. Não que eu não tenha pensado em ter filhos com o Allan, eu queria, porém quando Mainha soubesse que eu e o Allan andávamos discutindo a ideia de adotar uma adolescente problemática de quinze anos, elas ficariam loucas de vez . Então me apressei, tirei o vestido e saí de lá antes que aquele assunto se prolongasse mais do que deveria. Encontrei Bentinho na sala, com cara de quem comeu e não gostou. Mais problemas?
— O que aconteceu? – me sentei ao lado dele no sofá.
Ele me olhou, um pouco triste.
— Daqui há uma semana você vai se casar – disse – Jacob nem vai estar aqui para ver isso.
A tristeza dele imediatamente foi transferida para mim.
— Ainda que ele fosse o primeiro a tratá-la com desprezo – continuou – fazendo piada sem graça com o seu corpo, ele era o nosso irmão.
— Também queria que ele estivesse aqui – confirmei para tirar aquele peso que não era dele – de todas as pessoas que algum dia me insultaram, o Jacob era o que eu menos me importava.
— Lamento que ele nunca tenha percebido a pessoa maravilhosa que você é.
— Ele sabia – falei com certeza – só nunca foi capaz de reconhecer.
Ele sorriu para mim.
— O Allan já acertou tudo com o seu Agenor – continuou e meu coração se aperta ao ouvi-lo dizer aquilo – depois do seu casamento, eu vou morar em São Paulo.
— Mainha já sabe?
Era como se eu nunca colocasse os meus sentimentos em primeiro lugar, porque eu mais do que ninguém, era apegada a Bentinho, e seria uma das que mais sentiria a sua falta.
— E estragar esse momento dela? – se referiu ao meu casamento – nem fodendo a tabaca de chola. Deixa essa notícia para ser dada depois.
Rimos juntos. Eu segurei em uma das mãos dele e a tristeza tomou de conta do meu coração novamente.
— Vou sentir sua falta – meus olhos marejaram – com quem vou compartilhar meus segredos? Quem estará lá para me ajudar a resolver um problema, principalmente agora, que o Allan quer adotar a filha do Bernardo.
— Como assim, Charlote? – arregalou os olhos para mim – vocês já decidiram sobre isso?
— Ainda não – minha cabeça doía todas as vezes que eu tocava nesse assunto – mas eu tenho certeza que o Allan, sim.
— Pretende mesmo apoiá-lo incondicionalmente?
— Sim – respondi – mesmo que seja uma loucura arriscada demais.
— Então, mesmo que eu ficasse aqui, minha ajuda seria inútil – ele concluiu – se nem você, que é a melhor amiga e o amor da vida dele, consegue convencê-lo do contrário, imagine então, eu?
— Eu nem tentei convencê-lo – fui sincera – e olha que eu tenho milhões de motivos para isso e uma vasta experiência sobre o assunto.
— Talvez por você ser experiente e já ter lidado com garotas problemáticas como a Morgana, não seja tão difícil.
— Eu sei – quis chorar – mas eu estou me borrando todinha, visse.
— Então está com medo?
— Nunca senti tanto medo na minha vida, visse – eu tremia só de pensar – Tenho medo de falhar com ele e não conseguir ajudá-la.
— Você vai conseguir, disso eu não tenho dúvidas – apertou minha mão e sorriu para mim – Quantas garotas pior do que ela você já ajudou? Dezenas. Você é o suprassumo nisso. A tampa de crush. Não deveria duvidar do seu potencial.
— Verdade – abaixei o olhar, insegura – mas preciso aprender a fazer isso quando a garota problemática vai ser adotada e morar no mesmo teto que eu.
— Você vai conseguir – me encheu de ânimo – porque tem muito amor para oferecer, e isso é o mais importante.
Então fomos obrigados a nos calar, porque Dona Francisca adentrou a sala, avexada que só, com um monte de convites nas mãos. Jogou toda a papelada em cima de mim e me deu ordens para que saísse por Fernando de Noronha todinho entregando um por um. Avalie só a loucura da minha sogra, achar que eu servia para correio. Mas me levantei, mesmo contrariada, arrastando Bentinho junto comigo e fui, debaixo daquele sol de pelar, entregar em mãos os convites do meu casamento. Era a coisa mais linda aqueles convites, de uma delicadeza sem igual, feito a mão pelas melhores artesãs de Noronha, aliás eu fiz questão de contratar todos eles para decorar o meu casamento. Desde lembrancinhas até a decoração. Privilegiar as pessoas que davam vida aquela ilha e espalharam pelo mundo, com suas artes, as belezas de Fernando de Noronha. Estávamos dando passos largos para a realização do meu sonho