Capítulo 75
1375palavras
2023-01-24 18:15
Que dia!
Decidir ficar em Noronha, assim, tão de surpresa, realmente deixou todos os meus amigos azuretados, visse. Quer dizer, não foi tão de surpresa assim, já que eu, lá no fundo, tinha decidido ficar, mas o que me faltava mesmo era coragem.
Cheguei em casa todo molhado, mas acho que Mainha nem tinha reparado nesse detalhe, ela estava feliz por ter o filho de volta e eu também por ter ficado. Mas tinha tantas coisas ainda para resolver, a ida de Bentinho para São Paulo, causas contratuais que eu havia quebrado, avisar o Mateus e o Fábio sobre a minha decisão e claro, como eu poderia me esquecer, meu casamento com Charlote.

Pois é, não é que eu tinha me decidido assim, de última hora, eu já havia pensado nisso várias e várias vezes, até tinha comprado um anel para dar ela alguns anos atrás. Foi em um dia quente em São Paulo, que eu e Mainha passeávamos pelo shopping quando eu vi aquele anel. Meus olhos brilharam, visse. Nunca tinha visto algo tão lindo como aquele anel. Charlote imediatamente veio na minha mente e eu comprei sem pensar duas vezes. Enfiei no bolso para que Mainha não visse e o guardei por quase quinze anos. Por muitas vezes eu peguei aquele anel só para me lembrar o quanto eu amava Charlote, porque às vezes eu deixava o caos de São Paulo me sufocar de tal forma, que eu esquecia até mesmo de mim.
Agora, o anel repousava no dedo de Charlote, no lugar onde sempre deveria estar. Ela estava tão sorridente, sentada ao meu lado, enquanto sua mão agarrava a minha, tão fortemente que parecia que eu iria fugir.
— Por que não me contou sobre o Bentinho? – perguntou, olhando bem nos meus olhos. Eu ficava hipnotizado com tanta beleza que mal me concentrava quando estava perto dela.
— O que tem o Bentinho? – perguntei com cara de abilolado.
— Oxente, Allan – ela dizia, tão perto que eu até poderia beijá-la de novo e de novo – você mesmo disse que o Bentinho vai para São Paulo o substituir.
— A pois – cai em si – eu não te contei por que foi uma decisão tomada agorinha a pouco, quer dizer, eu falei alguma coisa relacionada a isso com ele ontem a noite, mas como não tinha certeza de que eu fosse ficar, então...

— Como eu vou contar isso para Mainha? – ela me interrompeu, já com os olhos inundados.
— Não precisamos contar agora – tentei acalmá-la – eu ainda preciso conversar com seu Agenor e preparar tudo para a ida dele. Teremos tempo.
— Que diacho – a lágrima desceu dos olhos dela – É uma notícia triste por demais, visse.
— Bentinho não acha – passei meu dedo sobre o rosto dela, enxugando a lágrima que caia – mas se você preferir, vou para o aeroporto agora mesmo e volto para São Paulo.

