Capítulo 14
2518palavras
2023-01-06 07:20
1
A ligação de Allan
Cheguei tarde em casa naquela noite e o primeiro nome que escutei assim que entrei foi o do Alan. Fiquei surpresa por ver o painho acordado àquela hora, ainda por cima conversando ao telefone.

— Charlote acabou de chegar – painho dizia com a outra pessoa pelo telefone – quer falar com ela?
Gelei! Meus olhos saltaram de tal forma que achei que eles cairiam e sairiam correndo de tão assustada que eu estava. Segundos depois, ainda parada no meio da sala, observando seu Chico ao telefone, tive a confirmação que painho falava mesmo com Alan.
Minha primeira vontade foi arrancar o telefone das mãos de painho e falar umas boas verdades para aquele cabra, visse. Mas foi só vontade mesmo, porque a coragem, essa saltou pela janela assim que os pensamentos fluíam em mim.
Painho perguntou como estava a mãe dele, o pai, o trabalho, os estudos e nessa conversa sem fim eu percebi que Alan se negou a falar comigo. Tive vontade de chorar ali mesmo, mas engoli a tristeza e me mantive firme.
Depois de longos minutos, painho, enfim, saiu daquele telefone e eu respirei aliviada, porém triste pela rejeição daquele que um dia foi o meu melhor amigo.
— O que o Allan queria, Painho? – perguntei, curiosa.

— Seu Natalino anda avexado com o atraso do aluguel da casa, pediu para que eu fosse cobrar – ele disse – só estranhei o fato dele se negar a falar contigo.
Fudeu a tabaca de chola!
— Allan deve ter seus motivos – respondi rapidamente – mas esse celular que ele ligou? De quem é painho?
— É do vizinho – olhou para o celular já com a tela apagada, depois olhou para mim com a mesma cara de curiosidade – Por isso estou achando essa história estranha por demais, visse. Brigou com Allan foi?

— Oxê! – Quase enfartei – que pergunta mais besta painho. Estou sem tempo para falar com Allan, só isso.
Menti e me senti a pior pessoa por isso.
— A pois! – Ele não acreditou, eu sabia – vou ali devolver o telefone do seu Joaquim.
E saiu, me deixando com o pior sentimento possível. Uma lágrima riscou meus olhos, depois outra, quando me dei conta estava eu correndo para o meu quarto e me trancando lá desabando no chão e chorando feito uma criança boba.
Diacho! Que falta o Allan me fazia. Que decisão mais besta de não voltar para Noronha, de desistir de nós assim tão facilmente. Eu me perguntava se um dia eu o esqueceria. Eu precisava seguir em frente, mesmo que carregasse um coração destruído no meu peito. Onde eu fosse lembraria dele. Para sempre.
Inevitável.
2
Fernandinho entra para ONG
O galo do vizinho canta do outro lado da rua no mesmo instante que alguém batia à porta. Era domingo, olhei no relógio e me perguntei quem era o abestalhado que acordava às 7:00h para azuretar no meu ouvido.
Que diacho!
Levantei avexada já na segunda batida.
Eu estava sonhando. Sonhei que Alan voltava para Noronha, mas não me procurava e eu só sabia do seu retorno porque via ele andando todo feliz, de mãos dadas com Emília, pelas ruas do arquipélago. Eu ia furiosa na direção dele para lhe falar umas boas verdades, mas aí vieram as batidas na porta e interromperam meu momento de glória. Quando eu parei para pensar no tal sonho, cheguei à conclusão que havia sido mesmo um pesadelo.
Ainda de pijama e tirando a remela dos olhos, abri a porta e me deparei com Fernandinho mostrando os dentes para mim.
— Oxente! – Falei – o que diacho você está fazendo aqui a essa hora?
— Bom dia, Charlote.
Eu não ia ser educada com alguém que me acorda as 7:00h em pleno domingo
— Desculpe pelo horário. Posso entrar?
— Como é?
Perguntei porque não acreditei na cara de pau do Fernandinho, mas ele foi entrando todo folote e já se atirando no sofá.
— Fale logo o que você quer, porque se painho te ver por aqui não vai gostar nadinha.
— Seria uma honra conhecer seu Chico.
— Que honra o que, Fernandinho? – Falei baixinho – Depois do que você fez, ele vai te matar.
— Eu não fiz nada – se levantou de imediato, demonstrando o cabra frouxo que ele era – Não fiz parte das brincadeiras contra você.
— Mas assistiu de camarote e não fez nada para evitar.
Eu observei seu rosto encarnar enquanto ele abaixava a cabeça envergonhado.
— Tudo bem? – disse – assumo minha culpa e te peço desculpas por todo o mal que eu e os moleques te causaram.
— Não pode falar por eles.
— Mas posso falar por mim – ficou nervoso, de repente – é complicado de explicar, Charlote. Eles são os meus amigos e eu gostava de fazer parte do grupo. Se eu não entrasse na onda das zoações eles logo me excluíram, e depois que o Allan foi embora, você sabe, eu fiquei sozinho sem nenhum amigo.
