Capítulo 70
978palavras
2023-01-18 21:58
— Avião? – talvez eu tenha só sussurrado, não sabia, mas lembro de uma lágrima brotar nos meus olhos, pronta para cair.
— O Allan não te contou? – ela me perguntou afirmando que havia escutado bem o que eu havia dito – sinto muito, Charlote.
Então eu desabo na cadeira bem atrás de mim e sinto como se o mundo inteiro desaparecesse. Que diacho! Eu tenho vontade de gritar ali mesmo. Então a lágrima desce, com gosto amargo direto no meu coração.
Dona Francisca saiu apressada e eu escutei os passos dela subindo as escadas. Depois ela desceu com a mesma velocidade que havia subido. Estava avexada, oferece a garapa para mim, antes de dizer:
— Se avexe – passeia com as mão sobre as minhas costas, como um consolo – vai lá falar com o Allan.
Com certeza eu iria. Me levantei arretada. No primeiro momento senti ódio dele, por mais uma vez esconder de mim que iria embora. Depois, sentir medo de como seria o meu futuro sem ele, e no final, quando avistei seu Natalino na porta do quarto dele, sinto que preciso me acalmar. Parei no meio do caminho, enxuguei as lágrimas e reformulei tudo que precisava falar com ele, respirei fundo, busquei a coragem que estava escondida dentro de mim em algum lugar e dei um passo após o outro, para talvez, dar o último adeus ao grande amor da minha vida. Então seu Natalino passou por mim, eu lhe ofereci um sorriso e me preparei para a batalha final.
Ele refazia as malas quando eu parei ainda na porta aberta do quarto dele. Tive vontade de chorar quando constatei que ele iria mesmo embora sem falar nada comigo. Então ele olhou para mim, e uma explosão de sentimentos invadiu o ambiente. Allan parecia desesperado, triste, apavorado. Eu, bem, eu queria desaparecer dali imediatamente e esquecer que um dia ele fez parte da minha vida. Mas uma vez ele estava destruindo meu coração.
— Então você vai mesmo embora?
Não olhou nos meus olhos. Virou o rosto como se quisesse esconder a dor que sentia.
—Vou pegar o primeiro voo agora pela manhã – sussurrou – Eu vou voltar, eu só preciso de um tempo para resolver tudo por lá e…
— E o que? – Então olhei para ele, arretada que só – Vai me fazer promessas vazias de novo, Allan? Vai me fazer ficar te esperando por mais 15 anos? Eu não quero, visse. Se você for embora, não volte nunca mais.
— Eu não queria que fosse assim – então seus olhos se chocam com os meus novamente, inundados e lentamente ele caminha em minha direção – eu amo tanto você.
— Mas iria embora sem se despedir – sussurro, e quando percebo ele já está lá, perto de mim – eu queria nunca ter te conhecido, Allan Gesser.
Ele engole a seco, mas no fundo sabe que o que eu estou dizendo não é verdadeiro.
— Eu queria poder nascer um milhão de vezes, só para viver tudo de novo ao seu lado.
Uma lágrima depois outra. Nada do que ele disser vai mudar o que eu estou sentindo agora. Nada do que eu falar vai fazê-lo mudar de ideia. Fechei os meus olhos tentando engolir o choro, e vou me afastando dele aos poucos. Eu não quero despedidas, não dessa vez. Prefiro que ele se vá, sem olhar para trás me prometendo o que não pode cumprir. Olhei para ele pela última vez, enxugando as lágrimas e vou embora. Desço as escadas apressada e nem me despeço de Dona Francisca. Corri pela rua, que tantas vezes percorri, feliz, cheia de sonhos, que agora só ficam com as gotas das minhas lágrimas que molham o seu chão. Alguém já morreu por amar tanto? Se não, eu seria a primeira. Então me vejo obrigada a parar de correr. O ar parece faltar nos meus pulmões e eu deixo o desespero tomar conta de mim. Queria gritar, mas nem lembro onde foi parar a minha voz. Que vida injusta, nunca me deu a chance de viver um grande amor. Eu levaria aquilo para o túmulo comigo, nada nessa vida me faria deixar de amar o Allan. Nem sequer se deu o trabalho de vir atrás de mim, me deixou ir sem culpa ou remorso. Chego em casa e vou direto para o quarto. Minha cabeça começa a doer, só pode ser um pesadelo, só que dessa vez sou eu que levo um tiro direto no coração. Então sinto alguém se sentar na cama onde estou debruçada. Eu reconheci aquele cheiro, era Bentinho.
— Eu sinto muito, Charlote – ele falou baixinho e eu sei que está sendo sincero – me desculpa por não ter te contado.
— A culpa não é sua – falei entre uma lágrima e outra e é tudo o que consigo dizer.
— Eu tentei convencê-lo a ficar – tentou me consolar – e eu ainda acredito que ele vai ficar.
— É tarde demais para criar expectativas – continuo com o rosto enfiado no travesseiro – o Allan não quer ficar.
— Ele só está se sentindo pressionado – continua, mas se cala por alguns segundos e levanta – vou levá-lo até o aeroporto.
Aquilo faz meu coração quase explodir de tanta dor.
— Vou torcer, para que no final, possa trazê-lo de volta até você.
Mas eu não digo mais nada. Minha voz é entalada pelo choro que volto a derramar. Escutei Bentinho ligar o carro e partir, levando com ele toda a minha esperança. Eu sei que eu não deveria ficar aqui chorando por alguém que decidiu seguir sem mim, mas só por hoje eu queria me trancar no quarto e chorar tudo o que tenho direito. Não queria guardar nenhum ressentimento para que talvez assim eu consiga seguir minha vida em paz.