Capítulo 76
1403palavras
2023-01-25 08:15
Andávamos apressados pela rua, não chovia mais, apesar do céu ainda estar carregado com nuvens negras. Um vento forte e frio nos atinge, fazendo os pelinhos do meu braço se ouriçar completamente. Todas as vezes que eu ia na casa do Mateus era impossível não olhar para aquela árvore. Ela continuava lá, como uma lembrança ruim de Jacob.
— Painho pediu para a administração, cortá-la – Bentinho disse com tristeza – ele faz a mesma cara que você quando olha para essa árvore.
— E o que eles decidiram? – pergunto sobre a árvore.
— Dizem que não há motivo para cortá-la – diz, com tristeza – já que ela não ameaça a segurança de ninguém.
— Que diacho – me lamento – mas com o tempo essa árvore, vai ser só uma árvore e não vai doer tanto lembrar o que aconteceu embaixo dela.
— Deus te ouça – ele juntou as duas mãos como súplica – porque eu não aguento mais ver a tristeza de painho todas as vezes que olha para ela.
E então, minha atenção saí da árvore e pousa na figura feminina que vem caminhando em nossa direção. Era Emília, que usava um óculos escuro para disfarçar o roxo que Bentinho tinha deixado no olho dela. Usava roupas compridas e não abriu um sorriso largo ao me ver.
— Oxente, Allan – paramos já em frente a casa do Mateus quando ela falou se aproximando – você não ia voltar para São Paulo hoje mesmo?
— A pois – eu sorri – decidi ficar.
— Para sempre? – perguntou, meio abilolada, enquanto um sorriso brotava dos seus lábios.
Mas antes de responder, vi o Mateus e o Fábio saírem de dentro da casa, fazendo a mesma cara abilolada que fazia Emília. Aqueles dois só viviam juntos.
— Nem acreditei quando escutei a sua voz lá de dentro – Mateu foi logo abrindo os braços para mim – o que fazes aqui?
— Eu disse que você saberia se eu resolvesse ficar – o abracei.
— E quem te convenceu? – perguntou Fábio.
— Que pergunta mais besta, homem – começaram, porque se tinha algo que aqueles meninos gostavam era de me provocar – até parece que não sabe que o Allan ama uma certa garota por aí, a tal da Lauren, conhece?
Caíram na gaitada. Mas aí, percebi que a única pessoa que não ria era Emília. O semblante dela ficou mais pesado do que aquelas nuvens, visse.
— A Charlote tinha que estar envolvida – ela estava arretada – aliás, aquela metida gosta de meter o nariz em tudo nessa ilha.
— Do que você está falando, Emília? – perguntei.
— Você acha que eu não sei que o Bernardo pediu para você e ela adotarem a Morgana?
— A Charlote não tem nada a ver com isso – disse – Bernardo pediu a mim.
— Eu tenho cara de idiota mesmo né, Allan – ficou virada no moi de coentro – os meninos acabaram de afirmar que você ficou por causa dela. O que eu posso presumir, então?
— O que você quiser – eu queria encerrar aquele assunto logo – não te devo satisfações.
— Você é um cabra safado, visse – ela continuava e não ia parar – se envolve a minha filha, me deve satisfação sim.
Eu pensei em gesticular, e falar umas boas verdade nas fuças da Emília, mas eu não havia ido ali para aquilo, entende? Eu só queria ver meus amigos, passar um tempo com eles e comemorar minha permanência em Noronha, mas Emília estava estragando tudo.
— Porque você está aqui, Emília? – perguntei
— Não mude de assunto, visse – ela estava disposta a ir até o inferno para me atormentar.
Eu olhei para Matheus, Fabio e Bentinho, que se seguravam para não cair na gaitada. Eu queria pedir socorro, mas pela cara animada que eles faziam diante da discussão, eu estava perdido e sozinho naquela guerra com Emília.
Mas foi aí que apareceu outra pessoa no meio da discussão.
— Mas que confusão dos diabos é essa na porta da minha casa? – Betânia veio andando apressada, atravessando a rua. Eu até tinha me esquecido que ela morava em frente a casa do Mateus – dá para ouvir o grito de vocês lá da praia do leão.