—Você chama aquilo de amigos?
Eu questionei, mas logo me lembrei que eu precisava tirá-lo dali, antes que o painho acordasse. Segurei pelo seu braço e saímos para fora, ficando no meio do corredor ao lado da casa.
— Você veio aqui só pedir desculpas?
— Também – ele segurou na minha mão e eu puxei de imediato. Não queria nenhuma intimidade com aquele cabra – Eu vim também falar sobre a ONG.
Ele colocou as mãos no bolso e eu achei melhor assim.
— Eu disse a você que pensaria – falei – não tem nem vinte e quatro horas ainda.
— Oxente! – Disse – e eu me aguento de ansiedade?
Eu rir. Achei engraçado o jeito avexado dele.
— Avalie só – apontei o dedo bem no meio do nariz dele – Quero você longe daqueles moleques. Eu sei que vocês continuam com as brincadeiras sem graça, mesmo longe do colégio. Se aproxime apenas para ajudar.
— Isso é uma condição?
— Cale a boca, porque eu não terminei – ele sorriu dizendo um “sim senhora” para mim – Se quiser fazer parte desse projeto comece dando o exemplo. A ONG é para ajudar os jovens que assim como eu, sofrem com aquilo que vocês chamam de brincadeira, e com aquele que as provoca.
— Isso é um sim?
— Sim – Um sorriso enorme se formou em seus lábios e ele me abraçou – obrigada, Charlote.
Me afastei, sem graça.
— Me agradeça fazendo um bom trabalho – eu não tinha certeza do que estava fazendo – a Betânia vai me matar.
— Aquela tamborete de zona? – Dei um leve empurrão nele pelo comentário – Você não me respondeu se estou desculpado.
— Deixe de ser tabacudo, Fernandinho. Claro que sim.
Ele olhou para mim de um jeito diferente.
— Agora eu entendo porque o Allan gostava tanto de você.
Quase fiquei borocochô por causa daquele comentário.
— Tem tido notícias dele?
Quase enfartei com aquela pergunta. De jeito maneira eu contaria a ele que eu e Alan já não éramos mais amigos.
— E você não?
— Oxente! Allan nunca me responde no facebook, até perguntei a ele sobre a boyzinha que ele está de chamego, mas não disse nada.
— De chamego?
O mundo girou. Aquela notícia pegou meu coração de jeito. Me faltou o ar porque imediatamente um nó sufocou a minha garganta e eu segurei o choro até o último momento.
— Você não sabia, Charlote?
— Eu? – Estava azuretada. Tentei organizar meu pensamento, mas estava quase impossível com aquela dor destruindo o meu coração – Eu sabia, claro!
— A pois! A boyzinha é linda demais, visse – ele disse aquilo com satisfação – e eu que pensava que entre você e o Allan rolava algum chamego. Avalie só minha leseira.
Me calei. Tentei colocar um sorriso no rosto, para disfarçar a tristeza, mas não consegui, então resolvi amarrar o meu jegue e dispensar o Fernandinho e correr para casa e chorar em paz.
— Eu preciso entrar – disse – depois a gente se fala, visse.
— Mas…
— Tchau.
Corri para casa e deixei ele falando sozinho.
Então Allan estava chamegando com outra boyzinha. Por isso o desprezo. Por isso o silêncio. Eu mal podia acreditar. Minha intenção era ir para o meu quarto chorar até dormir novamente, mas aí veio Jacob com Bentinho numa gritaria só pelo meio da casa.
— Seu treloso, fi duma égua – Bentinho gritava com ele, com o rosto encarnado – eu vou te denunciar para polícia, visse.
— Oxente Bentinho – me assustei – O que Jacob fez?
— Eu não fiz nada, visse – se defendeu – Bentinho está me deixando invocado e não vai prestar.
— Não vai prestar mesmo – Bentinho foi na direção dele e eu me meti no meio para a briga não piorar – você roubou a mesada que painho me deu. Devolva já.
— Cabueta.
— Com é? – Perguntei enquanto separava os dois – Isso é verdade, Jacob?
— Mentira deslavada.
— Deslavada é essa sua cara – Bentinho gritou – você vai se lascar todinho, visse Jacob. Não vou ter dó de você só porque é meu irmão.
Foi nessa hora que painho e mainha entraram na sala e eu implorei em silêncio para que Bentinho não contasse a ele nada.
— Jacob me roubou – acusou Bentinho.
Pronto!
— Eu vou sentar a mão nesse cabra, visse.
Painho foi logo tirando o cinto da calça e caminhou apressado na direção de Jacob quando eu entrei na frente.
— Calma painho – implorei e ele parou bem na minha frente com o braço levantado e cinto já pronto para bater naquele treloso. Os olhos dele encheram-se de lágrimas – Jacob vai devolver o dinheiro.
Jacob olhou para mim, depois olhou para o painho e, por fim, olhou para o cinto ainda estendido na sua direção. Abaixou a cabeça e num gesto rápido retirou o dinheiro de dentro da cueca e estendeu para Bentinho.
