Capítulo 71
1011palavras
2023-01-18 21:58
Aquela foi a noite mais longa da minha vida. Eu rolava de um lado a outro da cama e não conseguia dormir. Pensava em Charlote, em como eu contaria para ela sobre a minha volta a São Paulo. Eu precisava convencê-la que eu voltaria um dia, mas nem eu mesmo acreditava nisso. Mas ela apareceu naquela manhã, enquanto eu me preparava para partir, e juro, foi pior do que a primeira vez quando fui embora de Noronha. Não pude me despedir, não houve abraços, nem beijos, nem promessas vazias, apenas a mulher da minha vida, partindo com um coração destruído por mim. Eu ainda tomava meu café, ou tentava comer alguma coisa, mas nada descia, minha garganta estava completamente tampada com o choro que eu fui obrigado a engolir.
— Come alguma coisa, meu filho – Mainha insistia.
— Estou sem fome – respondi ela, enquanto esperava Bentinho ir lá me buscar.
— Eu e minha boca grande – ela resmungou – eu não devia ter falado para Charlote que você ia embora. Mas que diacho, visse.
— A culpa não foi sua – sussurrei – eu não pedi para guardar segredo.
— Allan, meu filho – ela puxou uma cadeira e sentou-se ao meu lado – qualquer um percebe que você não quer ir embora.
— Mas eu preciso – olhei nos olhos dela e tive vontade de colocar para fora aquele choro que me sufocava.
— Não precisa – continuou – não pode se obrigar a fazer algo que não quer, só para agradar seu Agenor. Não cometa esse erro, meu filho.
Eu me calei e não tive tempo nem de pensar sobre aquilo, escutei uma buzina vindo lá de fora, era Bentinho. Eu queria fugir das despedidas, evitar aquela dor de deixar as pessoas que eu amava para trás. Apanhei minha mala que já estava na sala e Mainha vinha logo atrás de mim, chorosa. Eu olhava para ela querendo chorar também. Engoli o choro pela décima vez e fiz o que precisava fazer:
— Não demore para me dar notícias, Allan – enxugou as lágrimas, enquanto me abraçava inconsolada. – Se cuide, visse.
Seu Natalino me deu aquele abraço camarada.
— Tem certeza que é isso que você quer, meu filho?
— Não, painho – então uma lágrima desceu, enfim – Estou fazendo o que eu acho que é o certo.
Nem eu acreditava no que estava dizendo. O certo não era abandonar tudo o que eu amava, para tentar conquistar o mundo, quando o meu mundo estava aqui. Mas no fundo eu só queria provar para mim mesmo que eu era corajoso em deixar todo o sentimentalismo para trás e ir viver uma vida nova. Então sai da minha casa e observei a rua me despedindo daquilo que fez parte da melhor fase da minha vida. Eu estava indo embora, mas meu coração ficava ali.
Entrei no carro com Bentinho, acenei pela última vez para os meus pais e partimos rumo ao aeroporto. Não havia sol em Noronha, apenas nuvens negras predominando no céu. Desejei ver o pôr do sol em Noronha pela última vez, porque era a coisa mais linda do mundo. Tudo era mágico em Noronha, as praias, as pessoas e as lembranças que a cada quilômetro, iam ficando para trás, desaparecendo no retrovisor do carro. Foi então que Bentinho aumentou a minha angústia:
— Eu acho que eu nunca vi minha irmã tão borocoxô na vida – falou – nem quando Jacob morreu ela ficou assim. É uma tristeza diferente, sabe? Ela gosta demais de ti, visse.
— E eu dela – meu coração acochou – compartilhamos do mesmo sentimento.
— Então por que você não fica? – estacionou o carro em frente ao terminal – Ela ainda guarda o ursinho de pelúcia e blusa que você deu a ela, sabia? Eu sei disso porque diversas vezes, quando a porta do quarto dela estava meio aberta eu espiava e via ela abraçando esses troços como se isso te aproximasse mais dela.
Foi então que o meu coração se partiu em mil pedaços. As recordações daquele dia, em que eu corria debaixo da chuva ao encontro da gordinha que eu tanto amava. Lembro que lamentei por horas por ter percebido aquele amor tarde demais. Que eu podia ter vivido momentos incríveis ao lado de Charlote, mas que por distração ou negação talvez, eu permita o tempo passar até ser tarde demais. Então o céu desabou e a cena do nosso último beijo invadiu todos os meus pensamentos.
— O que diacho eu estou fazendo? – Perguntei a mim mesmo e Bentinho olhou para mim, sorrindo.
— Sendo um cabra medroso, visse – zombou de mim – mas ainda gosto de tu.
— Me leve de volta para sua casa – pedi.
— Oxente, hômi – pareceu surpreso – e seu voo?
— Borimbora, Bentinho – rodei a chave na ignição – Não vou mais pra São Paulo, leseira. Eu vou ficar aqui.
— Agora eu gostei, visse – deu ré no carro quase causando um acidente e meteu o pé, feliz da vida – Eu disse para ela que te levaria de volta, avalie só, o quanto Deus foi bom comigo.
Então ele pisou o pé no acelerador e partimos ao encontro de Charlote. E os minutos que antes corriam depressa, agora parecia estacionar no tempo. Entre o aeroporto até a casa de Charlote até pareceu uma eternidade.
No caminho mandei uma mensagem de voz para o seu Agenor
“Me desculpe patrão, mas eu decidi ficar em Noronha. Estou pedindo minha demissão e desejando sorte na sua nova empresa. Eu vou enviar alguém no meu lugar, bem mais capacitado do que eu para trabalhar ao seu lado. Resolvemos tudo depois. Ah, diga para Roberta que eu jamais a esquecerei. Adeus!”
Bentinho olhava para mim, sorrindo, como se aquilo fosse a aventura mais importante de toda a sua vida. Acho que nunca o vi tão feliz em toda a vida.
— Se prepara Bentinho – eu disse – em breve você viaja para São Paulo.