Capítulo 19
1521palavras
2023-01-10 08:00
Lembro da aproximação repentina de Emília em relação a mim. Quando eu descobri que gostava mesmo dela, minha reação foi querer me afastar. Eu tinha medo dos meus sentimentos serem descobertos, tinha medo da rejeição, porque era óbvio que isso iria acontecer. Não havia qualquer sinal de interesse dela por mim. Essa possibilidade me paralisava, me transformando em um covarde e abrindo caminho para o Allan conquistar a menina que eu tanto amava.
Então ela me convidou para ir na árvore florida. Fiquei azuretado, sem acreditar, entende? Qual era a chance daquilo acontecer? Naquele dia eu não percebi os reais motivos dela me querer por perto, eu estava feliz e aquilo me cegou para suas verdadeiras intenções. Mas foi ali que tudo começou, que minha felicidade se expandiu como uma bomba atômica, e as coisas só melhoraram depois que o Allan foi embora.
Lembro da tristeza que se apossara do Fábio e do Mateus quando o Allan partiu de Fernando de Noronha, mas não havia esse mesmo sentimento em Fernandinho. Em mim era até óbvio o alívio, mas mesmo desconfiando do amor que o Fernandinho sentia por Charlote, foi estranho para mim ver o cabra quase soltando fogos de artifícios com a partida daquele a qual chamava de melhor amigo. Eu também percebi uma tristeza em Emília pela partida dele, mas me negava a aceitar os fatos. Ela já havia dito algumas vezes que gostava de mim, então eu achei melhor não me preocupar. A verdade era que Allan era amado por todos, por causa da sua beleza, da sua lealdade e amizade, todos em algum momento sentiu saudades dele, até mesmo eu.
— Então, Bê – ela relava a mão carinhosamente em mim – vamos para a praia, aquela lá que fomos naquele dia?
Eu não tinha ideia de que praia Emília estava falando, porque a quentura que subia em mim todas as vezes que ela encostava em mim, me deixava doido.
— Sei sim – eu estava ofegante – o que tem ela?
— Vamos para lá? - perguntou com um sussurro no pé do meu ouvido.
Eu fiquei todo arrepiado, vei. Foi bem mais do que os pelinhos do meu corpo se ouriçando todo, eu fiquei realmente excitado. Eu nem respondi a ela. Segurei em sua mão e fomos correndo para a tal praia que ela dizia. Já era tarde da noite em Noronha, as vezes a ilha ficava lotada de turistas aquela hora, mas tinha vezes que não se via uma alma penada nas ruas. Foi exatamente assim que aconteceu naquele dia. A gente só escutava os cachorros latindo com as nossas passadas. Rimos, estávamos realmente felizes. Lembro até hoje da Emília correndo e entrando no mar e eu ficando para trás com cara de abestalhado. Eu babava na patricinha metida a cavalo do cão, e não me importava com o que os outros diziam a respeito dela, eu a amava, que chegava a doer.
Quando ela saiu dali toda molhada, eu deixei meus instintos gritando dentro de mim, agarrei ela pela cintura e lhe lasquei um beijo daqueles. Não pensamos muito no que estávamos fazendo, porque aquilo era bom demais, apenas fizemos sem culpa ou arrependimento. Mas aí alguns meses se passaram e o que era um sonho aos poucos foi se tornando um dos meus piores pesadelos.
— Estou grávida – ela chorava e tremia feito uma vara verde – eu não posso ter esse filho.
Eu demorei para assimilar a notícia. Eu só tinha quatorze anos e já seria pai. Era uma loucura. Então eu comecei a tremer também, porque Emília não parava de falar na merda que seria nossas vidas caso aquela criança nascesse.
— Estás maluca? – Eu segurei pelo braço dela, fazendo ela parar e olhar diretamente para mim – Nós teremos essa criança. Não existe outra solução além dessa.
— Somos dois adolescentes de quatorze anos, Bernardo – ela gritou – como a gente acha que vai conseguir criar uma criança?
— A gente achou que poderia fazer um – respondi – vamos ter que dá um jeito de criar.
Ela parecia não acreditar, nem eu acreditava que isso estava acontecendo na minha vida. Emília ainda arretada, virou as costas para mim e partiu em silêncio. Eu não ousei ir atrás dela, mas eu sabia que as coisas iam ficar bem pretas para o meu lado.