— Deixe de leseira, Allan – ela fica arretada, e eu acho graça.
Mas aí Dona Lúcia chega com seu Chico e Charlote se vê obrigada a engolir o choro e disfarçar a tristeza. Eles estavam felizes demais com a minha permanência em Noronha, imagine como eles ficariam quando descobrisse que Bentinho iria no meu lugar.
Eu não queria me sentir culpado em relação a isso, quer dizer, a ideia de Bentinho ir para São Paulo era minha, e eu ficando aqui ou não, ele iria de todo o jeito. Aquilo era um desejo dele, não meu, e eu como um bom amigo apenas apoiaria.
Eu observava Bentinho, sentado do outro lado da sala, sorridente, conversando com o painho. Então seu Natalino se levantou e foi prosear com seu Chico, na varanda que ficava em frente a nossa casa, e eu aproveitei o momento para ir falar com ele:
— Vamos lá na casa do Mateus? – perguntei – eu prometi que ele seria o primeiro a saber, quer dizer, um dos primeiros.
— A pois – Bentinho não tirava o sorriso do rosto – o cabra vai ficar feliz por demais, visse.
Então, eu o observei, que segurava uns gibis velhos que eu tinha, escolhendo um para ler. Ele estava tão feliz, de um jeito que a muito tempo eu não via.
— Charlote está preocupada – eu disse, fazendo ele voltar a atenção para mim – com a sua ida para São Paulo.
— Você acha que vai demorar muito? – perguntou ansioso, esquecendo até mesmo, da preocupação de Charlote – a minha ida para lá?
— Sabe como é essas coisas, Bentinho – mas ele não sabia – preciso conversar com seu Agenor e combinar tudo.
— Que diacho! – então o sorriso desapareceu – tenho medo de não conseguir, sabe, ser tão bom quanto você.
— Oxente! – falei, sorrindo, talvez para aliviar a tensão que havia nele – você é um cabra esperto e esforçado. Vai aprender rápido e será melhor do que eu fui.
— Você acha, Allan?
— Eu não acho – pousei uma das mãos no ombro dele – tenho certeza.
— Então, já que não vai ser por agora – falou, meio desconfiado – você podia aproveitar esse tempo e me ensinar tudo o que sabe.
— Oxê! – sacudi ele – claro que sim, meu amigo. Te ensino até conquistar as boyzinha de lá.
Ele sorria, estava animado, um pouco ansioso, mas não conseguia raciocinar além do que isso.
— Quando pretende contar para dona Lúcia?
Essa pergunta o fez voltar à realidade. Talvez Bentinho estivesse no mundo da lua, sonhando com São Paulo e o novo emprego, por isso eu disse que ele não conseguia raciocinar. Estava distraído demais, sonhando com as possibilidades.
— A pois – a alegria foi embora – eu não sei. Mainha não vai concordar com isso.
— Qual a mãe concordaria? – perguntei.
— Eu nem quero pensar nisso agora, visse – então voltou a sorrir – você mesmo disse que teremos tempo, então...
Mas aí, Charlote se aproximou, com aquela cara de palhacinha que só ela conseguia fazer, e nos obrigou a encerrar o assunto.
— Por que estão cochichando? – ela disse baixinho, para dar ênfase no que dizia.
— Estamos? – questionei, me fazendo de desentendido – nem percebi.
— Eu te conheço tão bem, Allan Gesser – era nessa hora, quando ela dizia meu nome e sobrenome, que o negócio ficava feio para o meu lado – eu sei quando está me escondendo alguma coisa.
— Oxente, Lauren – falei, também usando o sobrenome dela – eu nunca te escondi nada, visse, eu só demorei para contar.
— A pois – aproximou seu corpo do meu, sorrindo, me olhando bem nos olhos – e o que você está demorando para me contar?
Aí eu não aguentei, vei. Esse jeito dela, me olhando, com o corpo grudado no meio me faria contar até os segredos do mundo inteiro. Charlote conseguia me deixar louco.
— A gente só estava combinando de ir ao Mateus – confessou Bentinho – contar para ele que o Allan decidiu ficar.
— Avalie só – beijei ela antes de continuar – lembrei que preciso avisar a Mainha que vamos lá agora.
— Agora? – Charlote perguntou, mas eu saí compelindo-a até a cozinha.
E foi uma falação só, Bentinho comentava sobre Fábio e eu dizia que iríamos lá depois, Charlote dizia que queria ir junto, mas eu discordava, fazendo Bentinho listar os motivos pelos quais ela não podia ir. Eu deixei Mainha e Dona Lúcia azoretada com tanta ralação, visse.
Mas foi no meio da confusão toda que acabou escapulindo que Bentinho iria embora para São Paulo. Fiquei com o coração partido por Dona Lúcia, que ouvindo aquilo parecia até que estava enterrando outro filho. Mas ela era uma mulher forte e compreensiva, logo entendeu que aquela decisão seria boa para o filho. Nessa falação toda eu quase me esqueci de avisar a Mainha que eu iria na casa do Mateus. Ela pareceu não gostar da ideia, e eu sabia que alguma coisa andava incomodando dona Francisca. Mas eu dei um jeito de amarrar meu jegue e partir junto com Bentinho, antes que ela tentasse me convencer a ficar.