— Deixe de ser mexeriqueira – Emília disse, porque parecia que arrumar confusão só comigo não era o suficiente – não lembro de ter chamado voce na conversa.
— Você é uma infeliz das costas oca mesmo, né Emília – ela era baixinha, bem menor do que Emília, mas Betânia não demonstrava ter medo dela – fica dando show na porta da minha casa e não quer que eu me meta?
Acho que Betânia, até aquele momento, não tinha reparado que eu estava ali. Foi até engraçado quando os olhos dela pousaram nos meus.
— Oxente! – colocou as duas mãos na cintura, fazendo cara de abilolada – o que tu fazes aqui, Allan? Charlote me disse que você ia embora para São Paulo e ...
— Decidi ficar – eu estava cansado de dar sempre a mesma resposta, mas sorri para ela.
— E onde está a Charlote? – perguntou, passando os olhos como se tivesse a procurando – ela sabe que você está aqui?
— Como não? – então Bentinho, enfim, se pronunciou – tanto sabe que até foi pedida em casamento por ele.
Então foi uma zoeira só. Os meninos falavam ao mesmo tempo. Emília me questionava, Betânia se metia. Foi uma zorra só, mas eu não me importei muito. Eu tinha saudades até daquela confusão. Ver a turma reunida de novo, mesmo que incompleta, me trazia boas lembranças de Noronha. Era como se a gente tivesse retornado a infância e o roteiro se repetia.
Mas aí apareceu mais uma pessoa. Eu não lembrava de ter visto aquele homem em lugar nenhum. Vestia-se como um maloqueiro. Tinha uma aparência estranha e parecia desconfiado. Eu observei a sombra dele se aproximar, enquanto os meninos ainda discutiam. Ele tinha um volume na cintura, estranhei, e meu coração gelou quando ele falou:
— Quem de vocês é o Allan? – perguntou apontando para o nosso grupo.
De repente um silêncio se formou e todo mundo olhou para o homem. Eu sabia o que Bentinho pensava, então eu logo falei antes que ele fizesse uma besteira.
— Eu sou o Allan – falei, sentindo a mão do Bentinho pousar no meu ombro. Quando desviei o olhar até ele, soube que eu havia me metido em uma encrenca.
Observei Emília se aproximando de mim, como se quisesse projetar o corpo na minha frente.
— Eu tenho um presente do Fernandinho para você.
O Homem disse, enquanto deslizava a mão até o volume que se formava na sua cintura. Eu observei a blusa se levantar e o objeto luminoso, cor de prata, ser tirado de lá. Ele levantou a arma e apontou direto para mim. Foi tudo muito rápido, o tiro, Emília gritando, o homem fugindo.
Talvez eu não tenha visto o que realmente aconteceu porque fechei os meus olhos, esperando o impacto da bala contra o meu corpo. Mas não aconteceu. Quando abri os meus olhos, Emília estava na minha frente, olhando com os olhos arregalados para mim, com a boca entreaberta. Uma lágrima, outra e ela foi caindo como se quisesse desmaiar. Eu demorei para entender o que estava acontecendo, quando tentei segurá-la e senti um líquido escorrendo pelas suas costas. Era sangue.
— Meu Jesus amado do céu – dizia Betânia com as mãos trêmulas sobre a boca – Emília levou um tiro.
Eu segurei o corpo dela, sentando-se no chão, enquanto ela apagava. Bentinho correu para me ajudar, sujando as mãos de sangue.
— Chamem uma ambulância – eu gritava – rápido Mateus, chama uma ambulância.
Eu vi Bentinho correr em disparada em direção a minha casa, enquanto Mateus e Fábio voltavam para dentro da casa para chamar ajuda. Betânia se agachou desesperada, tentando acordar Emília. Colocou a cabeça sobre o peito dela e dizia: ela ainda está viva.
Eu não sabia se aquilo poderia ser um consolo. Eu rezava para Deus para que alguém pudesse ajudá-la a tempo.
— Ela salvou a sua vida, Allan – Betânia dizia, enquanto continuava monitorando os batimentos do coração de Emília – aquela bala, era o presente para você.
Então eu chorei!