Capítulo 78
1308palavras
2023-01-25 18:20
Betânia sempre foi assim, inconveniente, mas verdadeira. O problema era que ela resolvia ser sincera nos momentos menos prováveis. Eu pensei em brigar com ela, mas eu estava tão preocupada com o Allan, que só tinha forças para aquilo naquele momento.
— Allan – eu queria dizer alguma coisa, mas não sabia o que – precisamos ir até a sua casa, ver a sua mãe.
Ele olhou para mim, com um olhar tão triste que partiu meu coração. Segurou na minha mão, em silêncio e concordou.
Fomos caminhando lentamente, enquanto Bentinho nos acompanhava. Mateus e Fabio se despediram dele, em silêncio. Era como se o Allan não estivesse ali, seu olhar estava perdido, a expressão no seu rosto era de tristeza, revolta, desespero. Eu tentava decifrá-lo para saber as palavras certas a dizer, mas eu não conseguia. Então avistei, painho e seu Natalino vindo de longe, em nossa direção. Estavam aflitos, quem naquela cidade não estava. Mas Allan continuava cabisbaixo, em silêncio, pensativo.
— Que diacho, Allan – seu Natalino o abraçou, ainda no meio da rua – graças a Deus você está bem meu filho.
Mas ele continuava em silêncio.
— Como está a Dona Francisca? – eu perguntei.
— Foi queda de pressão – respondeu Painho – mas ela não para de perguntar pelo Allan.
— Ela estava certa – continuei, enquanto voltamos a caminhar, dessa vez um pouco mais rápido em direção a casa do Allan – estava certa sobre a intuição.
— Francisca nunca erra – concluiu seu Natalino – se ela disser que vai cair um meteoro em nossas cabeças, pode se preparar, visse.
— Mas o Allan está bem – apertei a mão dele – está voltando para casa.
Mas ele continuava em silêncio e eu compreendia perfeitamente. Ver alguém levar um tiro, deixaria qualquer um traumatizado. Cada um tinha um modo diferente de reagir, eu tinha pesadelos, o Allan, não conseguia falar. Mas se tinha alguém em Fernando de Noronha que entendia ele perfeitamente, esse alguém era eu.
Quando o Allan entrou em casa, eu observei Dona Francisca correr feito uma criança em direção ao filho e o abraçar aos prantos. Ficaram os dois, no meio da sala, chorando, como se agradecesse a Deus pela chance dada.
— Que confusão dos diabos – Mainha abraçou Bentinho, como se quisesse confortá-lo – mas um assassinato em Noronha.
— A Emília não morreu, Mainha – eu sussurrava – ela foi levada em estado grave para o hospital de Recife.
— Se chegar viva lá, né minha filha – as vezes Mainha parecia Betânia, de uma insensibilidade sem tamanho – mas graças a Deus o Allan está bem.
Eu segurei o braço de Bentinho e fui para o fundo da casa do Allan. Eu tinha tantas perguntas para fazer que nem sabia por onde começar.
— Porque a Emília levou o tiro no lugar do Allan, se a bala era para ele? – perguntei, enquanto parávamos debaixo da mangueira.
— Ela se jogou na frente dele – concluiu – ela foi a primeira a perceber que o Allan levaria um tiro, e quando eu me dei conta ela já estava lá, caída no chão.
— Mas que diacho – lamentei – você conhece o homem que atirou?
— Nunca vi tão feio na minha vida – disse – mas ele deixou claro, que era a mando do Fernandinho.
— Fodeu a tabaca de chola – lamentei – nem preso aquele treloso nos deixa em paz.
— Eu sei que o Allan está arretado com tudo o que aconteceu – ele pareceu ficar nervoso de repente – mas ele vai querer tirar satisfação com o Fernandinho depois dessa.
— Cabe a nós impedir – concluir – o pior de tudo é que o Allan vai se sentir culpado caso a Emília venha a morrer.
