Capítulo 40
1032palavras
2023-01-18 21:50
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Bullying
Era a missa de sétimo dia do meu irmão. Na pequena igreja de Fernando de Noronha não tinha muita gente, mas tinha Allan e Fernandinho trocando olhares cheios de ódio quando um reparava que o outro estava olhando pra mim.

Diacho de sermão mais chato, esse do padre!
Fernandinho, antes da missa começar, bem que tentou sentar-se ao meu lado e sem dizer nenhuma palavra sair de perto dele. Evitei durante sete dias falar com ele. Estava cansada das suas investidas que no fundo só tinha um motivo: provocar Allan. Já o Allan, depois de confessar pra família inteira que me amava e me deixar bastante arretada, andava distraído, distante, calado. Evitou ir lá em casa e desde então pouco nos falamos. Aquela indecisão dele de ficar ou não em Noronha me machucava. Eu tinha a impressão que o amor dele por mim não era suficientemente grande para fazê-lo ficar.
Sete dias depois e a polícia ainda não havia descoberto quem era o assassino de Jacob, e mesmo o arquipélago sendo um ovo, nem eu e nem Betânia nunca mais vimos sequer alguém parecido com o tal homem que atirou no meu irmão. Eu não conseguia me lembrar do rosto dele. Era como um borrão, como se a imagem de Jacob morto no chão apagasse qualquer traço do seu assassino da minha lembrança.
Era uma manhã de terça-feira. Betânia adentrou a igreja avexada e sentou-se ao meu lado no banco.
—Temos um problema – sussurrou, mas não o suficiente. De repente quase todos os olhares foram direcionados a nós.
Então pedi licença a painho e me retirei da igreja junto com Betânia. Já do lado de fora, na escadaria ela começou a falar:

— A diretora do colégio ligou lá para casa – falou – Morgana machucou uma colega, e parece que foi grave.
— Oxente! – Fiquei preocupada com quão grave aquilo poderia ser quando aquelas duas sombras apareceram de uma vez.
Allan vinha na frente, Fernandinho correndo logo atrás.
— Aconteceu alguma coisa? – Perguntou Allan – Algo relacionado ao assassinato de Jacob?

— Quem dera! – Respondeu Betânia – Mas você parece estar ótimo, hein Allan.
Cutuquei Betânia pelo comentário inapropriado, enquanto Allan soltava aquele sorriso que quase me derreteu toda.
— Deixe de ser enxerido, Allan – Fernandinho se meteu – tenho certeza que é algo com a ONG, então vaza daqui cabra.
— Oxê! – Ele falou com deboche – o que uma pessoa como você, que fazia bullying com a Charlote, faz em uma ONG como essa? É muita hipocrisia.
Então Fernandinho foi com tudo para cima dele e eu me meti no meio antes que os dois começassem uma briga logo ali.
— Querem brigar? – Sussurrei – façam isso bem longe de mim. Tenho problemas maiores para resolver.
Então segurei no braço de Betânia e sai de perto deles. Começamos a caminhar em direção ao colégio, mas eles vieram atrás de nós. Parecia até uma disputa de dois homens barbudos, para ver quem era o mais infantil.
— Espere, Charlote – Fernandinho dizia, afobado bem atrás de mim – me diz pelo menos o que aconteceu.
Eu me calei, mas Betânia não. Explicou para eles o que estava acontecendo até chegarmos bem perto do colégio. Fernandinho continuava irritado com a presença de Allan, mas eu sabia que ele era o que mais poderia nos ajudar.
Antes de entrarmos na sala da diretora, eu falei:
— Se eu te pedir para ter uma conversa séria com Emília, sobre Morgana – olhei bem para Allan – você faria isso por mim?
Ele pensou antes de me responder.
— Não quero mais uma confusão com Bernardo.
— Oxente! – Interrompeu Fernandinho, cheio de ironia – Allan é um frouxo. Você acha mesmo que ele vai nos ajudar?
— Ajudar a quem? – Perguntou – não me lembro de o pedido ter vindo de você.
— Eu faço parte da Florescer, você não – peitou ele – então, a ajuda seria também direcionada a mim.
— Deixe de ser ridículo, Fernandinho – zombou dele – Eu vou falar sim com Emília – então ele olhou para mim e inevitavelmente um sorriso brotou dos meus lábios – vou ajudar porque você me pediu, mas com uma condição. Que você reconsidere mil vezes a permanência do Fernandinho na ONG.
O sorriso desapareceu. E então Fernandinho explodiu.
— Eu estou há anos ao lado de Charlote nessa causa – ele gritava e eu pedia para ele se calar – Você não tem esse direito, não depois de ter abandonado ela.
Foi aí que a dona Carmen apareceu bem irritada.
— Que diacho está acontecendo aqui? – Ela era uma senhora com seus mais de cinquenta anos, mais baixa do que eu, bem rechonchuda. Usava uns óculos de armações redondas que caia do seu rosto. Colocou as mãos na cintura e batia um dos pés no chão – Estamos em um ambiente escolar, senhores, não em um ringue de luta.
— Me desculpe, senhora Carmem – falou primeiro Fernandinho. Então Betânia segurou pelo braço dele e o arrastou para dentro da sala.
Já eu, fiquei do lado de fora por mais alguns minutos. Precisava ainda falar com o Allan. Esperei dona Carmem entrar, então continuei:
— Que pedido mais besta é esse Allan? – Eu queria realmente entender seus motivos – Eu não posso simplesmente descartar, Fernandinho, assim. No meio de tanta gente em Fernando de Noronha, ele e Betânia foram os únicos que se interessaram por essa causa.
— Ele não é de confiança, Charlote – falou – A intenção dele na ONG não é ajudar, mas apenas ficar perto de você.
— Está com ciúmes?
— Estou, – respondeu rapidamente, sem pensar – mas é bem mais que isso. Eu conheço Fernandinho talvez melhor do que você. Eu sei do que estou falando.
— As pessoas mudam, Allan – eu queria acreditar naquilo, principalmente em relação ao Fernandinho.
— Não ele. – Concluiu – Apenas reconsidere e eu cuido de Emília, mesmo que isso cause outra confusão com Bernardo.
Então encerramos a conversa. Allan foi atrás de Emília e eu entrei na sala para desarmar mais uma bomba.