Capítulo 18
1149palavras
2023-01-09 08:00
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A infância
Eu amava morar em Fernando de Noronha. Quando as aulas terminavam eu corria direto para as praias e passava o dia quase inteiro lá. Eu, Allan e Fernandinho éramos amigos quase inseparáveis. Íamos para praia do leão, nossa favorita, para surfar e ficar observando os turistas. Era uma zorra só. Nossa programação favorita era ficar reparando no defeito das pessoas que apareciam por lá.
— Avalie só, aquela – Fernandinho apontava o dedo para uma mulher, magra e branca que me valei – os cambitos parecendo uma sariema.
Caímos na gaitada.
— A coitada vai chegar no hotel que nem um pimentão – concluiu Allan, esse sol de rachar na branquicelo vai fazer um estrago só.
E foi assim durante muito tempo. Gostávamos um da companhia do outro. Compartilhamos quase tudo sobre as nossas aventuras, mas aí vieram os amores, a presença das meninas em nossas vidas. Os conflitos emocionais, tudo deu um jeito de acabar com a nossa amizade. E no final restou só ódio e ressentimento.
Começamos a nos afastar quando eu me interessei por Emília. Eu não sabia explicar porque aquela garota chamava tanto a minha atenção. Mas ela tinha um sorriso lindo, eu, pelo menos, achava. Sua voz era doce, o perfume que seu cabelo exalava me deixava doido. Eu amava aquela boyzinha, mas Emília parecia ter olhos apenas para o Allan e aquilo foi aos poucos me deixando arretado que só.
— Oxê, Bernardo – Allan tinha aquele jeito leve e mesmo percebendo meu afastamento, não mudou seu comportamento comigo – faz muito tempo que a gente não vai lá na praia fazer aquela zorra. Vamos lá, estou com saudades das nossas resenhas.
Eu olhei para ele azuretado, porque também sentia saudades dos momentos que passávamos juntos, mas resisti.
— Sabe o que é Allan – menti – minhas notas estão bem ruins, e painho já até ameaçou me quebrar no coro caso eu não passe de ano. Preciso estudar.
Allan fez uma cara estranha para mim e eu sabia que ele não havia acreditado em nadinha que eu tinha dito.
— A pois – relou a mão nos cachos da cabeça – se quiseres posso te ajudar.
— Não carece – dispensei o pedido – eu me viro sozinho.
—Tu andas muito estranho.
Ele também era bem sincero. Allan não conseguia esconder suas insatisfações de quase ninguém. Não era falso nem aproveitador, se ele gostasse de alguém, gostava pra valer, e às vezes eu até achava que tinha muita sorte em tê-lo como amigo. Mas aí eu lembrava da Emília, dos meus sentimentos por ela e do fato que era Allan que vivia para cima e pra baixo com a garota que eu amava, e tudo que me restava era a vontade de socar a cara dele.
— O que rola entre você e a Emília?
Perguntei sem pensar. Allan lançou um olhar despreocupado e sorriu.
— Oxente! – disse – não vai me dizer que estás interessado nela?
— Está maluco – a quem eu queria enganar – mas você não respondeu a minha pergunta.
— Não! – respondeu – eu não tenho nenhum interesse na Emília, visse. E ela que vive se esfregando em mim, e tu sabes, eu não posso negar que ela é um pitelzinho.
— Oxê! – eu não entendi a resposta dele – tens ou não?
— Já disse que não – fez cara de bravo – não estou te entendendo, Bernardo.
— Não é nada não – eu tentei disfarçar porque não queria que ninguém soubesse daquilo – É que às vezes é estranho ver vocês dois juntos.
— Pareceu até a Charlote falando – os olhos dele brilharam – mas não se avexe com isso, Emília não faz meu tipo. Gosto de boyzinha mais simples, entende. Aliás, sempre achei que era de você que ela gostava.
Eu fingia que entendia e só depois de muitos anos eu fui entender o que o Allan queria falar com aquilo. Dei um jeito de amarrar o meu jegue e fui embora.
Acho que a nossa amizade acabou mesmo, no dia em que eles dois se beijaram. Foi como se aquela cena destruísse todo o carinho e respeito que eu tinha por ele. Porque no final, ele ficou feliz com o beijo. Mas por incrível que parecesse, as coisas não saíram como eu imaginara. Allan aos poucos foi ficando distante, não só de mim, mas também de Emília, era como se a cabeça dele estivesse em outro lugar ou em outra pessoa.
— Tu tens percebido que o Allan anda bem estranho? – Fernandinho perguntou realmente preocupado.
— Não deve ser nada – respondi fazendo pouco-caso, porque eu realmente não me importava.
Eu queria mesmo é que ele continuasse bem longe, pelo menos de Emília. Assim eu teria paz para conquistar a boyzinha mais linda de Noronha.
— Oxente! – Fernandinho estava avexado – como não deve ser nada? Vocês brigaram foi?
— Deixe de leseira, Fernandinho – tentei disfarçar – Claro que não, mas o Allan deve ter seus próprios problemas, não acha?
— Não acho – pareceu concluir algo – Acho que ele está de Chamego com a Charlote.
— Avalie só – eu rir – e isso te incomoda?
— Está de onda com a minha cara?
— Estás querendo chamegar com a balofa? – eu soltei uma gaitada – imagina quando o Allan souber disso.
—Vai te lascar, seu treloso – eu deixei ele com a bexiga lisa.
Fernandinho fez um bico, e a expressão no seu rosto denunciou que tinha caroço nesse angu. Talvez Allan nunca tenha percebido, ou talvez sim, mas para mim Fernandinho caia de amores pela gorda da Charlote. Eu nem sabia exatamente o que eles viam nela, mas era estranho imaginar qualquer pessoa querendo chamegar com Charlote, um dia.
Fernandinho não prolongou o assunto e ficou por isso mesmo. Com o tempo as coisas foram se revelando como um dia claro, mas alguns desses segredos eu preferiria nunca ter descoberto na vida. Como Allan, ele também se afastou e a nossa amizade foi esvaziando como um copo furado, já não conversávamos mais, já não nos reuníamos. O que era loucura, já que vivemos nossas vidas inteirinha, praticamente presos em uma ilha pequena, mas essa decisão Fernandinho tomou por si só. Os fuxico que chegavam até mim era de que Fernandinho falava para os quatro ventos que não podia mais ser amigo de um cabra safado que nem eu. Avalie só, como se ele fosse flor que se cheire. No final das contas tudo girava em torno de Charlote, não quis ser mais meu amigo porque no passado havíamos feito coisas horríveis com ela, e ele agora se intitulava como alguém mudado. Se eu não conhecesse bem aquele treloso do Fernandinho até acreditaria nas suas mentiras, mas conforme os anos se passavam ele ia ficando cada vez pior.