Capítulo 26
1292palavras
2023-01-18 21:42
1
Uma noite para se esquecer
Eu estava sonhando que estava em Noronha, quando o celular tocou me despertando. Olhei no relógio de cabeceira e eram meia-noite e quarenta e cinco minutos, depois olhei o identificador de chamadas para saber quem me ligava àquela hora da madrugada.

Era o número do Bentinho.
Meus movimentos cardíacos aumentaram. Rapidamente o atendi.
— Oi Allan – ele disse com uma voz tristonha.
— O que aconteceu? – Perguntei rapidamente – Charlote está bem?
— Foi Jacob – deu um longo suspiro e entre uma resposta e outra pareceu uma eternidade – Jacob morreu.
Demorou pra ficha cair e eu fiquei em silêncio enquanto ouvia o choro de Bentinho do outro lado da linha.

— Mainha pediu para que avisasse aos seus pais – ele concluiu.
— Como? – Minha voz foi interrompida por um nó na garganta que eu tive que sufocar – como isso aconteceu?
— Mataram o meu irmão – ele não conseguiu continuar, chorou novamente.
Eu queria saber o que tinha acontecido. Queria perguntar como estava Charlote; como estavam dona Lúcia e seu Chico, mas eu sabia, Bentinho não teria condições de me explicar nada naquele momento.

