Capítulo 77
1343palavras
2023-01-25 18:20
Eu fiquei arretada que só, pelo fato de o Allan sair assim, tão apressado. Dona Francisca estava agitada desde a hora que ele saiu por aquela porta, e Mainha como boa amiga que era, tentava acalmá-la.
— Mulher, não deve ser nada – ela fez um garapa e entregou para Dona Francisca, que ignorou completamente – você mesmo disse que sua intuição havia falhado.
— A pois – ela estava com a moléstia – eu disse mesmo, até o Allan passar por aquela porta.

— Se acalme – mas Mainha parecia mais nervosa do que ela – daqui a pouco o Allan chega.
— Tem alguma coisa errada – ela massageava o peito como se quisesse acalmar o coração – alguma coisa me diz que o Allan está em perigo.
- Que diacho! – Mainha olhava para Francisca, depois olhava para mim – A Charlote vai atrás dele.
Eu arregalei os meus olhos e balancei a cabeça como negação.
— Não acho uma boa ideia – Francisca disse.
— Oxente! – Mainha estava arretada – Charlote agora é a noiva do Allan, pode muito bem ir atrás dele a hora que quiser.

— Quem precisa se acalmar agora é a senhora – eu cheguei perto de Mainha, apanhei a garapa que ela havia dado a dona Francisca minutos antes e dei para ela beber – não vai acontecer nada com o Allan.
Mainha olhou para mim meio impaciente e virou o copo de uma vez. Parecia duas mulheres aflitas, esperando uma bomba explodir a qualquer momento. Eu tentei me convencer que tudo aquilo era exagero entre as duas. Apanhei o celular no bolso de trás da calça e pensei em ligar para o Allan, mas desistir, eu não queria preocupar ele com toda aquela loucura de intuição da Dona Francisca.
Mas aí os minutos foram passando, o almoço esfriava. Nem Mainha nem Dona Francisca queriam comer e a agitação das duas acabou me fazendo perder o apetite.
— Vou pedir para o Chico ir atrás deles – Mainha se levantou apressada, mas Dona Francisca logo a impediu.

