Capítulo 7
2226palavras
2023-01-04 22:13
1
A mensagem dela
O telefone vibrou. Mas nessa hora eu ainda tirava um cochilo desgraçado que me prendia num danado de um sonho bom. Nunca pensei que eu fosse sonhar tanto com Charlote como estava sonhando por aqueles dias.

De longe eu podia ouvir a conversa de mainha com painho lá para as bandas da sala.
Me pareceu estranho, mas Painho dizia que havia encontrado com seu Chico na barraca de quitutes perto da praia do Leão mais cedo. Depois mainha falou, “mas, o que ele disse? ”, e Painho respondeu, “ficou triste. Sentiu muito e ficou triste, mulher”.
Eu logo imaginei que Charlote já soubesse uma hora daqueles sobre a nossa mudança. Talvez eu me importasse… sim, eu me importava, mas o desânimo era tão louco em mim que eu não tive forças para lamentar nada. Ah, aquela tabacuda da Charlote!
Peguei o controle e liguei a TV.
No primeiro canal, a Sessão da Tarde transmitia um filme romântico. Mudei.
No segundo canal, reportagem sobre a Praia do Leão em Noronha. Nossa! A Charlote veio logo na cabeça, mano! Troquei.

No terceiro, outro filme de amor, mas a personagem principal era um tribufu.
Oxê, que onda vei, não posso acreditar que tudo hoje está fazendo eu lembrar daquela gordinha.
Aí eu busquei o celular no bolso e coincidentemente havia uma mensagem, e imagine de quem?
CHARLOTE LAUREN, 1 mensagem não lida.

Ela queria saber o motivo de eu não ter contado sobre a mudança. Bem que eu desconfiava que ela já soubesse. Cedo ou tarde isso tinha que acontecer. Mas me senti feliz, sei lá, pelo menos ela tinha entrado em contato, mesmo que fosse para me encarar com aquela cara bicuda que ela fazia às vezes.
Preciso falar com você pessoalmente, vamos nos encontrar? Casa bonita, da rua de trás. Daqui a meia hora.
Agora eu tinha que esperar por sua resposta. Será que ela ia responder?
Mateus chegou lá em casa com o Fábio. Eles entraram fazendo zoada e foram em direção ao meu quarto. Mainha permitiu. Ela sempre permitia que os meus amigos entrassem lá, desde que eu era pequeno. E olhe que não eram poucos. Havia dias que a casa recebia mais de vinte visitas de boys diferentes. Queriam surfar, jogar pingue-pongue, ximbra…
— Oh, cegueta! – Mateus gritou quando abria a porta. - Por que não respondeu meu torpedo?
— Você me mandou mensagem? Eu nem vi, parceiro – eu realmente não tinha visto.
— O que está fazendo aqui sozinho Allan? Está se afogando em lágrimas por causa da Laurinha? – Fábio já tinha deitado na parte dos pés da cama e se espatifado todinho perto dos meus pés.
— É Lauren cara, quantas vezes vou ter que repetir isso? É Lauren, não Laurinha.
— Cuidado Fábio, ele está nervoso ultimamente. Não quer assumir o namorico com a Charlote.
— O que Mateus? O Allan está namorando a cinco bundas? – Dei-lhe um chute no braço depois do apelidinho idiota, que ele reclamou na hora. – Aí Allan, isso doeu mano.
Os meus amigos não me ajudariam muito com a minha situação. Talvez o Mateus e o Fernandinho, mesmo provocando, pudessem ao menos me ouvir sem dar pitacos que interrompesse as minhas ideias, mas o que eu estava pensando eu guardei só para mim. Aqueles tabacudos não eram dignos de saberem dos meus planos, eles iriam rir e sair contando de um a um em minutos.
— E aí Fabim, já foi se encontrar com o Bernardo? – Tratei logo de mudar de assunto e joguei a atenção do Mateus para cima do boy que parecia uma princesinha.
— Pare de graça, não quero saber de Bernardo algum, oxê. Pode parar com essas insinuações, visse! – Ele se aperreou na hora.
— É, o Fabim está de caso com o Bê — Mateus provocou, fazendo uma voz fina e engayzada. Fábio tinha uma pôpa arretada com essas zoações do Mateus.
— Oxê, vou me embora – Fábio se levantou com tudo e saiu. Mateus estava rindo atrás dele. Era tudo o que eu queria.
