Capítulo 33
844palavras
2023-01-18 21:47
Os dias foram passando e as coisas lá em casa estavam calmas, e eu até estranhei. Jacob parecia animado com o trabalho, se esforçava e andava até mais sorridente. Bentinho vivia com a cara nos livros e Charlote se esforçava para perder peso. Quando eu lembrava que ela quase havia morrido por causa daquelas brincadeiras sem graça, eu quase morria junto.
Lúcia ficou tão arretada na época, que até largou o emprego. Aquilo não me preocupou, já que ela também trabalhava como costureira e o serviço nunca lhe faltava. Foi até melhor assim, ela dentro de casa me passava uma segurança maior de que ficaria de olho nos meninos e ajudaria Charlote com todo aquele problema que ela foi arrumar.
Depois da tempestade vem a calmaria. Essa frase foi invertida e o caos voltou com tudo.

Foi naquele dia que senti que Jacob estava diferente, era como se ele tivesse voltado a ser o que sempre foi. Estava calado, com a cara fechada, parecia azuretado. Chegamos em casa, e ele se trancafiou dentro do quarto e não saiu de lá até no outro dia.
Acordei preocupado. Fui direto no quarto dele quando me dei conta que ainda não havia acordado para ir à escola. Bati na porta, chamei pelo seu nome. Silêncio total. Abri a porta e fiquei feito um pantel quando me dei conta que ele não estava mais ali.
— Que diacho – Lúcia já coava um café – onde está Jacob?
— Oxente! – falou enquanto colocava o café na garrafa e se virava até mim – e eu vou saber, hômi.
—Como não sabe? – a culpa não era dela – aquele treloso não está no quarto e o sol nem nasceu direito.
Lúcia olhou para mim azuretada, mas eu sabia que o sentimento dela era o mesmo que o meu. Foi como se o céu se fechasse sobre as nossas cabeças. Eu até procurei ele, pelo quintal, até o fim da nossa rua. Perguntei ao Bentinho se tinha visto, mas ninguém sabia nem do rastro daquele menino.

Não tive muito tempo para pensar, me ajeitei para o trabalho e fui para agência, com a esperança que ele apareceria logo mais tarde, ali, para cumprir o que havíamos combinado. Mas deu a hora da sua chegada e Jacob não apareceu.
Minha cabeça doía, não conseguia me concentrar em quase nada. Quase, por um descuido meu, eu levei os turistas para a praia errada. Joaquim acabou me dispensando mais cedo e eu fui na tora para a casa. Precisava encontrar Jacob e entender o que estava acontecendo.
Quando cheguei ele estava lá, sentado, tomando um café como se nada tivesse acontecido. Lúcia olhou pra mim, como se avisasse: Vai com calma.
— Porque não apareceu para trabalhar hoje? – sentei ao seu lado. Eu estava com raiva, mas minha voz saiu calma.

Ele demorou bem mais do que o esperado para me responder. Tomou o último gole de café, respirou fundo e sem olhar nos meus olhos me disse:
— Eu não vou mais trabalhar com você, painho.
Eu quase perdi as estribeiras.
— Avalie só – eu estava arretado – tu achas que essa decisão de não ir mais trabalhar, quem decide é você?
— Oxente! – enfim, ele olhou para mim – quer fazer de mim o seu escravo, painho?
— Tu me respeitas seu cabra safado – eu já me preparava para arrancar o cinto – desde quando escravo recebe salário no final do mês?
— O senhor acha que tudo se resolve na base da surra – ela me observava tirar o cinto – eu estou cansado disso, visse. Quero tomar o meu próprio rumo, e o senhor não vai mudar minha decisão.
Eu sei que os meus olhos se encheram de lágrimas. Mas eu engoli toda a minha raiva e pensei bem na atitude que eu iria tomar.
— Tudo bem, Jacob – coloquei o cinto de volta nas calças – não quer mais trabalhar comigo, também não terá mais mesada, nem roupa limpa, nem comida para comer. Quer tomar seu próprio rumo? A partir de hoje vai ter que aprender a se virar sozinho.
Lúcia olhou para mim aperreada. Eu sabia que ela não concordaria, mas eu não mudaria de ideia nem se ela implorasse.
Jacob olhou para mim cheio de ódio, e aquilo partiu meu coração. Era como se todo o esforço que eu tinha feito até ali, fosse embora ralo abaixo. Então ele virou as costas e saiu. A porta da entrada batendo foi tudo que eu e Lúcia ouvimos dele.
— Tu tá com a moléstia, hein Chico – ela gritou comigo. O instinto de mãe falou mais alto – Como tu queres que eu concorde com um negócio desses?
— Não precisa concordar – a olhei pela última vez – respeitando minha decisão já está de bom tamanho.
Eu parecia um radical e Lúcia jamais me entenderia, mas eu estava fazendo até o que não podia para salvar aquele menino, e o meu coração me dizia, as coisas só vão piorar.