Capítulo 27
715palavras
2023-01-18 21:44
1
Allan está de volta a Noronha
Naquela noite os policiais me interrogaram para saber quem havia atirado no meu irmão. Eu não soube responder. Betânia deu a eles alguns detalhes que talvez pudessem ajudar, mas eu não queria pensar naquilo. Talvez depois, mas não naquela noite.
Parecia um pesadelo sem fim.
Aquela foi a noite mais longa de toda a minha vida.
Eu vi o rabecão levar o corpo do meu irmão e tudo o que sobrou dele foi uma poça de sangue espalhado no chão e todas as vezes que eu me lembrava de Jacob caindo, morto, eu chorava porque era como se eu estivesse morrendo também, como se o tiro tivesse acertado em cheio o meu coração.
O sol não havia nem nascido e o painho já estava na porta do IML para levar o corpo de Jacob. Eu via uma tristeza tão profunda no semblante de seu Chico, uma angústia inconsolável, de um homem que pensava que a culpa era dele, que fez de tudo para endireitar o filho e não conseguiu. Então ele comprou o melhor caixão que havia em Noronha, preparou a sala da nossa casa, espalhou flores por todos os lugares e trouxe o corpo do filho para casa pela última vez. Jacob havia achado o que tanto procurou e estava levando com ele toda a nossa alegria.
Pessoas entravam e saiam da nossa casa o tempo todo. Mainha passou a noite dopada, mas eu impedi que dessem a ela outros comprimidos. Diziam a mim que aquilo era necessário para acalmá-la, mas eu queria ela sã, mesmo que desconhecesse a dor de uma mãe que perdia o filho tão tragicamente.
Então eu vi aquele homem entrar em nossa casa e meu coração pela segunda vez parou de bater por um segundo. Nossos olhares se encontraram e o amor, que por muitos anos ficou guardado em meu peito, despertou. Ninguém me alertou da sua chegada, e a surpresa do reencontro quase me fez desmaiar. Fernandinho, que me abraçava, lançou um olhar para trás e sussurrou sua frustração baixinho: Que diacho! Inevitavelmente um sorriso sincero de felicidade brotou dos meus lábios, mas ele não viu. Painho ficou entre nós dois e de imediato, Fernandinho, nervoso, me tirou dali.
— Oxê! – Retive o meu corpo, parando no meio do caminho, avexada – Está me levando para onde, cabra?
— Calma, Charlote – ficou na defensiva – eu só achei que seria bom sair para tomar um ar.
— Que conversa besta é essa? – Eu sabia quais eram os reais motivos de Fernandinho querer me tirar dali – Fale logo o que tu queres, mas me fale a verdade.
Ele olhou para mim, coçou a cabeça, passou a mão no rosto e eu fiquei nervosa com aquela demora toda.
— Sabe o que é, Charlote…
Então Betânia chegou a ficar aperreada. Lhe faltava fôlego, ela parecia que tinha visto um fantasma.
— Charlote – interrompeu a fala para poder respirar – você viu quem está aí?
— Que diacho Betânia! – Se meteu Fernandinho – você vai me ajudar ou atrapalhar?
— Oxente, hômi – olhou para ele irritado – está com a moléstia ? Só por que Allan voltou?
— A pois! – Fernandinho parecia um pantel ao ouvir o nome de Allan – eu tenho uma coisa muito importante para falar com Charlote. Não se meta onde não foi chamada.
— Você é muito mal-agradecido, seu cabra…
— Parem! – Os interrompi – mas que diacho de briga desnecessária.
Então Fernandinho segurou pelo meu braço como se quisesse me impedir de sair dali.
— Você não vai falar com ele, não é Charlote?
Fiquei calada e ele continuou:
— Allan prometeu que voltaria, mas tudo o que te deu foi um belo de um pé na bunda, e agora ele volta e você vai fingir que nada aconteceu?
— Como é? – Imediatamente olhei para Betânia não acreditando que ela havia contado tudo a Fernandinho – Por que você contou isso para ele?
Ela até tentou se explicar, mas imediatamente Bentinho adentrou a cozinha me chamando porque mainha precisa de mim. Então dei as costas para eles e partir. Ficaram ali discutindo, qual dos dois havia errado mais comigo.
Quando cheguei na sala, Allan não estava mais lá.