Agora eu já podia respirar fundo e aguardar a resposta de Charlote. Eu queria conversar com ela pessoalmente, como eu queria isso! Minha mudança era semana que vem e eu tinha pouco tempo para tentar ajeitar as coisas com a minha melhor amiga.
2
A resposta dele
Seguro firme o celular nas mãos a quase uns vinte minutos, verificando todo segundo se Allan não havia respondido minha mensagem. Mas que leseira daquele boy, visse, está me deixando mais nervosa do que deveria. Estou arretada com essa demora, ainda mais por saber que aquele abilolado escondeu de mim esse assunto de se mudar.
Nem por toda a minha vida eu imaginei viver uma coisa dessa. Vou até o meu armário e apanho os álbuns de fotos de quando a gente era criança. Meu coração se acocha com as lembranças que as fotografias trazem. Éramos dois pirralhas, tão felizes, sem preocupações e nada desses sentimentos bobos, que hoje separa nós dois. Allan tinha um narizinho de porrete mais lindo do mundo, que foi se ajeitando conforme ele crescia. Aliás, muita coisa mudou nele e em mim também. Eu cresci, mas cresci mesmo para todos os lados. Chorei, pesaroso, quando mainha adentrou o quarto:
— Se avexe não, Charlote – mainha me abraçou – um dia vocês se encontram por aí quem nem quando eram pequenos e vai ver que a amizade continua a mesma, visse.
— Oxente, mas por que tem que ser assim? – Eu quase me esborro em lágrimas – apois, não tem outro jeito?
Ela balança a cabeça negando.
— Também estou triste, visse. Seu pai nem se fala. Mas avalie só o quanto essa mudança vai ser boa para o Allan e os pais dele?
Eu não queria avaliar nada, nem imaginar como seria. Eu queria mesmo era avexar logo essa minha conversa com ele e dá-lhe uma boa chapuletada no pé de seu ouvido para ele aprender a não ficar de segredinho comigo nunca mais na sua vida.
Meu celular vibrou.
1 mensagem do Allan dizendo que precisa falar comigo pessoalmente, na casa bonita da rua de trás.
Respondo sua mensagem.
Sim, encontro você lá.
Me avexo, dando um pulo da cama e largando de lado as fotografias.
— Oxe menina, que diacho é que tu tens?
Deixo mainha azuretada.
— Estou indo me encontrar com o Allan na rua de trás para uma prosa.
— Gosto muito daquele cabra – ela se levanta, põem a mão na cintura. Conheço aquele gesto – mas não gosto nadinha dessa prosa aí, na rua. Por que ele não vem aqui em casa para falar com você?
— Deixe disso mainha – eu dou uma olhada no espelho, ajeitei o cabelo – somos amigos a tanto tempo, por que isso agora?
— A pois, vocês cresceram e ele se tornou um boy muito bonito. Da próxima vez, fale para ele vir aqui em casa, visse?
Até parece que ia ter próxima vez. Vejo ela sair do quarto nem um pouco satisfeita com a conversa e saio logo atrás, quase caindo na rua, avexada. Eu sei que ele marcou só daqui a meia hora, mas eu não consigo esperar isso não. De jeito maneira.
Me encosto na parede do muro da casa bonita e sinto o coração se acochar quando observo o Allan vindo lá de longe, caminhando avexado na minha direção. Já fazia uns minutos que eu estava ali, esperando por ele e bolando de que forma eu ia começar aquela prosa difícil demais da conta. Ele se achega, os olhos grudados no meu, em silêncio.
— Nessa leseira toda, achei que tinha desistido de vir – Eita que eu estava nervosa demais visse – A pois, diga logo o que tem para me dizer e me explique de vez porque me escondeu que ia se mudar.
— Charlote, eu não te escondi nada… quer dizer, oxê! Eu não fiz nada de caso pensado, visse? Só achei que você ficaria muito triste se eu te contasse sobre a minha partida. Além do mais, não queria olhar nos teus olhos na hora que partisse, quer dizer… na verdade não quero. Nós nascemos e crescemos aqui, todas as vezes que ficamos longe de Noronha foram só por alguns dias, em períodos de férias, entende? — Ele olhou dentro dos meus olhos, mas não teve coragem de continuar me encarando. Abaixou a cabeça e continuou suas explicações. — Não tenho coragem de te ver ficando para trás, Charlote. Essa é a verdade.
— E tu acha que eu tenho? – Me esborro em lágrimas – então é isso? Eu nunca mais vou te ver?
