Capítulo 61
1080palavras
2023-01-18 21:56
As pessoas me tratavam como se eu fosse um monstro, talvez porque eu agisse assim, mas durante toda a minha vida ninguém me ofereceu ajuda ou amparo. Assim como os meus vizinhos, os alunos daquele colégio assistiram toda a maldade que eu causei e nenhum se pôs a ajudar a Margarida. No fim todos me pareciam iguais. Sentiam-se injustiçados, mas praticavam injustiças. Me tratavam como uma aberração, mas participavam do espetáculo sem culpa ou remorso. Será que o monstro era somente eu?
Então o painho se levantou e eu me dei conta de que não havia escutado quase nada da conversa deles. Ele se despediu da diretora e foi caminhando avexado pelos corredores do colégio. Pediu para que eu pegasse meu material que nós iríamos embora. Aquele era o fim.
— Painho foi o caminho inteiro calado e de cabeça baixa. Eu também não ousei tocar no assunto, mas o que ele havia me dito rondava minha mente me perturbando a cada minuto. Chegamos em casa e Emília não estava lá, o que não era nenhum problema para mim, já que ela pouco se importava com o que acontecia na minha vida. Mas eu precisava conversar com o painho, ele merecia minhas desculpas e uma justificativa qualquer para o que eu havia feito.

— Onde eu vou estudar agora?
Ela sentou em um dos sofás da casa, abaixou a cabeça e pensou. Ele estava arretado.
— Deveria ter se preocupado com isso antes – sua voz era branda. Não havia fúria nele.
— Desculpe, painho – sentei ao seu lado – eu sinto muito.
— Não é a mim que você precisa pedir desculpas, Morgana – enfim, lançou o olhar até mim e eu não gostei nada do que vi – apesar de ter sido também a mim que você ridicularizou.
— Foi só uma brincadeira.

— Não foi – ele gritou. Painho raramente gritava comigo – humilhar as pessoas não é uma brincadeira.
— Mainha diz que sim.
— Avalie só – ela se levantou avexado, agitado – sua mãe é uma péssima influência e eu não quero que você se pareça com ela, entendeu?
Eu não disse nada, porque mais uma vez ele repetia aquilo de se parecer com Emília, e eu ficava com calafrios.

— Eu não quero que você siga o mesmo caminho que a sua mãe, Morgana – voltou a ficar calmo – vou te transferir para o único colégio que pode te ajudar.
Caminhou em direção ao seu quarto e ligou para alguém. Só existia um lugar em Fernando de Noronha que eu ainda não havia estudado, o colégio princesa Isabel. Era considerado o melhor colégio do arquipélago pelo excelente trabalho que vinha fazendo contra o bullying. Eu acreditava ou negava a mim mesmo, que minhas brincadeiras não encaixavam nessa categoria, por isso sempre achei loucura painho procurar ajuda. Mas às vezes nem eu entendia porque eu fazia aquilo. Às vezes era como descarregar a minha raiva e toda a dor que eu vinha acumulando. Outras vezes era só por diversão mesmo. Eu sentia prazer em ver o sofrimento alheio, e painho tinha razão quando dizia que eu me parecia com Emília. Nós éramos exatamente iguais.
Foi então que ela chegou no meio dessa confusão e o caos se instalou naquela casa. O nome de Charlote e Allan voltaram a cena e eles, mesmo não estando entre nós, conseguiram causar um desastre dentro da minha casa. Emília estava inconformada que eu iria estudar no mesmo colégio que ela estudara anos atrás. Eu ainda não entendia o porquê das suas justificativas, até conhecer a Charlote. Até ela me estender a mão.
1
A tal da Charlote
Quando fui transferida para o colégio Princesa Isabel prometi a mim mesma que eu não seria igual a Emília. Que eu precisava mudar o foco e esquecer a dor ou tentar descartá-la em outra coisa que não fosse outra pessoa. Na primeira semana tudo saiu como o planejado. Eu me foquei apenas nos estudos e tentei distrair minha cabeça com milhares de outras coisas que não fosse o caos da minha vida. Mas as coisas foram se acumulando, os insultos de Emília contra mim, os xingamentos. Tinha dias que eu chegava da escola com fome e não tinha nada preparado para comer. Então eu ia cozinhar. Ela me obrigava a arrumar toda a sua bagunça. Era como uma escravidão e se eu não obedecesse às suas ordens era colocada de castigo.
Como uma adolescente de 15 anos pode aguentar isso por tanto tempo? Eu tinha planos para o futuro, eu queria arrumar um emprego, ter uma profissão, ser independente e ir embora de Noronha. Mas cresci ouvindo das pessoas que Noronha era um péssimo lugar para alguém que queria crescer financeiramente. Se você não fosse o dono de um hotel ou de uma agência de turismo, ser sucedido ali era quase impossível. Mas eu precisava tampar os meus ouvidos para o pessimismo das pessoas e tentar. Tentar qualquer coisa que pudesse me salvar daquele inferno em que eu vivia.
Eu até tentei focar no meu futuro, ser uma garota normal e sonhadora, mas a minha realidade sempre me puxava para baixo, para o abismo que eu não podia fugir.
Na segunda semana no novo colégio eu comecei a ficar arretada com a Maria. Era uma garota de estatura média, corpo normal para uma menina de 15 anos. Cabelo bonito, pele bem tratada. Não havia nada de anormal na aparência dela. Mas ela era inteligente demais e seu exibicionismo exacerbado me irritou e fez renascer aquela necessidade que só eu tinha de querer ver o sofrimento alheio. A voz dela me irritava. A sua postura de boa menina quase me levou a loucura. Eu odiava gente metida e ao meu ver ela se sentia superior a todo o resto.
Sem nem perceber eu já estava na ativa de novo. Como sempre, eu comecei com as piadas de mal gosto. Maria parecia não se importar muito e aquilo me irritou ainda mais. Só que as coisas foram crescendo e quando me dei conta estava sendo chamada na diretoria mais uma vez. Foram várias advertências e algumas suspensões, mas eu não conseguia parar. Maria era minha próxima vítima e ela precisava pagar pela sua insensatez.
Foi a primeira vez que eu escutei o nome da Charlote naquela escola. A diretora havia me dito que ela cuidaria de mim, mas não houve tempo de conhecê-la formalmente. Mas uma vez eu passei dos limites.