— É normal – sua expressão mudou para tristeza – ela se sacrificou por ele.
— Quem diria – eu realmente estava triste – logo a Emília, tão metida, que maltratou a própria filha a vida inteira, sacrificar a própria vida por alguém.
— A pois – eu sentia que Bentinho ainda tentava se acalmar – espero que ela fique bem.
Então eu me calei, porque sabia que continuar com aquela conversa deixaria meu irmão mais avexado do que já estava. Eu precisava esperar as coisas se acalmarem, para só depois pensar no que fazer. Estavam todos abalados com tudo o que estava acontecendo e tocar no assunto não ajudaria ninguém.
Entramos em casa novamente e Dona Francisca parecia mais calma. Me disse que o Allan havia ido tomar um banho para tirar o sangue da Emília do corpo. Minha cabeça doía, e eu sentia que também precisava de um banho para relaxar. Quando parei para pensar sobre tudo aquilo, me lamentei pelas coisas acontecerem assim, tão depressa. Pela manhã eu estava em casa chorando porque o Allan partiria para sempre de nossas vidas. Antes das dez ele já estava de volta, me abraçando e me pedindo em casamento. Agora, antes da noite chegar, estávamos lá, todos completamente apavorados, o Allan presenciando uma tentativa de assassinato e eu sem saber o que dizer a ele. No fim do dia, eu me deitaria para dormir com a sensação que não pude aproveitar um dia especial ao lado dele, depois de longos quinze anos, a vida não me dera esse privilégio.
— O Allan precisa voltar para São Paulo – Dona Francisca dizia – amanhã mesmo ele volta para lá.
— Ficou maluca, foi mulher – seu Natalino estava virado num pantel – O menino nem esquentou o lugar e você já quer despachar ele de volta?
— Oxente, Natalino – ela colocava as mãos na cintura – você viu o que acabou de acontecer aqui? Meu filho corre risco de vida ficando aqui.
— A polícia já está atrás daquele maloqueiro – seu Natalino batia o pé – e essa é uma decisão que só cabe o Allan tomar e não a gente.
Lascou! Eu pensei, bem agora que estava indo tão bem as coisas entre a gente, dona Francisca me aparece com essa ideia de o Allan voltar para São Paulo. Era compreensível a preocupação dela, mas inaceitável a decisão. Eu não aceitaria perder o Allan de novo, não dessa vez.
— Seu Natalino, está certo – Mainha se meteu – não há necessidade de ele voltar para São Paulo.
— Oxente, mulher! – dizia dona Francisca, voltando a chorar – se você tivesse tido a chance de salvar o Jacob, tenho certeza de que não pensaria duas vezes antes de enfiá-lo em um avião para bem longe de Noronha.
— Não pensaria mesmo – concluiu Mainha – Mas o Allan, até onde a gente tem conhecimento, não está envolvido com o tráfico de drogas. São casos totalmente diferentes.
— Mainha está certa – eu falei, enfim, com um choro entalado na garganta – a gente sabe quem foi o mandante desse crime e temos como resolver isso.
— Você pode conversar com ele, minha filha – dona Francisca se aproximou, com um jeito meigo – você viu seu irmão sendo assassinado, conhece a dor que o Allan está sentindo.
— Conheço – deixei a lágrima descer – eu ajudo no que for preciso, mas por favor, não me peça para concordar com essa ideia de o Allan voltar para São Paulo. Eu não quero perdê-lo novamente.
— Ninguém quer – ela me abraçou, como se concordasse – ninguém quer.
Foi então que o Allan apareceu. Vestia roupas limpas, seu cabelo molhado, tão bem penteado, com os cachos que caiam sobre o seu rosto. A tristeza continuava estampada no rosto, me olhou, no fundo dos olhos e disse:
— Eu não vou voltar para São Paulo – falou enfim – mas eu quero ir até Recife, ver como a Emília está.