— Acho que este ''nunca mais'' é muito forte, Charlote. Mas você sabe para onde estamos indo, não é? Sabe que lá, a vida, apesar de garantir melhorias na estrutura profissional de painho, a rotina para mim vai ser osso! No início eu até achei legal a ideia, cheguei a pensar um monte de coisa, mas agora, quanto mais o dia se aproxima, mais eu sinto medo — Allan olhou para o lado e tentou disfarçar, mas eu percebi que seus olhos estavam tão molhados quanto os meus.
— Eu sei, mainha me explicou que vai ser melhor para você – falei desanimada – sabe, sobre as coisas que te disse naquele dia, que eu não queria mais ser sua amiga, esquece, visse. Eu estava azuretada, uma leseira só. Na verdade, eu nunca desejei deixar de ser sua amiga, agora que tu vais embora, é que eu não quero mesmo.
Nesse momento, Allan respirou fundo, olhou o horizonte com uma expressão de dissabor e sentou-se no meio-fio. Minha visão foi a mais bela e apaixonante possível. Dali, de onde eu estava, em pé, largada no muro, vi os cachos perfeitos do cabelo de Allan brilharem quando os raios do sol o tocaram. Era perfeito. Aquele garotinho que eu vi crescer e que tanto ficou ao meu lado, mesmo nas noites de sonhos, estava abatido, de verdade, completamente sem direção.
Com os braços cruzados e os cotovelos apoiados nos joelhos, ele se lamentava, em voz baixa, como se reclamasse consigo por não ter coragem ou não conseguir se opor a toda aquela situação.
Os pelinhos dourados de seus braços agora reluziam contra revérbero. Eu poderia estar louca, mas a minha vontade naquele instante era agarrar com toda força e não o soltar mais. Quem sabe até arriscar um beijo, aproveitar a sua carência sentimental e me perder naqueles lábios perfeitos de um rubro suave e incomparável. Mas, o corpo de quem eu era, tomou conta da minha mentalidade novamente e não permitiu que eu apostasse em mim. A Charlote Lauren gorda e desajeitada surgiu como um relâmpago me fazendo desistir.
— No que tu estás pensando, Charlote?
— Hã? — Acordei.
— No que está pensando? Você está parada aí nessa parede há quase três minutos. Não tem mais nada para falar?
— Eu? – Me aproximei dele e sentei ao seu lado roçando o meu braço no seu – estou pensando que vou sentir uma falta arretada de você, e das nossas conversas e de tudo – vamos continuar sendo amigos, não é?
— Claro que vamos, né! Só precisamos saber como faremos para nos falar. Cartas? SMS? Internet? Falando nisso… — nesse momento Allan virou o corpo completamente para mim, pensei até que ele ia… – você ainda tem o livro que eu te dei, não é? — Não, ele não me beijou!
— Hã, o livro, – murmurei desanimada – tenho sim. Mas porque você quer saber? O que diacho isso tem a ver com tudo?
— Ah, sei lá… era só um pretexto para olhar para você — ele sorriu e eu… bem, eu não acreditava no que tinha acabado de ouvir. – Quer dizer, para olhar para os teus olhos. Olho só, que boyzinha chorona, ainda está com os olhos molhados, visse!? Deixa que eu limpo.
Meu coração disparou. Allan passou os dedos no canto de meu olho esquerdo limpando, carinhosamente, as lágrimas que ainda estavam em meu rosto. Um arrepio bom surgiu em todo o meu corpo. Um sorriso bobo se fez bem no cantinho da boca dele. Aquele momento seria o mais inesquecível de toda a minha adolescência. Allan inclinou o seu corpo na direção do meu aproximando o seu rosto da minha cara de abobalhada. Segundos depois a sua boca encostou na minha. Allan, havia me beijado.
Não foi um beijo demorado, foi só um toque leve, mas que fez meu coração disparar de tanta felicidade. Ele se afastou, ainda com os olhos fechados e eu sei que encarnei que nem um pimentão. Amigos não se beijam, não na boca. Amigos não sentem o que eu estou sentindo agora. Não desejam muito mais do que ser apenas amigos. Ele sorri abobalhado para mim, mas eu continuo de boca aberta, querendo dizer mais alguma coisa, dizer o que eu sinto, mas aqueles olhos grudados nos meus não me deixam. Fico azuretada com aquilo. Será que Allan também gosta de mim? Mas ele não diz nada, se levanta e diz que precisa ir e depois nos falamos. Oxê, o que diacho deu nesse menino? Eu não sei, mas ele vai embora, me deixando mais apaixonada do que antes.