Capítulo 22
1217palavras
2023-01-16 08:00
1
A felicidade por voltar a Noronha
— Oxente, que eu estou feliz demais, visse.

Dona Francisca segurava as passagens aéreas que levariam ela e painho de volta a Fernando de Noronha, já no próximo mês.
Eu já vinha me preparando para aquele momento e durante todos esses anos eu tive que pensar e repensar na minha dura decisão de voltar ou não ao arquipélago. Lembro-me que nos últimos meses, Painho me perguntava sobre isso quase toda semana e eu sempre dizia que estava pensando. Eu sentia saudades daquele lugar. Dos velhos amigos que deixei para trás, das praias, de Charlote. Mas quando eu caia na real sobre a vida e tudo o que conquistei em São Paulo, nessa hora meu coração se dividia ao meio. E ali estavam eles, pulando de alegria por voltarem a sua terra natal, enquanto eu não sabia ainda o que fazer.
— Reservei uma passagem para você também, Allan – disse painho e meu coração se acochou de vez – caso decida voltar conosco.
Eu não o respondi. Que diacho! Depois de quase quinze anos, aquele lugar conseguia mexer comigo e com minhas emoções tão intensamente. Eu tinha um ótimo emprego em São Paulo. Me tornei gerente da empresa do seu Agenor, e braço direito do cabra. Também tinha Roberta e aquele relacionamento que nenhum dos dois assumia ser sério, mas que sabíamos que no fundo era. A minha vida estava aqui. Os meus sonhos, os meus projetos, tudo planejado, alguns já concretizados e quando eu pensava em abandonar tudo isso me vinha a certeza da loucura. Painho já havia cumprido sua missão em São Paulo. Estava aposentado e pronto para voltar a Noronha é um dos meus piores medos . Viver longe dos meus pais.
2
Incertezas

Um dia desses, enquanto eu mexia no facebook me deparei com uma foto de Charlote ao lado de Fernandinho e Betânia. Ela havia se transformado em outra mulher. A “GG” havia emagrecido e os moleques do arquipélago me contaram que ela fundou uma ONG chamada Instituto Florescer, para ajudar as crianças e adolescentes que sofriam com o bullying e a violência nas escolas. Meu peito se encheu de orgulho dela. Por ter superado seus medos, suas tristezas e ter seguido em frente e ter feito da sua experiência um incentivo a mais para ajudar outras pessoas. Quando eu olhei aquela foto tive a impressão que Charlote viveu muito bem todos esses anos longe de mim. Talvez nem tenha sentido a minha falta ou não tenha pensado em mim. Talvez também eu estivesse enganado. Talvez não tenha me procurado por orgulho ou por simplesmente ter me esquecido. Milhares de razões e motivos passavam pela minha mente. Eu a ferir quando decidi excluí-la da minha vida, eu sei. Talvez um dia ela saiba que por muitas vezes eu pensei em procurá-la. Cheguei a escrever textos enormes e guardá-los na memória do computador, como rascunho de uma mensagem, para enviá-la, assim que a coragem me permitisse. Mas não me permitiu. Eu não podia fazê-la me esperar por tanto tempo, não era justo, se as minhas intenções eram várias, portanto nenhuma delas era retornar a Noronha um dia. Por muitas noites eu dormi com uma lágrima molhando os meus olhos porque me lembrava dela. Porque sabia que nem a distância apagaria aquele amor que eu sentia e que insistia em morar no meu coração.
Então acessei minha conta no Facebook e fui direto falar com Fernandinho. Durante todos esses anos essa seria a segunda ou terceira vez que eu entrava em contato com ele.
— Oi – digitei
Ele estava online e visualizou minha mensagem

— Oi – ele respondeu e logo em seguida apareceu "digitando" - quanto tempo Allan. Como você está, cabra safado?
Enviei para ele um emoji rindo e respondi:
— Estou bem, e você? – Perguntei.
—Estou trabalhando com Charlote na ONG – escreveu e continuou digitando – estamos bem. Quando virá nos visitar?
Eu parei minha mão sobre o teclado do PC porque não sabia que resposta daria a ele. Pelas postagens e pelas fotos que Fernandinho vinha postando eu logo percebi que ele estava arreando os pneus para o lado de Charlote. Então o provoquei para tirar minhas conclusões.
— No próximo mês estou de volta a Noronha – escrevi com um sorriso provocador nos lábios – e não será para visitar, mas para ficar de vez.
Mensagem visualizada e nenhuma resposta veio do outro lado, pelo menos por longos minutos.
— Massa – respondeu – Estamos todos com saudades.
“Mentiroso fi duma égua” eu disse em voz alta e rir da cara de pau do Fernandinho e na expressão que poderia estar no rosto dele ao se imaginar contando aquilo a Charlote. Ele não contaria, eu tinha certeza.
— Preciso ir – escreveu ele, já se despedindo – vou me encontrar com Charlote.
Eu quase soquei o teclado de tanta raiva que fiquei, visse.
— Então está – escrevi – avise a ela que vou voltar e que estou com muitas saudades.
A mensagem foi visualizada e ele imediatamente ficou offline.
Eu queria pensar sobre tudo aquilo, mas não tive tempo. Aquela sombra apareceu bem do meu lado e antes que eu pensasse em desligar o monitor ou fechar a guia aberta, já era tarde. Roberta, conseguiu ler a mensagem, pelo menos a última enviada.
— Você está pensando em voltar para Noronha, Allan?
Fudeu a tabaca de chola! Fechei os olhos, pensei em uma mentira, não dava mais tempo.
— Eu não me decidi ainda – falei – que diacho. Já não conversamos sobre isso?
— Não se decidiu? – Perguntou, enquanto eu desligava o computador – e aquela mensagem para avisar a Charlote que você está voltando? Que está com saudades?
— Escrevi aquilo só para provocar o Fernandinho – me justifiquei – deixe de leseira, mulher.
Ela olhou para mim com aquele olhar desconfiado e ficou em silêncio me analisando por longos segundos.
— Meu pai ainda precisa de você na empresa, – continuou – aliás, eu também preciso, mas na minha vida.
— Eu sei – engoli a saliva que saiu rasgando minha garganta – já disse que não tenho nenhuma decisão tomada.
— Você nem deveria pensar na possibilidade de voltar a morar em Noronha – falou, com a voz embargada – meu pai vai abrir uma nova filial e conta com você para administrá-la.
Roberta tinha que jogar aquilo na minha cara. Precisava me lembrar que esse era um dos grandes motivos que me fez querer desistir de voltar para Noronha. Eu estava a um passo de me tornar sócio do senhor Agenor e ir morar com Roberta, em Guarulhos. Aquela era a chance da minha vida, mas às vezes eu pensava se valeria realmente a pena trocar o que me resta da vida ao lado de Charlote para viver bem financeiramente, mas não tão feliz.
Então eu a abracei em silêncio e ela chorou. Bem lá no fundo, Roberta sabia que as chances de eu voltar para Noronha eram maiores do que eu ficar ali.
— Que diacho, Roberta – beijei em seus lábios – não aja como se eu estivesse indo embora, porque eu não estou.
— Ainda não!
Se afastou e foi embora deixando um buraco ainda maior no meu peito.