Foi uma zorra daquelas quando o pai de Emília descobriu que ela estava buchuda. O homem ficou com a moléstia dos cachorros que chegou até querer dar umas chapuletadas em mim. Apontava o dedo na minha cara dizendo que eu me casaria imediatamente com a filha dele. Óbvio que isso não seria nenhum sacrifício. Mas eu não podia negar, eu havia arrumado um nó-cego para o resto da minha vida.
Depois desse dia Emília mudou drasticamente comigo. Já não era mais a menina aparentemente amorosa, que dizia gostar de mim. Nos casamos, mesmo contra a vontade dela. Painho e mainha não impediram que eu arruinasse a minha vida, na cabeça dura deles, eu precisava virar homem e assumir minhas responsabilidades. E eu realmente virei. Eu fiquei abobalhado com o crescimento da barriga de Emília, parecia a coisa mais incrível do mundo, imaginar que dentro dela havia um filho meu. Eu não via a hora daquela criança nascer. Mas Emília parecia viver sempre de mal com a vida. No começo do nosso relacionamento as coisas até fluíam bem, ela andava sempre chorosa, sensível e eu tentava amenizar de todas as maneiras a sua tristeza. Esforcei-me para ser o melhor marido do mundo. Concluímos os estudos daquele ano e fomos obrigados a parar de estudar no ano seguinte.
O dia mais feliz da minha vida foi o nascimento da Morgana, ela era a coisa mais linda que eu já havia visto na vida. Aqueles olhinhos brilhantes me encantaram. Pelo menos o nome da menina, Emília se empenhou a escolher, já que ela não fazia nenhum esforço para demonstrar estar feliz com o nascimento dela. Morgana significava: rodeada de mar, por que havia sido concebida a beira mar, em um luar que eu nunca mais me esqueci. Durante muito tempo eu desejei que Emília se empenhasse a cuidar de Morgana, como se empenharam para escolher seu nome. Colocar um filho no mundo não era nada parecido como brincar de biloca. Foi difícil para eu entender e assumir aquela responsabilidade. Mas eu amava tanto aquela criança, que não me importei com o preço que pagaria. Eu iria amá-la e ser um bom pai, a partir daquele momento.
— Avalie só a sua leseira – eu estava arretado com Emília – nem banho você deu nessa criança.
— Eu estava ocupada – Emilia realmente não se importava – aliás vou passar uns dias na casa de painho e você vai cuidar da menina.
Nem para chamar a menina de filha ela tinha coragem.
— Oxente, estás maluca? – Morgana só tinha dez dias de vida – não pode largar a Morgana aqui.
— Por que não? – ela já ajeitava as coisas para partir – por acaso eu fiz ela sozinha?
— Quando é que você vai demonstrar um pouco de amor pela sua filha?
Questionei, mas Emília nem sequer me deu atenção. Não respondeu.
—Vai fazer o que na casa do seu pai? Se você mesmo me diz que não suporta conviver com sua mãe?
— Melhor na companhia de Elis, do que ficar aqui com essa menina – você é capaz de cuidar dela sozinho.
Talvez tenha sido naquela hora que eu percebi o quanto Emília era uma pessoa seca, sem empatia nenhuma. Foi assustador entender que eu havia me casado com alguém que eu mal conhecia. Emília já me contou algumas vezes como o relacionamento com a mãe era ruim. Chorava se lembrando da infância, quando era abandonada, sozinha em casa. O quanto sentia falta de uma mãe, do carinho e atenção que nem ela nem o pai haviam lhe dado. Mas agora estava fazendo o mesmo, ou até pior. Estava abandonando uma recém-nascida que também precisava do colo da mãe, do calor materno. Talvez Emília não percebesse o mal que causava, ou talvez ela soubesse, só não se importava. Eram muitas suposições que eu não tinha certeza, mas que se concretizaram conforme o tempo fosse passando.
Eu vi ela partir sem culpa ou remorso e horas depois retornar arrastada pelo próprio pai. O diretor da escola era um cabra da peste, não se afrouxava diante dos caprichos da filha. Largou ela lá, avisando que não queria vê-la tão cedo em sua casa. Caso descumprisse as suas ordens, atitudes seriam tomadas. Emília ainda tinha um certo respeito pelo pai, o obedeceu sem questionar, por mais arretada que estivesse.
Foi então que o velho morreu e levou com ele a única rédea que segurava Emília. Depois desse dia as coisas só pioraram e sem a ajudar dele eu sentia que eu não conseguiria. Nosso relacionamento foi virando um caos, parecia uma bola de neve que, quanto mais eu arrastava a situação fingindo que nada acontecia, mas a bola crescia. E foi assim que tudo desembestou de vez.