Capítulo 41
1080palavras
2023-01-18 21:50
— A menina foi parar no hospital e os pais dela falam em processar sabe-se lá Deus quem.
Dona Carmem dizia isso quando eu entrei na sala. Estava avexada, andava de um lado ao outro.
— Já chamaram os responsáveis por Morgana? – eu perguntei o óbvio.
— Não encontro nem um dos dois, visse – ela me respondeu. Parou tomou um copo d’água – Por isso chamei vocês.
— Diacho! – Betânia se levantou e começou a andar também de um lado para o outro na sala pequena. E ficou aquelas duas mulheres, feito baratas tontas prestes a se esbarrar – Se eu pego aquela irresponsável da Emília por aí, arrebento ela no couro, visse.
— Logo você? – Perguntou Fernandinho – a tamborete de zona está querendo apanhar.
— Cale a boca seu fi duma égua – ela se irritou e eu ainda mais por eles sempre piorarem as coisas com aquelas discussões desnecessárias.
— Chega! – Gritei e de repente dona Carmem parou, Betânia também e imitaram o gesto de pôr a mão no peito como se estivesse levando um baita susto – Eu estou de saco cheio dessa confusão que vocês só aumentam. Dona Carmem, acione o conselho tutelar. Vocês dois – apontei para Fernandinho e Betânia – calem a boca. Eu conversarei com Morgana.
— Espere, Charlote. – Disse Fernandinho levantando-se e vindo em minha direção – Você vai mesmo insistir nessa ideia de conselho tutelar?
— E você vai mesmo continuar acreditando que seus amiguinhos vão fazer algo por essa menina? – Perguntei – Se não tem uma ideia melhor, fiquei quieto na sua.
Então saí da sala, enquanto dona Carmem já com o telefone na mão parecia mais impaciente do que antes. Eu não tinha tempo para esperar. Ao lado da sala da direção ficava a coordenação pedagógica, Morgana estava lá, sentada com uma expressão de poucos amigos. Olhou para mim com desdém enquanto eu me sentava ao seu lado.
— Oi, Morgana – eu disse, enquanto estendia minha mão até ela – Meu nome é Charlote e eu sou…
— Uma enxerida – me interrompeu e ouvi-la falar me lembrou da mesma soberba de Emília – mainha me falou quem tu é e me disse para não falar com você.
— Estou aqui para ajudá-la. Sua mãe te falou sobre isso também? – Ela não me respondeu. Cruzou os braços sobre o peito, virou o rosto para o outro lado e me ignorou completamente – Está certo! Se não quiser falar comigo, terá que falar com o conselho tutelar e com eles o papo vai ser bem diferente.
Ela olhou para mim e pareceu pensar. Resistiu por alguns segundos e então falou:
— Por que mainha ainda não veio me buscar? – Perguntou, mas não esperou eu responder – Com certeza deve ter me esquecido aqui. Ela sempre me esquece.
— Estamos tentando entrar em contato com ela – falei – Por que você machucou sua colega, Morgana?
— Foi só uma brincadeira – respondeu – não tenho culpa dela ser tão fraca e ficar se exibindo por aí por ser a mais inteligente do colégio. Eu não suporto gente metido a besta.
— O que você fez não foi uma brincadeira – continuei. Deixei minha voz mais firme – Brincadeiras foram feitas para divertir todos os envolvidos. Nos deixar feliz. A menina foi parar no hospital. Você sabia disso, Morgana?
Ela não me respondeu.
— Quer me contar o que aconteceu? Por que está agindo assim.
— Porque é divertido – respondeu – Você mesmo disse que brincadeiras divertem e é exatamente assim que eu me sinto.
— Você se diverte machucando os outros?
— Mainha me contou como foi o tempo de escola dela – riu como se achasse graça – me contou como se divertia zombando de você. Então eu aprendi que não é errado fazer o que me faz feliz.
Eu parei de respirar naquele momento e quando, enfim, o ar voltou a circular pelos meus pulmões, eu tentei entender os motivos que levavam uma garota de quinze anos agir assim. Emília era a maior culpada pela tragédia na vida de Morgana, eu não tinha dúvidas. Ensinou os piores valores que alguém poderia ensinar a um filho.
— Painho bate em mainha e depois diz que não seria feliz de outra forma se não fosse ao lado dela – continuou – e ela, mesmo apanhando, não vai embora. Eu cresci assim, sem que mainha jamais demonstrasse nenhum bom sentimento por mim. Eu só recebo gritos e insultos. Já o painho vive embriagado. A vida me ofereceu o seu lado mais obscuro. Eu não vejo porque ser amorosa com as outras pessoas.
Ela falava aquilo com tanta naturalidade que eu me assustei. Não esboçava nenhum sentimento em relação à dolorosa vida que tinha.
— Foi por isso que você abriu uma ONG? – Ela me perguntou – Foi tão insultada pela Emília que quis ajudar outras pessoas como você? Acho isso tão irônico.
— Pois eu acho encorajador – respondi.
— Pois eu acho perda de tempo – falou com desdém – está perdendo seu tempo comigo, visse.
— Não acredito – falei – na minha vida eu decido se vou perder ou não, e sobre você eu nem sequer pensei nessa possibilidade.
Ela soltou uma gaitada para me provocar.
— Pelo menos o nome é bonitinho – então leu o que estava escrito na camiseta que eu vestia – Instituto florescer. Foi você quem escolheu o nome?
— Não! – Respondi – foi uma amiga escritora chamada Giuliana Sperandio quem escolheu. Dizia ela que quem vencia o bullying florescia novamente para a vida.
— Eu gosto de escritores – continuou – apesar de não gostar muito de ler, para mim eles são como deuses. Tem o poder de criar o que quiserem, como quiserem. Eles têm um mundo de possibilidades nas pontas dos dedos e isso me fascina.
Eu abri um sorriso, mas que logo desapareceu.
— Sobre esse tal de bullying – continuou – não estou nem aí visse. Não estou interessada na sua ajuda. Então por favor, Charlote, me deixe em paz.
A última frase “me deixa em paz” foi dita aos berros e o seu semblante voltou a fechar e ela a virar o rosto para o outro lado. Eu estava desistindo daquela conversa, mas não desistiria dela.
Voltei a direção e lá fiquei até o conselho tutelar aparecer ou Emília, ou Bernardo, vai saber.