Capítulo 54
1297palavras
2023-01-18 21:54
Parecia uma obsessão. Eu dormia e acordava pensando naquilo, mas não encontrava nenhuma solução para o meu pesadelo chamado Allan. Que diacho! E pior, eu não podia contar com a ajuda de ninguém. Se eu contasse para o Bernardo, certamente ele contaria para o Allan e tudo estaria perdido. Mas eu sabia que precisava de ajuda, sozinho eu não conseguiria.
Mateus era o único da turma menos apegado ao Allan, se é que você me entende. Na verdade, ela era o mais distraído de todos, o mais afastado. Era o nerd da turma, vivia com as fuças enfiadas nos livros. Oh bicho para gostar de ler era o Mateus, visse. Eu fiquei doido só de pensar. Ele era o mais confiável da turma, eu sabia que podia contar com ele, então resolvi me arriscar.
— E aí, Mateus – ele estava sentado no banco da escola, lendo. Nem na hora do intervalo ele descansava dos estudos – a gente pode conversar?
— A pois – ajeitou os óculos, é eu sei, não contei a vocês que ele usava óculos, talvez por isso ele parecesse tão nerd – quer falar sobre o que?
— Primeiro tem que me prometer que vai guardar segredo.
— Oxente – fechou o livro e voltou toda a sua atenção até mim – está me chamando de cabueta?
— Só me promete.
Então ele olhou para mim, cruzou o dedo indicador com o médio e o beijou, como um sinal de que jurava que jamais contaria aquilo para ninguém.
— Eu estou apaixonado pela Charlote – eu soltei a bomba e a cara que ele fez para mim foi engraçada. Mateus estava literalmente de boca aberta.
— Fudeu a tabaca de chola – soletrou – que segredo da peste, visse.
— Mas o problema não é esse – comecei a desabafar – o problema é o Allan e essa amizade entre eles, entende?
— Um pouco, – Mateus era um cabra inteligente, ele entenderia – mas como você se apaixonou pela Charlote? Você vive chamando a garota de gorda, fazendo piada com ela. Isso não faz muito sentido.
— O amor não faz sentido – continuei – quando você se apaixonar vai entender o que eu quero dizer, mas, enfim, voltando ao assunto…
— Deus me livre de me apaixonar – me interrompeu, enquanto fazia o sinal da cruz. Eu achei graça daquilo – o amor parece perigoso. Eu prefiro amar os livros.
— Espero que você consiga – fui sincero – mas vai me deixar falar ou não?
— Continue.
Ajeitou os óculos mais uma vez e voltou a sua atenção para mim.
— O Allan também gosta da Charlote…
— Mas que lasqueira – me interrompeu novamente com aquela cara de que não acreditava em nada do que eu falava – será que está todo mundo ficando louco nessa escola?
— A pois – resolvi não responder a pergunta dele – preciso da sua ajuda para manter o Allan longe da Charlote.
— Missão quase impossível – ele concluiu – primeiro que a gente mora em uma ilha e aqui todo mundo se esbarra com todo mundo o tempo todo, mesmo sem querer. E depois, aqueles dois são amigos desde quando nasceram. Você já escutou o Allan falando da Charlote? O carinho que há entre eles é muito grande, não sei se há como desfazer isso.
—Você é o cabra mais inteligente dessa escola – relei a mão no pé do ouvido dele – não é possível que não consiga pensar em nada.
—Oxente! - então abriu o caderno e tirou de lá um panfleto – só existe uma maneira de separar os dois. E é essa daqui.
Estendeu o papel em minha direção. Eu abri e li e as informações que estavam ali era que as empresas Agenor estavam contratando pessoas de Fernando de Noronha para trabalhar em São Paulo. Eu quase dei um grito de alegria.
—Tu és o suprassumo mesmo, em cabra – meu olhos brilhavam lendo aquele papel – onde você arrumou isso?
— Painho é irmão de um dos funcionários dessa empresa – falou – e nós estamos encarregados de conseguir alguém para trabalhar lá. É um projeto que a empresa criou, e eu nem saberia te explicar o porque deles terem escolhido Fernando de Noronha.
— Isso não me importa – sorri de alegria – e como faremos isso?
— Você só precisa fazer esse papel chegar até o Allan.
— Oxente! - o sorriso desapareceu – Só isso? Como a gente vai saber que vai dar certo?
— Olha só as oportunidades que eles oferecem – apontou o dedo para o que estava escrito – além do mais, eu escutei o Allan contando esses dias que o pai dele estava querendo mudar de vida, entende?
Eu me calei e fiquei pensando naquilo. Parecia loucura demais tudo isso, um plano infalível que tinha mais chances de dar errado do que triunfar. Mas eu não tinha nada a perder, a não ser Charlote, e resolvi arriscar. Naquele mesmo dia comprei um envelope, e escrevi nele o endereço do Allan como se estivesse vindo de São Paulo. Coloquei na caixa de correios da casa dele e torci para que aquilo realmente desse certo. Dois dias depois veio a resposta.
— Que cara amarrada é essa, Allan? – perguntei, enquanto me sentava ao lado dele na sala de aula – aconteceu alguma coisa?
— Painho quer arrumar outro emprego.
Falou, abraçando a mochila como se ela fosse um consolo.
— E o que tem de mal nisso?
— O emprego é lá em São Paulo.
Bingo. Meu coração saltou mil batidas de felicidade. O plano parecia dar certo.
— Oxente! - disfarcei, fazendo cara de espanto – me explique isso melhor, porque eu não estou entendendo nada.
— Chegou uma carta de São Paulo lá em casa, com o nome de painho – começou – e tinha um papel com informações de um emprego, nem me lembro direto. Mas eu sei que painho ficou eufórico com aquela oportunidade. Eu nunca o vi daquele jeito.
—E por que você está borocoxô? – só faltava eu soltar fogos – É uma oportunidade incrível, não acha?
— Sinceramente, não – então ele se levantou, apreensível, e começou a caminhar de um lado para o outro – painho não vai querer ir sozinho, a gente vai com ele e eu não quero ir embora de Noronha, entende? Não agora.
— Mas pode ser temporário – eu precisava convencê-lo de que aceitar aquilo seria uma ótima ideia – não precisa ser um adeus.
—Painho já aceitou, e disse que só volta para Fernando de Noronha quando se aposentar.
—Que diacho!
Eu fingia consolá-lo e até riria da minha cara de pau com a encenação que eu fazia, mas minha felicidade era imensa por imaginar o Allan indo embora, saindo de nossas vidas para nunca mais voltar. Acho que eu nunca fiquei tão feliz em toda a minha vida.
—Viajamos nessas férias com o painho para fazer a entrevista.
—Então não tem mais volta?
—Acho que não.
Então os outros garotos foram chegando e não tocamos mais no assunto. Allan permaneceu com aquela expressão de tristeza durante toda a aula e eu, bem, eu já sonhava com um caminho todo aberto e florido para que eu pudesse, enfim, conquistar a Charlote.
Depois de alguns meses, Allan partiu. Eu lembro da choradeira que foi. Os meninos não se conformaram com a partida dele, apesar da ideia ter sido do Mateus, ele realmente se lamentou porque Allan estava indo embora. Eu não o culpava, de forma alguma. Eu tinha motivos para ver o Allan longe, mas eles não. Então quando o avião partiu eu comemorei. Eu tinha chutado para bem longe aquela pedra no meu caminho.