— Amanhã estaremos aí – falei – eu sinto muito, Bentinho.
— Obrigada – sussurrou – Charlote vai ficar feliz em te ver.
Então me despedi e desliguei o celular.
Na meia luz do abajur ligado eu fiquei sentado na cama, com o celular nas mãos, por vários minutos sem esboçar reação alguma. Eu tinha centenas de lembranças boas de Jacob e assim que comecei a recordar as lágrimas começaram a descer. Era lamentável morrer tão jovem assim. Era um menino treloso, cheio de sonhos, que gostava de soltar pipa e surfar nas ondas de Noronha. Amava provocar Charlote por causa do seu peso, e mesmo sem querer irritava seu Chico por causa das más companhias em que andava. Mesmo longe de Noronha eu sempre me mantinha informado sobre o que acontecia por lá. Bentinho foi o que ficou mais próximo de mim depois que partir e mesmo que não fosse frequente nossas conversas, ele era o meu informante sobre Charlote e havia me contado uma vez que Jacob andava por caminhos obscuros que pareciam sem volta. Eu lamentava que as coisas fossem assim, mas nada podia fazer. Pensei na Charlote e na tristeza que ela estava sentindo. Daqui a algumas horas eu estaria em Noronha e poderia abraçá-la novamente. De todas as possibilidades que imaginei um dia eu voltando a Noronha, nenhuma delas foi por um motivo tão trágico assim.
2
A notícia
Eu enxuguei as lágrimas e me levantei. Eu não podia esperar até o amanhecer para contar para mainha e painho que havia acontecido. Fui em direção ao quarto deles, bati à porta e fiquei aliviado por ainda estarem acordados.
— Oxente! – Painho baixou o volume da TV e voltou o olhar a mim – Porque está acordado até essa hora?
— Estava chorando Allan? – Mainha perguntou. Eu até podia imaginar como estava minha expressão naquele momento.
— Aconteceu uma coisa lá em Noronha – comecei, mas não consegui continuar.
— Diga logo, diacho! – Painho deu um salto da cama visivelmente nervoso – está me deixando avexado, visse.
— Calma, hômi – falou mainha.
— Jacob – parei, respirei fundo – Jacob morreu.
A reação dos meus pais foi a mesma que a minha quando soube da notícia. Eles queriam saber o porquê, como aquilo havia acontecido. Queriam saber também como estavam os seus amigos, mas eu nada respondi.
— Tudo o que podemos fazer agora é ir para Noronha ao amanhecer – falei.
Eles concordaram, e depois da euforia veio o choro. Eu voltei para o meu quarto sabendo que mesmo que tivesse a intenção de dormir não conseguiria. Pesquisei na internet qual seria o primeiro voo para Noronha e tratei de arrumar minhas malas para viajar. A ansiedade tomou conta de mim. Era uma mistura de saudade, com tristeza e alegria que eu não sabia explicar.
3
Enfim, Noronha
Às seis horas da manhã pegamos o voo para Recife e de lá pegamos outro para o arquipélago. Depois de quinze anos, 3h e 42 minutos de voo até pareceu uma eternidade.
Antes de partir liguei para Roberta para avisar que viajaria. Eu senti na voz dela uma profunda frustração, foi como uma despedida definitiva, mas diante das circunstâncias que me levavam de volta a minha terra natal, nada ela tentou fazer para me impedir. Seu Agenor concedeu a mim o tempo que eu precisasse longe da empresa, desde que esse tempo não ultrapassasse 30 dias. Eu era muito grato pelo chefe que tinha, ainda mais depois dele ajudar os meus pais na aposentadoria. Painho já estava aposentado e eu sabia que se decidisse voltar para São Paulo depois do enterro de Jacob, voltaria sozinho. Eles estavam de volta a Noronha e dessa vez para sempre.
Aterrissamos em Noronha às dez horas da manhã. Um frio atravessou minha espinha assim que coloquei meus pés no arquipélago. A nostalgia do momento me fez sorrir apesar das circunstâncias que me fizeram voltar, eu estava feliz. Meu coração pulou mil batidas quando lembrei de Charlote e percebi que apenas alguns poucos quilômetros nos separavam. Um homem chamado Leandro foi nos buscar. Ele era inquilino de painho e se preparava para nos devolver a casa, em breve, já que demos a ele e sua família 30 dias para se mudar. Resolvemos então ficar em um hotel.
Painho estava avexado e pediu para que fossemos direto para casa de seu Chico. Mas lá estava eu, curtindo a brisa, o sol tão majestoso de Noronha, a agitação dos turistas que aos montes chegavam e partiam, felizes extasiados querendo nunca mais partir dali. Diacho, como eu senti falta desse lugar, dessas pessoas. Me afundei no trabalho porque por muitas vezes ele me fez esquecer de como era bom viver nesse paraíso. Eram lembranças que adormeceram diante da agitada cidade de São Paulo, mas que despertavam e agora renascem para nunca mais ser largadas de lado novamente.
Quando Leandro estacionou o carro em frente à casa de Charlote, meu coração quase parou. Observei Painho e Mainha descer e se perder no meio daquele tanto de gente que havia na porta de entrada da casa dela. O corpo de Jacob estava lá dentro e Noronha inteira parecia estar do lado de fora. Demorei mais do que deveria para descer do carro, e ir até lá.
Desviei das pessoas que estavam no caminho enquanto ia pedindo licença entre uma passada e outra. Deixei um suspiro escapar quando cheguei, enfim, na porta, e lá estava: um caixão no meio da sala, dona Lúcia debruçada sob o corpo do filho, seu Chico na outra extremidade olhando para Jacob como se não quisesse acreditar. Bentinho encostado na parede com os braços cruzados, a cabeça baixa e enfim, Charlote tão lindamente irreconhecível. Seus longos cabelos louros pendurados em um coque, seu rosto encarnado e Fernandinho a abraçando.
“Fi duma égua” Infeliz da costa oca” “cabra safado”. Não tive tempo de pensar em mais nenhuma ofensa para aquele cavalo do cão aproveitador, de repente o olhar de Charlote se encontrou com o meu e eu esqueci de todo o resto do mundo. Queria ir até lá e abraçá-la e dizer o quanto sentia sua falta, o quanto estou feliz em voltar, mas não tive tempo. Seu Chico se aproximou rompendo o olhar que Charlote me lançava e Fernandinho também. Fernandinho estava decepcionado com minha presença, mas o resto pareceu feliz em me ver. Seu Chico soltou um sorriso e eu fiquei feliz por isso. Dona Lúcia me abraçou chorosa. Bentinho veio me cumprimentar e quando me dei conta Charlote não estava mais lá.