— Não faça isso, mulher – disse dona Francisca – não quero deixar o Natalino nervoso.
— Quem está ficando nervosa sou eu – me meti no meio das duas – mais que diacho, quantas vezes o Allan fez esse percurso e nunca, nada aconteceu com ele?
— Você não entenderia Charlote – ela foi ficando branca e tive até que segurá-la para não cair.
— Pode ser, dona Francisca – eu sentei ela de volta na cadeira – mas se não se acalmar, vai acontecer uma tragédia com a senhora.
Então elas se calaram.
E eu tentei acalmar meu coração, que agora socava o meu peito. Lembrei das inúmeras vezes que Mainha me contava sobre como as intuições de Dona Francisca nunca falharam. Ela ficava até arrepiada todas as vezes que tocava nesse assunto. Mas tudo tinha a sua primeira vez, não é mesmo? Eu queria acreditar que dessa vez dona Francisca estava enganada, mas a cada minuto que se passava eu ia perdendo a fé.
Foi quando veio um barulho lá de fora. A voz de painho se misturava com a do seu Natalino numa aflição só. Alguém veio correndo em nossa direção. Quando eu me virei, vi Bentinho, ofegante, com os olhos lacrimejando e as mãos cheias de sangue.
— O Allan... – ele disse
Eu perguntei o que tinha acontecido.
— Um tiro...
Veio outro barulho, quando me virei, Dona Francisca estava desmaiada no chão.
Todo mundo começou a falar ao mesmo tempo, enquanto Mainha e seu Natalino tentavam acordar Dona Francisca, eu e Painho tentava entender o que havia acontecido com o Allan.
— O Allan levou um tiro? – Painho perguntou e eu senti como se a próxima a desmaiar ali mesmo fosse eu.
— Jesus, Maria, José – Mainha chorava.
— Pelo amor de Deus, Bentinho – eu o sacudi, enquanto deixava as lágrimas rolarem – o que diacho aconteceu com o Allan.
— A gente estava na porta da casa do Mateus – ele tentava controlar a respiração. Bentinho estava apavorado – quando um homem chegou, perguntando quem de nós era o Allan...
— Não me diz que ele levou um tiro – painho continuava insistindo naquilo.
— Quem levou um tiro foi a Emília – confessou, atropelando os fatos.
— O que a Emília fazia lá? – eu perguntei – mas que diacho, Bentinho, explica isso direito.
— O tiro era para ter acertado o Allan – meu coração se descontrolou – o homem que atirou disse que tinha um presente do Fernandinho para ele...
— Aquele fi duma égua do Fernandinho – disse Painho.
— Quando ele atirou em direção ao Allan – engoliu a seco, estava avexado, como se tivesse pressa – a Emília já estava na frente dele e levou o tiro no lugar do Allan.
— Virgem santíssima – Mainha chorava tão alto que todo o arquipélago podia ouvir – isso é uma tragédia.
— A gente tem que ajudar a Emília, Charlote – ele me dizia, mas parecia que eu não estava ali. Não conseguia esboçar nenhuma reação – ela vai morrer se a gente não chamar ajuda.
Então eu vi o painho correr até a rua e ir em direção ao posto de saúde que havia em Noronha. Bentinho segurou na minha mão e saiu me compelido pela rua, avexado, nervoso, tremendo, em direção a casa do Mateus. Eu estava completamente atormentada, perdida nos meus próprios pensamentos, literalmente no mundo da lua como se a ficha não tivesse caído. Foi só quando eu cheguei lá e vi Emília caída no chão, com os paramédicos tentando reanimá-la, que de fato eu entendi o que estava acontecendo.
Então eu avistei o Allan, que agora estava com a roupa manchada de sangue. Pensei que ele havia se ferido, comecei a tremer. Seu olhar se chocou com o meu e eu corri em direção a ele.
— Você se machucou? – eu passava as mãos sobre o corpo dele como se quisesse encontrar qualquer ferida – meu Deus, Allan, diz para mim que está tudo bem?
Ele me abraçou tão forte, afundou o rosto sobre os meus ombros e chorou. Ele chorou tanto de um jeito que eu jamais havia visto.
— Eu estou bem – sussurrou, depois de alguns segundos – mas a Emília...
Ele não conseguia concluir a frase. Eu olhei para a Emília, que agora era colocada em uma maca às pressas, e colocada dentro de uma ambulância.
— Os paramédicos disseram – Betânia chegou, apressada, também suja de sangue – que eles vão transferir a Emília para Recife, mas que o estado dela é gravíssimo.
Mas por longos minutos ninguém conseguia dizer mais nada. O Allan continuava agarrado em mim, chorava baixinho, resmungava depois voltava a me abraçar com força, como se quisesse expulsar toda a dor com aquele gesto.
— A gente precisa ir para casa, Allan – eu dizia – a Dona Francisca ficou tão apavorada achando que era com você, que a coitada caiu durinha, visse.
— Charlote está querendo dizer que ela desmaiou – Bentinho concluiu – mas a culpa foi minha que não soube explicar as coisas direito.
Então eu observei o Allan se afastar, lentamente, com a cabeça baixa, o rosto vermelho. Enxugar as lágrimas e dizer:
— Se eu tivesse voltado para São Paulo – observava as mãos, sujas de sangue – nada disso teria acontecido.
— Oxente, homem – Mateus, estava lá, mas eu não havia reparado – todo mundo aqui sabe que a culpa não foi sua.
— Mas o tiro era para mim – ele continuou
— Deixe de leseira Allan – Bentinho tentou consolá-lo – A Emília vai ficar bem.
— Eu não teria tanta certeza – comentou Betânia – Eles tiveram que reanimar ela por duas vezes.
— Não piore as coisas, Betânia – disse, calma – o Bentinho está certo. Emília vai sobreviver.
— Se não fosse por ela – continuou Betânia – o Allan estaria mortinho agora.