Capítulo 42
843palavras
2023-01-18 21:50
Como eu posso começar contando minha história? Eu não me lembro de muita coisa da minha infância, somente que eu tinha uma mãe na certidão, um pai ausente e um ambiente familiar bem confuso. Conforme eu fui crescendo, esse contexto familiar passou a ser agressivo, cheio de culpa e manipulação. Mainha era uma mulher esplêndida, vivia bem arrumada, com roupas caras e jóias deslumbrantes. O objetivo principal da vida dela era o luxo. Não aceitava menos do que achava que merecia, e eu acabei ficando como sua última opção. Por muitos anos eu me questionei se ela me amou alguma vez na vida, não demonstrava afeto, cuidado, atenção. Eu era apenas uma coisa qualquer que ela havia colocado no mundo.
Painho se esforçava para ser mais presente na minha vida, mas como a mulher dele gastava mais do que deveria, ele acabou arrumando outro emprego, que custava seus dias e sua saúde. Ela não se importava se ele trabalhava demais, desde que ele comprasse tudo o que ela queria. Mas isso custou bem caro pra mim, Eu só conseguia ver meu pai na escola, quando ele chegava do outro emprego eu já estava dormindo. Não sei como painho aguentou essa vida por tanto tempo.
— Cinco mil reais só nessa semana? – painho estava feito um pantel –você precisa frear esses gastos absurdos, Elis.
— Nem fudendo a tabaca de chola – foi arrogante com ele – Você não fez tanta questão de se casar comigo? Agora banque a mulher que tem.
— Você vai nos falir desse jeito.
Ele pareceu triste, desesperado, mas sem forças para acabar com aquilo. Parecia um vício que painho não conseguia se livrar.
—Trabalhe mais, se for o caso, – não havia nenhuma empatia nela – e não me avexe com suas preocupações.
Saiu da cozinha, enquanto eu me encolhia atrás do balcão que ficava no corredor. Era impossível não ouvir as discussões deles, que só não eram diárias porque painho mal parava em casa. Depois que ela se trancou no quarto, o painho continuou lá, sentado, com as duas mãos segurando a cabeça, como se ela fosse escapar a qualquer momento. Essa foi a primeira vez que vi ele chorar. Suas bochechas encarnaram, suas mão tremiam. Eu senti pena do meu pai, senti de verdade, por ele trabalhar tanto para bancar os luxos de uma mulher que nem sequer o amava de verdade.
Acho que não era só ele que se sentia sozinho naquela casa, eu também me sentia assim. Com doze anos eu já sabia fazer quase tudo dentro de casa, fui obrigada a isso. Tive que aprender desde cedo a me cuidar sozinha. Mas essa situação foi acumulando um tipo de sentimento bem ruim no meu peito. Eu sentia raiva de mainha por ter me abandonado. Ela nunca parava em casa, nunca se preocupava se eu estava com fome, com sede, se precisava de um banho, de amor, de atenção. As vezes me largava em casa da minha vó. A coitada já estava idosa e caduca, não conseguia nem cuidar dela direito, imagina então de mim.
Então houve um dia em que eu cheguei em casa tão feliz porque tinha tirado dez em um prova, que corri, avexada em direção a ela para lhe contar a novidade, mas fui interrompida com berros e a indiferença.
— Ficou maluca, menina? – gritava – já avisei que quando eu estiver assistindo minha novela, você não me interrompe de modo nenhum.
Revirou os olhos, soltando um suspiro pesado. Era como se para ela, cuidar de mim fosse um castigo.
— Só queria contar que tirei dez na prova de ontem – falei baixinho.
— Não me importo – em nenhum momento olhou para mim – aliás, não fez mais do que a obrigação, já que a única coisa útil que faz na vida é estudar.
Olhei pra ela com tanta tristeza que um nó se formou em minha garganta. Eu já me preparava para ir ao meu quarto me lamentar, mas ela continuou com os insultos:
— Me espanta uma garota burra que nem você ter tirado nota dez em uma prova – soltou uma gaitada – Você é uma inútil, Emília. Não serve para nada além do que me atormentar.
Elis parecia sentir prazer em insultar-me, enquanto falava ela observava minhas feições para ter certeza que estava me causando dor o suficiente. Ria quando percebi que eu chorava. Eu odiava demonstrar fraqueza na frente dela. Com o tempo aprendi a ignorar suas provocações. Eu até chorava, mas fazia isso bem longe para não dar a ela o prazer do meu sofrimento.
Eu também não compartilhava minha dor com o painho, porque não adiantaria. Ele era um homem ocupado demais e não tinha coragem o suficiente para encarar minha mãe. Com o tempo aprendi a guardar tudo pra mim e aquela dor foi se acumulando, como uma bola de neve foi me enchendo de coisas ruins até o ponto que eu explodiria e acabaria descontando em alguém que não tinha nada a ver com os meus problemas.