— Que diacho! – falou painho abaixando o braço que segurava o cinto – Deu agora para roubar a própria família, Jacob? O mesmo tostão que eu dei para o Bentinho eu dei para você.
— Essa mixaria? – Jacob respondeu e nessa hora eu tive vontade de pegar o cinto de painho e eu mesma bater nele – esse dinheiro não dá para comprar o que eu preciso.
— Mal-agradecido – eu o recriminei.
— Pois a partir de agora você não terá mais nem um tostão – gritou seu Chico – se quiser dinheiro, vai trabalhar vagabundo. Seja grato por eu não chamar a polícia, porque não terá próxima vez, visse. Ai de quem se meter entre eu e você, apanha também.
E ele saiu feito um pantel da sala em direção à rua. Me senti culpada por não ter deixado o painho dar uma boa chapuletada naquele treloso mal-agradecido. Meu coração partiu, ver painho daquele jeito. O silêncio que seguiu foi castigador. Mainha entrou para a cozinha chorando, Bentinho foi atrás dela e Jacob saiu como se nada tivesse acontecido. Pelo menos assim a dor em saber que Allan estava com outra mulher diminui, dando lugar a uma dor maior, a de ver minha família tão destruída.
3
Charlote e o novo chamego de Allan
O clima ficou tão pesado em casa que eu decidi sair sem nem tomar meu desjejum. Corri para casa de Betânia, pedindo um favor a ela.
— Olhe no facebook do Alan para mim.
— Oxê! – Ela estranhou meu pedido, porque eu não expliquei as coisas desde o princípio – por que quer que eu faça isso?
— Fernandinho foi lá em casa agorinha mesmo…
— O que aquele cabuloso queria com você? – Me interrompeu e eu fiquei irritada porque ela enrolava e não fazia o que eu pedia – ah, já sei…
— Que diacho, Betânia – falei – depois eu te conto. Voltando ao assunto, ele me contou que o Alan está de chamego com uma paulistana e eu preciso saber se é verdade.
— Fuxiqueiro de uma figa.
— Vai fazer ou não o que eu pedi?
— Não se avexe.
Caminhamos até o seu quarto. Ligamos o computador e a Betânia logrou no facebook. Allan ainda mantinha a amizade com ela e com todos os seus amigos de Noronha, menos comigo. Assim que entramos no perfil dele eu vi aquela foto e aquela maldita declaração de amor.
Avalie só como eu fiquei lendo aquilo.
“Te conhecer foi a melhor coisa que me aconteceu. Te amo”
— Mentiroso fi duma égua
— Ela é muito bonita – disse Betânia.
Olhei para ela irritada.
— Que seja! – Esbravejei e imediatamente comecei a chorar – Você está me saindo uma péssima amiga, visse, com esses comentários descabido.
— Desculpa, Charlote – sussurrou – mas ela é bonita.
— Assim que eu me recuperar, arranco sua língua fora, visse – enxuguei a lágrima que descia – eu sabia que o Allan era abestalhado, mas brega é a primeira vez. Que declaração ridícula.
— Boco moco, como dizia minha mãe – deu uma gaitada. Depois olhou para mim sem jeito sabendo que aquela não era a hora de fazer piadas – Quer saber o que eu penso de tudo isso? – Perguntou, mas não esperou eu responder – faça o mesmo. Segue em frente, arrume um namorado e esfregue nas fuças dele, visse.
Sorri. Depois fiquei borocochô. Então chorei de novo e de novo. As lágrimas não queriam cessar.
— Você tem razão – engoli o choro, enxuguei as lágrimas, limpei a catoca que escorria do nariz – Eu vou esquecer esse traidor, nem que seja a última coisa que faço na minha vida, visse.
— Eita! Gostei de ver – disse, realmente surpresa.
Então resolvi mudar de assunto e contei a ela que havia aceitado Fernandinho na ONG. Betânia não gostou nadinha disso. Argumentou de todas as formas possíveis para que eu mudasse de ideia, em vão. Eu realmente queria pagar para ver se aquele cabra realmente havia mudado. Depois de muita conversa ela resolveu confiar em mim.
De vez em quando Betânia voltava no assunto de Allan e eu tentava escapar. Ela me afirmava, mesmo eu sendo contra, que investigaria sobre a vida da tal Roberta e que só não falaria umas boas verdades a Allan porque esse direito não lhe cabia. Mas ela estava tão furiosa quanto eu.
Depois voltei para casa e a sensação que eu tinha era que carregava o mundo nas minhas costas. Eu me fiz de forte, mas por dentro estava destruída. Por muitas semanas eu chorei, e essas semanas se tornaram meses. E conforme os meses foram passando a dor e o peso foram diminuindo, menos o amor e a saudade. Esse continuou por anos dentro do meu coração e todas as vezes que eu lembrava de Allan a impressão que eu tinha é que o amor havia aumentado. Diacho!