Capítulo 67
1189palavras
2023-01-18 21:57
Eu estava no portão de embarque para ir a Fernando de Noronha, quando avistei aquela mulher buchuda, carregando com dificuldades a sua mala. Eu não pensei duas vezes, saí do meu lugar na fila e a ajudei a carregar o peso. Ela era baixa, um tamborete de zona, cabelos encaracolados, morena. Era a coisa mais linda que eu já havia visto em toda minha vida todinho, visse. Ela olhou para mim, constrangida, envergonhada.
— Não carece a preocupação – falou sem graça, mas em momento me impediu de ajudá-la – mas fico agradecida mesmo assim.
— Não tem de quer – respondi com um sorriso largo no rosto – Não tem ninguém para te ajudar com essas coisas?
Eu perguntei com segundas intenções, não vou negar. Eu queria saber se ela era casada, porque de jeito maneira queria qualquer confusão ao meu lado. Ela demorou para me responder, como se pensasse na resposta que daria.
— Estou sozinha – então desvia o olhar, depois olha para mim. Fiquei todo arrepiado – eu vim realizar uns exames, mas já estou voltando para Fernando de Noronha.
— Que grata surpresa – falei, aliviado – também estou indo para Noronha. Arrumei um emprego por lá, sabe. Sempre foi meu sonho morar no arquipélago.
— Oxente! – ela achou graça – a maioria das pessoas saem de Noronha para arrumar emprego e você, sabe...
— Eu entendo – conversávamos como velhos amigos, mas eu nem sabia o nome dela – Eu sou o Natalino.
Estendi a mão para ela, me apresentando.
— Eu sou Francisca – ela disse.
O toque da sua mão fez o tempo parar. Pareceu até uma eternidade para que eu voltasse à realidade.
— Está com quantos meses? – eu olhei para a barriga dela.
— Ah! – ela sorriu – sete meses, e é um menino.
— A pois – bradei – o pai deve estar muito feliz.
Então o sorriso desapareceu dos lábios dela. Abaixou a cabeça.
— O pai dele faleceu – Francisca parecia até que iria chorar – Em um acidente de carro enquanto trabalhava aqui em Recife.
— Eu sinto muito.
— Agora somos só eu e o menino – levantou o olhar até mim.
Eu não sabia o que dizer a ela, mas Francisca parecia ser uma mulher forte, determinada. Ajeitou a postura, engoliu o choro e pôs a falar:
— Aconselho que voltemos para a fila – apontou para o local, onde as pessoas já se moviam – se não vamos perder o voo.
— Ah, claro – caminhamos apressados até lá e um silêncio se prolongou até entrarmos no avião – então a gente se vê em Noronha.
— Com toda a certeza – o sorriso dela era lindo.
E foi o que aconteceu. Eu me alojei provisoriamente na casa do dono do restaurante que futuramente me contrataria, digo isso porque meu emprego como vigilante durou pouco, logo fui despedido, e fui trabalhar no melhor restaurante de Noronha. Ia todos os dias visitar a Francisca. Passamos horas proseando, enquanto tomávamos café. Ela tinha uma casa boa para morar, talvez a casa mais bonita de Noronha. O pai do menino que ela esperava, havia sido um grande empresário, e deixou para Francisca uma herança boa para que ela conseguisse se manter por um tempo.
Mas as coisas foram avançando entre nós e quando eu percebi já estava pedindo-a em casamento. Francisca estava com nove meses quando selamos a nossa união.
As coisas aconteceram tão rápido que no dia seguinte ela entrou em trabalho de parto. Crianças não podiam nascer em Noronha, então precisávamos pegar um avião e ir para Recife. A cada turbulência, Francisca soltava um gemido. Eu estava me borrando de medo daquele menino nascer ali. Foi só o tempo de chegar no hospital e o menino nasceu. Eu escutei o choro dele e imediatamente comecei a chorar. Quando olhei para aqueles olhinhos tão pequenos, eu o amei como se fosse meu. Eu chorava feito um abilolado.
— Ele vai se chamar, Allan – bradei, enquanto segurava aquele pedaço de gente nas minhas mãos.
— Bonito nome – Francisca concordou – O Allan terá o melhor pai do mundo.
Eu era o homem mais feliz do mundo. Nunca me importei com o fato de o Allan não ter o mesmo sangue que o meu. Eu vi aquele menino nascer. Eu o amei desde o primeiro momento. Não era desonra para um homem cuidar de um filho que não era seu, vergonhoso era abandonar aquele que era, fingindo não ser.
Quando seu Chico e dona Lúcia chegaram a Noronha, Allan ainda era um recém-nascido. Lúcia logo deu à luz a uma menina, que chamaram de Charlote. E quem poderia imaginar que a amizade das nossas famílias iria gerar um amor entre amigos. Aqueles dois não se desgrudaram, e conforme iam crescendo a preocupação de Dona Lúcia foi aumentando também.
— Lúcia acha que Charlote anda de chamego com Allan – Francisca falava, enquanto coava o café – avalie só, homem, eu disse a ela que vamos ficar de olho no Allan.
— Oxente! – no princípio achei aquilo um absurdo – o que podemos fazer então? Separar os dois?
— Não exagere, homem – ela encheu um copo e ofereceu a mim – Allan e Charlote são duas crianças. Isso é coisa da cabeça de Lúcia.
Francisca nunca acreditou naquela hipótese, de que poderia acontecer um romance entre Allan e Charlote. Conforme o Allan foi crescendo e ficando um rapaz, ela começou a desenvolver um ciúme do filho. Ficava irritada quando algumas meninas do colégio estavam lá na porta atrás dele. A única menina que Francisca não se importava era com Charlote, mesmo que muitas vezes a gente percebesse que havia sim um interesse dela em relação a ele.
— Avalie só, homem – ela colocava as duas mãos na cintura – aquela tal de Emília, filha do diretor da escola, que vive aqui na porta de casa atrás do Allan.
— Oxente, Francisca – eu tentava acalmá-la – o que quer que eu faça?
— Converse com ele – ela parecia até uma xícara quando colocava as mãos na cintura – explique a ele que ainda é muito novo para pensar nessas coisas e que precisa estudar.
— Está certo – concordei com ela – mas teremos que afastá-lo também da Charlote.
— Lá vem você com esse papo besta – voltou a pegar a vassoura e varrer a casa pela décima vez – até parece a Lúcia falando.
— E por que ela pode ficar perto dele e as outras não?
— Allan e Charlote são apenas amigos – afirmou – e se for para ele chamegar com alguém aqui em Noronha, que seja com ela, não com aquele metida a cavalo do cão da filha do diretor.
Eu rir de Francisca, porque a preocupação dela não era Allan chamegar, mas com quem ele faria isso.
— Eu não gosto daquela menina, Natalino – parou, segurando a vassoura com uma expressão estranha no rosto – Aquela tal de Emília se parece com a mãe, e isso me cheira a encrenca.