Capítulo 60
1048palavras
2023-01-18 21:55
Eu não saberia explicar quando eu comecei a ser violenta na escola. Eu era uma garota introvertida. Aprendi a não confiar em ninguém e a não ter amigos. No meu entendimento, as pessoas de Fernando de Noronha não se importavam com a minha dor, então eu não teria porque confiar em nenhum deles.
Quando me transferiram para a escola Princesa Isabel, eu já cheguei lá com fama de menina malvada. Os boatos da minha última agressão já rolavam nos ouvidos dos mexeriqueiros. Quer dizer, não eram boatos, realmente eu tinha feito aquilo que eles diziam, mas na minha percepção não havia sido tão grave assim.
Ela era uma menina magricela, que a gente apelidou de “Olivia palito”. Margarida, era o nome dela. Alta, cambitos, zambeta, usava óculo fundo de garrafa e era azuretada, lerda mesmo. Aquela menina nasceu para ser uma piada. Era sempre eu que começava as provocações, e meus colegas de turma iam na onda. No começo era só isso mesmo, apelidos, gozações, e risos com a cara da Olívia palito, mas com o passar do tempo as coisas foram ganhando uma outra proporção e quando me dei conta já estava fora de controle.

— Oi – eu sentei ao lado da Margarida e ela se encolheu toda. Apesar da garota ser maior do que eu, ela morria de medo de mim.
— O que você quer? – sussurrou e eu quase não entendi o que ela falava.
— Só quero conversar com você – também sussurrei, no pé do ouvido dela.
Aquela sensação que eu causava nela me dava prazer. Vê a garota se tremendo toda me faz sentir algo inexplicável. Ela levantou-se avexada e começou a caminhar apressada pelo pátio da escola. Eu não pensei duas vezes e corri atrás dela. Arranquei os óculos do seu rosto e comecei a rir. Eu não sabia exatamente que eu via graça naquilo tudo, mas eu ri de prazer em ver ela tão indefesa.
— Devolva meus óculos – ela pediu.
— Peça por favor – eu queria ver ela se humilhar diante de mim.

— Por favor – ela estava a um passo de chorar – eu não enxergo sem eles.
Aos poucos os outros alunos iam chegando e se aglomerando ao redor da gente.
— Vai chorar que nem uma criancinha? – provoquei risos – você quer seus óculos? Então vem buscar.
Provavelmente Margarida só enxergava vultos sem aqueles óculos. Ela até enxergava o meu vulto, mas não conseguia me alcançar. Eu brincava com a cara dela, como se ela fosse um bicho, um touro e eu o toureiro gritando olé. Todos ao nosso redor riam sem parar. Ela caiu umas três vezes diante de mim. Sua respiração estava ofegante, seu rosto encarnado. Seus olhos cheios de lágrimas. Mas eu não sentia piedade dela, pelo contrário, eu queria mais. Queria que ela sofresse.

Foi então que no meio da euforia em ser o centro das atenções eu em um único gesto abaixei o short escolar que ela vestia. Margarida ficou seminua na frente do colégio inteiro. Sua parte íntima estava à mostra para todos verem e os risos aumentaram cem decibéis. A menina tentou tapar a nudez com as mãos, o que foi quase impossível. Ela chorava e suas lágrimas eram como rios. Eu, vendo os aplausos do meu feito me empolguei um pouco mais e joguei os óculos no chão os pisoteando. Foi exatamente nessa hora que a diretora chegou, furiosa e incrédula com o que estava acontecendo. Logo os risos cessaram, os aplausos morreram e todos fugiram feito criminosos, me deixando sozinha para levar toda a culpa. A diretora arrancou o casaco que vestia e cobriu a nudez da Margarida e eu continuava lá, pregada no chão, sem conseguir esboçar nenhuma reação a meu favor.
— Vá para a direção imediatamente, Morgana – ela não gritou, mas eu senti como se estivesse.
Eu esperei quase meia hora até a diretora aparecer, ou pelo menos eu tive essa sensação de ter esperado tanto. Ouvi ela no telefone conversando com painho. Fudeu a tabaca de chola. Eu estava em uma encrenca e viria chumbo grosso por aí.
Quando ela entrou na sala meu coração imediatamente congelou, quando eu olhei para além dela e meus olhos se chocaram com os do meu pai. Ele olhou para mim, furioso, outrora, decepcionado, eu não saberia descrever. Aquela foi a primeira vez durante aquele dia que eu senti medo de verdade.
Painho sentou-se ao meu lado, eu sabia que a vergonha que ele sentia naquele momento era maior do que qualquer sentimento. Ele não olhava para mim, estava atento a tudo o que a diretora falava.
— Ela quebrou os óculos da menina – continuava, mas sua voz parecia distante – pisoteou como se fosse uma barata.
— Compreendo – painho balançava a cabeça a tudo que ela falava.
— Ridicularizou uma colega na frente do colégio inteiro. A coitada estava nu.
Foi então que eu comecei a rir. Eu lembrava da cena da Margarida sem suas pétalas e o riso era quase inevitável. Talvez eu tivesse algum tipo de psicopatia herdada da Emília, mas eu sabia que meu comportamento não era normal.
— Onde está a graça, Morgana? – meu riso foi imediatamente cessado pelo olhar rígido que painho lançou até mim – você tem ideia do que você fez aqui?
— Foi só uma brincadeira – revirei os olhos, mas antes consegui ver o horror no rosto do Bernardo.
— Uma brincadeira? – ela me perguntou incrédulo – você é igual a sua mãe.
Aquilo foi uma ofensa para mim e eu fiquei com essas palavras martelando na minha mente o dia quase inteiro. Eu não queria ser igual a Emília, porque ela era a pessoa mais desprezível que eu havia conhecido em toda a minha vida. Mas painho tinha suas razões, eu agia igual ela ou talvez até pior.
Quando voltei a si a diretora dizia a painho que eu estava expulsa do colégio.
— Uma suspensão talvez – ele gesticulava, tentando fazer ela mudar de ideia – eu prometo que isso não vai mais se repetir.
— Não mesmo – ela assinava o papel da minha sentença – por isso estou a expulsando. E aconselho ao senhor procurar ajuda psicológica para a sua filha, imediatamente.